Após mais de 15 horas de sucessivas sessões, o governo de Michel Temer (PMDB) conseguiu aprovar, às pressas e com manobra que atropelou o regimento interno, a proposta de emenda constitucional que congela por vinte anos o orçamento dos serviços públicos prestados à população, inclusive de áreas sociais e do sistema judicial. Todos os destaques foram rejeitados, entre eles os que excluíam a saúde e a educação das restrições. Não há limites, porém, para o pagamento de juros das dívidas públicas ou para despesas com as chamadas estatais não dependentes, sendo que a exclusão destas empresas estaria diretamente relacionada à geração de mais dívida pública. A votação de ontem foi acompanhada por representantes do Sintrajusc.
Assim que 366 deputados federais votaram a favor do texto base da PEC 241, por volta das 9h35min da segunda-feira, 10, servidores públicos e trabalhadores de outros setores usaram as redes sociais para convocar a mobilização para tentar deter a proposta na votação no segundo turno – que tende a ser marcada para a segunda quinzena de outubro, mas não tem data ainda definida. A “PEC do fim do mundo”ou “PEC da morte”, como vem sendo chamada a proposta, foi aprovada por 366 votos a favor, 111 contra e uma abstenção.
A votação se deu por cima do regimento interno da Câmara, que impede que isso ocorra antes do interstício de duas sessões plenárias após a aprovação na comissão especial. A quebra do regimento foi posta em uma contestada votação por solicitação do líder do governo e aprovada. A manobra fez com que o texto fosse a voto sem um debate mais extenso sobre algo que engessa os serviços públicos por vinte anos ou cinco governos.
Servidores que se mobilizaram contra a PEC, porém, afirmam que não jogaram a toalha. Além do segundo turno na Câmara, haverá ainda dois turnos no Senado. O trâmite entre os deputados, ocorrido com rapidez espetacular após as eleições municipais, sinaliza ao menos duas coisas: primeiro, evidente, que o presidente Michel Temer possui nesse momento uma base parlamentar disposta a aprovar esta e outras propostas impopulares, como a reforma da Previdência; segundo, que o governo corre para aprovar tais projetos, ao ponto de desrespeitar até o regimento interno legislativo, porque teme uma mudança neste cenário, provavelmente com receio de uma reação maior e contrária de trabalhadores.
Todos os poderes
O texto fixa limites individualizados para cinco poderes ou órgãos: Poder Executivo; tribunais e Conselho Nacional de Justiça no Judiciário; Senado, Câmara dos Deputados e Tribunal de Contas da União (TCU) no Legislativo; Ministério Público da União e Conselho Nacional do Ministério Público; e Defensoria Pública da União.
Por duas décadas, o orçamento de cada um desses órgãos ou poderes não poderá exceder as despesas executadas no ano anterior, acrescida da variação do IPCA no período de julho a junho último. Excepcionalmente, em 2017 o índice a ser aplicado será de 7,2%, percentual que já está na proposta orçamentária da União e é uma projeção da inflação para 2016. Sempre que um desses poderes ou órgão não cumprir o limite, ficará impedido de conceder reajustes salariais, reestruturar carreiras, promoções ou realizar concursos públicos. Nesse caso, até o item constitucional que determina a revisão anual dos salários cai.
Manifestações
A votação foi marcada por protestos em alguns estados, atuação de servidores e outras categorias na Câmara e ocupações de escolas em pelo menos dez estados do país. A maioria delas ocorrem no Paraná, onde a mobilização estudantil já vinha contestando, com atos e ocupações, tanto a PEC 241, quanto a medida provisória do ensino médio – na noite da votação na Câmara, já eram 118 colégios ocupados neste estado do Sul do país.
Em São Paulo, dezenas de secundaristas e universitários ocuparam no início da noite o escritório da Presidência da República, na av. Paulista, para contestar a PEC 241, de onde saíram por volta das 23h. Manifesto lido pelos estudantes no momento da desocupação afirma que a votação ocorrida na Câmara “não reflete os anseios da população”.
Jantar e empresários
Os protestos estudantis, sindicais, dos movimentos sociais e de entidades civis contrastam com a defesa da proposta feita por grandes empresários – que chegaram a pagar anúncios nos meios de comunicação para defendê-la. Já o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde divulgou estimativa de que nas próximas duas décadas as perdas só com a área de saúde, caso a proposta passe, será de R$ 433 bilhões. A Procuradoria-Geral da República, por sua vez, enviou nota ao Congresso Nacional na qual afirma que a PEC 241 é inconstitucional e poderá inviabilizar o funcionamento do sistema judicial.
Parlamentares da oposição, que tentavam adiar a votação, também mencionaram o jantar oferecido na véspera pelo presidente Michel Temer a cerca de 210 deputados e acompanhantes, no Palácio Alvorada, pago com dinheiro público, para atrair a base governista a Brasília e facilitar a obtenção de quórum em uma segunda-feira. “A opinião pública, que nos acompanha, acha que os gastos que vão ser cortados são com [despesas] como o jantar de ontem [segunda], mas não. O corte é em educação e saúde”, disse o deputado Alexandre Molon (Rede-RJ). "Não tem jantar que valha esse preço. Num momento como esse de crise, vocês vão cortar na saúde e educação dos brasileiros", disse o deputado Glauber Braga (Psol-RJ), pouco antes da matéria ir a voto.
Os deputados da base governista defenderam a aprovação com discursos que por vezes citavam a gestão petista na Presidência, lembrando momentos em que o PT defendeu cortes nas despesas públicas, e noutras negavam que a medida vá acarretar a redução de recursos de áreas sociais como saúde e educação. "O que nós queremos é o estado necessário, que tenha a melhor saúde do mundo, a melhor educação do mundo" disse o deputado Luiz Carlos Hauley (PSDB-PR). A retórica, no entanto, caía em inevitável contradição. Desde que o atual governo tomou posse, ainda interinamente, que uma das prioridades anunciada reiteradas vezes pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é justamente pôr fim às receitas vinculadas da União – caso da saúde e educação –, o que dizia considerar incompatível com o tamanho da economia do país.
Editado por Sintrajufe/RS; fonte: Luta Fenajufe Notícias, por Hélcio Duarte Filho (colaborou Eliane Salles).