Os servidores são alvo (novamente) de uma campanha de desinformação. Para colocar a população contra a reivindicação de reposição das perdas salariais (19,99%) durante o governo Bolsonaro, uma série de “impeditivos legais e econômicos” são apresentados por parte da imprensa. Nada mais falso. Na semana passada, a Plenária Nacional das Servidoras e Servidores Públicos Federais se dedicou a discutir o assunto. Entre as pautas da atividade, uma palestra do consultor legislativo Luiz Alberto dos Santos tratou da recomposição salarial dos servidores e das servidoras, apresentando um amplo panorama do tema, passando pelo histórico recente, pelos limitadores aprovados nos últimos anos e chegando às possibilidades de conquista da recomposição no próximo período. As conclusões de Santos não deixam dúvidas: o governo Bolsonaro só não repõe as perdas dos servidores agora se não quiser.
Histórico e perdas salariais
O especialista explicou, em sua palestra, que desde 1995 houve basicamente reestruturações remuneratórias, sem a data-base anual prevista desde 1998, após o Congresso aprovar uma emenda constitucional determinando a incorporação de revisão geral a cada ano. Foi feita revisão geral apenas em 2001, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), mas com um índice de pouco mais de 3%, bem abaixo das perdas registradas naquele momento. Em 2003, primeiro ano de governo Lula, foi obtido reajuste de 1% e, depois disso, os reajustes vieram a partir de reestruturações de carreiras.
No governo Dilma, lembrou Santos, foram concedidos reajustes para alguns servidores, mas, desde 2019, sob os governos Temer e Bolsonaro nada mais foi reposto. Pelo contrário: grandes perdas não foram recuperadas, enquanto que, como destacou o consultor legislativo, o atual governo vem oferecendo tratamento diferenciado aos militares – estes sim com ganhos remuneratórios (obtidos como “compensação” pela reforma da Previdência, pela qual os servidores e servidoras civis só obtiveram mais perdas).
Por qualquer índice que se utilize, destaca o especialista, as perdas são grandes nos últimos anos. Se tomarmos por base o INPC, de janeiro de 2019 a dezembro de 2021 já são 21,37% de perdas acumuladas para os servidores públicos. Tomando por base o IPCA, o valor real dos salários caiu 19,99% no mesmo período – há grupos de servidores, porém, para os quais o prejuízo é ainda maior, já que não recebem reposição desde 2017: nesses casos, as perdas chegam a 28,15%. Além disso, a meta para a inflação de 2022 é de 3,5% a 5% (e há que se considerar que em 2021, por exemplo, a inflação real foi o dobro da meta).
Situação legal, granada no bolso e 180 dias
Luiz Alberto dos Santos lembrou que, em reunião ministerial realizada em abril de 2020, Paulo Guedes defendeu a necessidade de “colocar uma granada no bolso do inimigo”, no caso os servidores públicos. Essa granada veio com a Lei Complementar 173, do mesmo ano, que impediu qualquer tipo de aumento de despesa com pessoal até 31 de dezembro de 2021. Essa lei veio somar-se à emenda constitucional 95/2016, do teto de gastos, criando um aparato legal que dificulta a concessão de reajustes ao funcionalismo.
As limitações legais e fiscais têm seu fundo na emenda constitucional do teto de gastos, que limitou as despesas por órgão à correção da variação do IPCA do ano anterior. A emenda constitucional 113, que trata dos precatórios, porém, alterou a regra desse teto, oferecendo certa folga fiscal – o cálculo anteriormente era feito de julho do ano anterior a junho do ano corrente; com a mudança, passa a ser feito de janeiro a dezembro, e, como a inflação vem crescendo, o índice de dezembro é maior do que o de junho, de forma que o percentual de correção do teto para o ano seguinte será maior, permitindo que o limite de gastos fique acima do que ficaria no modelo anterior.
Além do teto de gastos, a PEC Emergencial (emenda constitucional 109) fixou um novo limite, determinando que as despesas obrigatórias não possam ultrapassar 95% da despesa primária. Outra limitação, imposta pela Lei Complementar 173, impôs o congelamento salarial dos servidores até 31 de dezembro de 2021. Há, ainda, vedação à sanção, pelo presidente, de leis que concedam reajustes nos últimos 180 dias do mandato, já que ele fica impedido de aumentar as despesas com pessoal. Por fim, o pagamento dos reajustes não pode mais ultrapassar o mandato do Poder Executivo, ou seja, um reajuste dado em 2022 não poderá ter etapas de pagamento em 2023. Por fim, uma última vedação é a disposta pela Lei de Diretrizes Orçamentárias ao pagamento de reajustes retroativos e ao reajuste, no exercício de 2022, de parcelas como auxílio alimentação, moradia, entre outros.
Mesmo com limitadores, orçamento e legislação comporta reposição emergencial de 19,99%
Esses diversos limitadores têm atrofiado o crescimento do país, os investimentos públicos e a melhora dos serviços oferecidos à população, além de impedir o provimento de cargos e a melhora das condições de trabalho e remuneração de servidores e servidoras. Porém, mesmo essas barreiras, Santos aponta que há folga fiscal suficiente para conceder reajustes. Ele explica que o governo tem utilizado a emenda do teto de gastos como ameaça, e concorda que a medida veio, de fato, para impedir o crescimento de gastos, especialmente os gastos com pessoal. Porém, com o teto alterado pela emenda constitucional 113, abriu-se uma folga adicional de R$ 68 bilhões para 2022.
