Adriana Aguiar
A imposição de metas e a implantação do processo eletrônico no Judiciário têm gerado mais do que estresse e cansaço em juízes e servidores. Segundo pesquisas recentes, o aumento de trabalho tem repercutido na saúde física e mental desses profissionais.
Hoje, os juízes trabalham em média mais de nove horas por dia e mesmo assim não conseguem dar conta do volume de trabalho, de acordo com o censo do Poder Judiciário, realizado no segundo semestre de 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com 10.796 magistrados.
A carga horária tem sido ainda mais pesada na Justiça Trabalhista, conforme levantamento da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), realizado em 2011 com 706 juízes. Pelo estudo, 45% dos magistrados vão dormir depois da meia-noite e 17,9% se levantam antes das 5 horas por causa do trabalho. Além disso, 64,3 % trabalham nas férias e 70,4% nos fins de semana mesmo estando muito cansados.
O excesso de jornada, segundo a pesquisa, tem desencadeado problemas de saúde à categoria. O estudo da Anamatra mostra que 33,2% dos juízes ouvidos estiveram de licença médica no último ano (entre 2010 e 2011). Do total, 41,5% alegam ter diagnóstico médico de depressão e 53,5% afirmam que dormem mal. Desses, 17,5% dos magistrados faziam uso de medicamentos para depressão e ansiedade, um número maior do que de médicos e agentes comunitários de saúde em Belo Horizonte.
Para o presidente da Anamatra, Paulo Luiz Schmidt, os dados são alarmantes em relação aos males causados por estresse e o desenvolvimento de doenças ocupacionais e que devem ter piorado ainda mais nos últimos anos com a intensificação da implantação do processo eletrônico. “Há ainda um grau de tendência ao suicídio altíssimo entre juízes em geral”, diz. Com base nisso, a entidade deve pleitear no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma espécie de “flexibilização” das metas para o ano que vem, que leve em consideração a preservação da saúde.
A Anamatra já apresentou uma proposta aos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) para a criação de uma meta de redução dos fatores de estresse ocupacional e de risco à saúde de magistrados. No dia 24 de setembro, porém, durante a reunião preparatória para o 8º Encontro Nacional do Poder Judiciário – que será dia 10 e 11 de novembro em Florianópolis (SC) e deliberará sobre as novas metas para o Poder Judiciário – a maioria dos representantes dos TRTs foi contrária à proposta.
Após isso, a Anamatra divulgou nota afirmando que pretende levar mesmo assim a questão ao CNJ e proporá a discussão em assembleias regionais para debater o tema. Segundo a nota assinada pelo presidente da Anamatra, “é incompreensível que o mesmo segmento Judiciário que opera a proteção da dignidade no trabalho à cidadania, inclusive no que diz respeito à saúde e segurança, não tenha a mesma preocupação com os seus próprios magistrados. Só a lógica da produtividade desenfreada, infelizmente estimulada pelo CNJ, sem respeito aos limites humanos pode explicar insensatez de tal envergadura.”
A reclamação sobre o excesso de trabalho também tem crescido na Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), segundo a vice-presidente de prerrogativas da entidade, Hadja Rayanne Holanda de Alencar. “As doenças desencadeadas por estresse têm se acentuado significativamente”, afirma. Para ela, a carga do magistrado está realmente pesada. São seis mil processos por juiz, de acordo com o CNJ. “Os juízes que não cumprem as metas estão sendo penalizados por isso. E mesmo com o aumento de produtividade, ainda são cerca de 95 milhões de ações no país.”
Para o presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), César Bochenek, o surgimento de doenças ocupacionas tem sido muito comum entre juízes e servidores após a implantação do processo eletrônico porque todos acabam ficando muitas horas na frente do computador. De acordo com ele, isso tem prejudicado a visão e gerado lesões por esforço repetitivo, pelo uso do mouse. “Enfim, eu mesmo sou exemplo disso. Já tive tendinite e há dois anos fiz cirurgia para corrigir uma hérnia de disco.”
Bochenek, que atua como desembargador do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, no Rio Grande do Sul, afirma que o tribunal já tomou algumas providências para prevenir esses problemas. Entre elas, a instalação de um programa no computador que trava de tempos e em tempos para que o juiz ou servidor se lembre de dar uma pausa no trabalho. Houve também a instalação, segundo o magistrado, de equipamentos ergonômicos, pensando na saúde dos que atuam por lá. “Acredito que outros tribunais tenham tomado medidas semelhantes”, diz.
Procurado pelo Valor, o CNJ não retornou até o fechamento da reportagem.