A tentativa do ministério do Trabalho e das centrais sindicais de legalizar as entidades para torná-las legítimas representantes jurídicas dos interesses dos trabalhadores ocorre num momento em que a classe vive situação delicada e precisa mesmo de ajuda. Se o confronto entre capital e trabalho fosse uma luta de boxe, não seria exagero imaginar que, no Brasil atual, o segundo está nas cordas, acuado, com dificuldade para evitar os golpes do primeiro e manter-se de pé, sem ir a nocaute.
No governo e no Congresso, prontos ou ainda em gestação, diversos planos avançam contra os direitos dos empregados de empresas ou do setor público. Liberar o patrão para demitir funcionário registrado e recontratá-lo como prestador de serviço, sem FGTS e 13º, por exemplo. Dificultar o acesso a benefícios da Previdência. Limitar o direito de greve de funcionários públicos. Usar dinheiro do trabalhador para socorrer fazendeiros endividados cujo currículo de pagadores sugere que a operação seria mais uma doação.
Rivais antigas, as duas maiores centrais concordam que o trabalho está no canto do ringue, no embate contra o capital, e por isso têm deixado velhas divergências de lado para atuar juntas na resistência. “É um dos piores momentos para o conjunto dos trabalhadores”, diz o secretário-geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Quintino Severo. “Há um ataque quase generalizado aos direitos dos trabalhadores. Estamos em perigo”, afirma o presidente da Força Sindical, deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho.
Até o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, identifica o “ataque”, embora o encare com naturalidade. “É uma pressão natural, temos que ter competência para resistir”, diz.
A união de CUT e Força começou depois do avanço da idéia que deflagrou a onda de ataques a conquistas trabalhistas: a chamada emenda 3. Ela proíbe fiscais de multar empresas que empregam prestador de serviço no lugar de funcionário com carteira assinada. A Justiça teria de autorizar a multa. E como a Justiça é lenta, na prática, a contratação de prestadores de serviço estaria liberada, e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que garante os principais direitos, se tornaria inútil.
“O direito dos trabalhadores historicamente foi implementado em lei para beneficiar os trabalhadores. A relação capital-trabalho é assimétrica a favor do capital. O marco [a lei] é para proteger o trabalhador”, diz o economista da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Alberto Ramos, especializado em questões trabalhistas.
A emenda 3 foi vetada pelo presidente Lula, mas o Congresso ameaça derrubar o veto e torná-la regra de vez. Nesta semana, as centrais realizam de novo, em todo o país, atos e manifestações contra a emenda. E enquanto o governo negocia uma solução que salve o veto mas ofereça algo ao patronato, há quem defenda no Congresso uma forma disfarçada de passar por cima da CLT.
O presidente da Comissão de Trabalho da Câmara, deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) acha que uma empresa deveria poder pagar um valor X ao empregado, e o funcionário que se encarregasse de contribuir com INSS e FGTS. A CUT taxou a proposta de “roubo”. Para a Força Sindical, seria instituir “trabalhador por tarefa”.
Os trabalhadores do setor privado também correm risco de enfrentar mais obstáculos para obter benefícios da Previdência Social. Por interesse do governo, o Senado tenta votar projeto do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) que muda o cálculo do valor do auxílio-doença pago pelo INSS e, na prática, reduz o pagamento. A despesa com o benefício explodiu nos últimos anos, e o ministério da Previdência diz que há distorções. Mas, para as centrais, a pretexto de corrigir distorções, todos os trabalhadores serão prejudicados. Estima-se que o valor do benefício cairia até 80%.
Além disso, está em andamento o Fórum Nacional da Previdência Social, que discute mudanças que fatalmente vão complicar o acesso aos benefícios. As alterações, contudo, devem valer só para o futuro.
Já o funcionalismo público está na mira de proposta em gestação no governo sobre direito de greve da categoria. Pelo que se sabe até agora, pode haver proibição de paralisação em certas atividades e corte de salário por dias parados. O governo decidiu preparar a regulamentação da greve, prevista na Constituição desde 1988, por causa dos problemas com controladores de vôo.
“Parece que se quer limitar o direito de greve, não que ele seja exercido”, diz o presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), Magno Antonio Correia de Mello.
Para a CUT, central da maioria dos sindicatos de servidores, a regulamentação só é aceitável se for acompanhada da instituição do mecanismo da negociação coletiva, algo que não existe no Brasil. Sem a negociação coletiva, um princípio da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a greve seria o único instrumento de pressão e de reivindicação.
Fonte: Agência Carta Maior