Além dela, há a folga decorrente do adiamento do pagamento de precatórios, que chega a R$ 45 bilhões. O Congresso, porém, com a emenda constitucional 114, que complementou as alterações relacionadas aos precatórios, estabeleceu que essa segunda parte da folga não poderá ser utilizada em 2022 a não ser para gastos com Auxílio Brasil, Previdência, Assistência Social e Saúde. Mesmo assim, há uma folga que afasta a aplicação do teto como desculpa para a não concessão de reajuste.
Em relação às barreiras impostas pela PEC Emergencial, o limite de 95%, também há espaço: a projeção é de que se alcance 91,46%, sobrando, assim, R$ 50 bilhões. Além disso, a Receita Corrente Líquida teve aumento expressivo em 2021, abrindo mais espaço para esse tipo de gasto. A arrecadação atingiu o recorde histórico dos últimos 20 anos – R$ 1,87 trilhão –, de forma que no ano que vem esse cenário de folga financeira deve ser confirmado.
Ao mesmo tempo, a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2022 permite aumentos de remuneração, desde que observado o montante de quantidades e limites orçamentários. Embora a Lei Orçamentária Anual (LOA) não preveja reajustes para todos os servidores, o espaço existe. Conforme cálculos da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal (IFI/SF), se for concedido reajuste de 5% para todo o funcionalismo, como Bolsonaro chegou a mencionar, o custo seria de R$ 16,1 bilhões. Santos lembra que essa número gerou certo estardalhaço e “trabalho contrário” na mídia, e que, na sequência, Bolsonaro falou em dar reajuste apenas para policiais; porém nada havia sido incluído na LOA, motivo pelo qual o relator, a pedido do governo, promoveu cortes nas despesas com pessoal e liberou recursos para isso – quase 30 mil cargos que seriam providos foram cortados e, na sequência, Bolsonaro vetou R$ 3,1 bilhões sobre despesas de custeio e investimento. Luiz Alberto dos Santos refere ainda que a despesa com gastos com pessoal vem tendo redução real e em sua relação com o Produto Interno Bruto (PIB): em 2020, representava 4,3% do PIB; em 2021, 3,8%; para 2022, a previsão é de 3,6% do PIB estimado.
Além das diversas sobras e espaços apontados, há destinação de grandes valores para reservas de contingência, sem destinação concreta prevista, recursos que poderiam ser alocados para recompor as perdas salariais: “Há vários lugares de onde se poderia recolher recursos para uma eventual recomposição salarial”, diz o especialista, ressaltando que as entidades estão reivindicando as perdas do IPCA desde 2019, que são de 19,99%.
O que é necessário para garantir reposição ainda em 2022?
Para que se efetive a conquista de recomposição salarial emergencial em 2022 é necessário, em primeiro lugar, muita mobilização dos servidores. O calendário é apertado: “para termos efeitos em 2022, tudo tem que ser feito já”, ressalta Santos. Para uma revisão geral com reposição cheia (19,99%), seria necessária a aprovação até 10 de abril – após essa data, seria possível repor apenas a inflação do ano anterior. Para uma lei concessiva de qualquer tipo de reajuste, a sanção precisaria ocorrer até 4 de julho – 180 dias antes do fim do mandato presidencial. Nesse prazo, portanto, é necessária a realização de estimativas de impacto financeiro, elaboração de anteprojeto de lei, aprovação e sanção.
Há dois formatos nos quais isso pode ocorrer: uma revisão geral ou uma reestruturação. No primeiro caso, depende-se apenas do Executivo, mas não há garantia de reposição de perdas; há, porém, uniformidade de reajuste para todos os servidores e Poderes, assim como incidência para todas as parcelas que compõem os vencimentos. Nesse caso, é necessária a observância da lei eleitoral, ou seja, os prazos de fim de mandato presidencial. Já para uma reestruturação, a dependência é da iniciativa de cada poder ou órgão, não sendo necessariamente vinculada à perda do valor da moeda, mas sim à correção de distorções ou reposicionamento da carreira na hierarquia remuneratória.
Calendário de mobilização
Para Santos, é urgente enfrentar os efeitos que essa “política fiscalista e burra de engessamento da gestão pública está produzindo”. Para esse enfrentamento, não há outro caminho além da mobilização. A Fenajufe vem se articulando com outras federações nesse sentido, e o Sintrajusc em breve irá informar a categoria em Santa Catarina sobre a mobilização. Veja abaixo o calendário previsto:
Calendário de lutas já aprovado
7 a 11 de fevereiro – Rodada de plenárias estaduais e atividades virtuais “Recomposição emergencial para todas e todos: 19,99% já!”
14 a 25 de fevereiro – Jornada de Luta em estado de greve
9 de março – Greve nacional dos servidores e das servidoras federais
Com informações do Sintrajufe