Uma varanda, um dia nublado num pequeno município do interior do estado do Rio de Janeiro. Mulheres, homens, muitos cachorros, garrafas de café e uma bandeira vermelha. Lideranças do MST organizam a ocupação de mais um latifúndio no estado e explicam às famílias presentes sobre Reforma Agrária, pressão social, ocupação. Dúvidas, desafios, esperanças. Daí até a conquista da terra, a “rocinha pra plantar, ter criação e dar um futuro aos filhos”, muita luta, percalços, desânimos e conquistas.
Este caminho que muitos sequer imaginam foi narrado no último Domingo (18/09), na primeira exibição pública do documentário Zé Pureza (1h40, Brasil, 2005), do cientista social Marcelo Ernandez. O filme participa do 10º Festival do Cinema Etnográfico, no Rio de Janeiro, onde concorre a prêmios com 128 outros do gênero.
O documentário resultou de um acompanhamento de quase quatro anos do dia a dia das famílias do acampamento Zé Pureza, no município de Conceição do Macabu (RJ), é resultado de visitas que começaram em outubro de 2003 e extenderam-se até abril de 2004. O registro acabou por inspirar ainda a tese de doutorado do autor, um estudo etnográfico da comunidade. É um dos filmes nacionais que tematizam a questão e o primeiro registro do processo que vai da ocupação à posse da terra no Rio de Janeiro.
“Nosso principal objetivo era desconstruir preconceitos. As pessoas tendem a pensar nos Sem Terra ou de maneira idealizada ou satanizada”, explica Ernandez.
Com poucas interferências de narrador externo, Zé Pureza adota uma postura intimista, entrando nas casas e barracos e colhendo depoimentos de seus moradores, registrando esperanças, desilusões, conquistas, sonhos e as transformações na comunidade e nos personagens no decorrer do tempo. Procura-se dar voz aos acampados, retratando-os como gente comum, “em oposição ao tratamento mais distanciado das mídias de massa”, diz o autor.
“Escolhemos personagens que refletissem a diversidade de perfis sociais presentes num acampamento, sobretudo no estado do Rio de Janeiro, uma pessoa do campo, outra mais urbanizada, outra advinda do trabalho pesado da cana de açúcar”.
O filme, apesar de exibido na Mostra, ainda encontra-se em finalização e tem seu lançamento nacional previsto para o fim do ano. “A realidade mostrada ali é particular, mas ultrapassa as fronteiras do estado”, acredita Ernandez, que no momento procura um distribuidor e planeja exibi-lo em circuito comercial.
Autor acampou para fazer filme e tese
Ernandez relata que essencial para poder “conhecer de perto” a realidade que decidiu mostrar, foi construir relações pessoais com a comunidade e as lideranças. “Estive por dezenas de vezes no acampamento, levava meu filho, ficamos amigos e construímos uma relação de respeito e confiança mútua”, relata ao cientista, que chegou a acampar por 15 dias com as famílias em três ocasiões.
A idéia de fazer um filme que mostrasse o processo de luta pela terra e as transformações que seus personagens passam no decorrer dele surgiu em 1999, quando dois outros amigos do autor conheceram um acampamento do MST no Rio Grande do Sul. Com o passar do tempo, porém, Marcelo Ernandez acabou se responsabilizando sozinho pela realização de Zé Pureza.
Fonte: MST