A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal deixou de lado os artigos da Constituição Federal que asseguram a irredutibilidade de salários, salvo acordo coletivo com participação dos sindicatos, para julgar constitucional a Medida Provisória 936/2020. A decisão tem impacto imediato sobre os trabalhadores da iniciativa privada, mas abre precedente que pode ter reflexos sobre toda a classe trabalhadora do país.
O julgamento da Medida Provisória 936/2020 começou na tarde da quinta-feira (16), com as sustentações orais do autor da ação de inconstitucionalidade, o partido Rede Sustentabilidade, da Advocacia-Geral da União e de entidades aceitas pelo relator como interessadas na ação (amici curiae). Centrais sindicais dos trabalhadores defenderam a inconstitucionalidade da medida, denominada Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, apresentado pelo governo como iniciativa para manter empregos durante a pandemia do coronavírus e com duração prevista de três meses. O único a proferir seu voto na quinta foi o relator, ministro Ricardo Lewandowski. O julgamento iria prosseguir, mas problemas técnicos na transmissão remota da sessão levaram ao adiamento para sexta-feira (17).
Redução e suspensão de contratos
A medida provisória permite a redução proporcional de salários e jornadas em até 70% por três meses e a suspensão do contrato de trabalho por 60 dias. Prevê ainda uma compensação paga pelo governo ao trabalhador, mas em geral aquém da remuneração perdida. O texto da MP prevê que essa negociação será individual, sem participação dos sindicatos. A medida delimita tal negociação a trabalhadores que recebam até R$ 3.135,00 ou mais de R$ 12.102,00, fixando como obrigatória a negociação coletiva para faixas intermediárias entre um valor e outro.
A liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski atendia muito parcialmente o pedido de inconstitucionalidade. Na prática, podia ser considerada até mesmo inócua – tanto que a decisão, após resposta de Lewandowski a embargos de declaração da Advocacia-Geral da União, teria sido comemorada pelo próprio governo. O ministro determinara que os sindicatos precisavam ser avisados em até dez dias da celebração do acordo individual. Caso não se manifestassem, o acordo seguiria valendo normalmente. Mas podiam optar pela abertura de negociação coletiva. O problema é que, mesmo neste caso, as reduções ou suspensões de contratos continuariam valendo até que se chegasse a um desfecho para o acordo coletivo.
Voto de Lewandowski
Ao expor o seu voto, Lewandowski reconheceu que a Constituição Federal impede a redução de salários, salvo em acordos coletivos firmados com a participação do sindicato que representa a categoria afetada com a perda do direito constitucional. No entanto, a sua posição permitia que acordos individuais tivessem validade imediata, antes mesmo de comunicados ao sindicato. “Exatamente para mostrar que a minha decisão procurou harmonizar a intenção do governo, que temos que reconhecer que foi uma intenção benfazeja diante dessa terrível crise econômica que nos assola em razão da pandemia, com as cláusulas pétreas da Constituição que abrigam direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores, que não podem ser deixadas de lado num momento de crise”, disse o ministro, admitindo, de certo modo, que procurou conciliar uma medida que reconhece ser inconstitucional com a Constituição. Esse raciocínio ficou nítido durante o desenrolar da sessão que concluiu o julgamento da liminar.
A divergência favorável aos sindicatos e trabalhadores foi aberta pelo ministro Edson Fachin, que votou pela inconstitucionalidade da medida provisória. Foi seguido pela ministra Rosa Weber. Já a divergência contrária aos sindicatos foi aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, seguido por Luiz Fux, Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio de Mello e Dias Toffoli.
Quase todos, ao proferir seus votos, reconheceram de certa forma que a Constituição Federal assegura a irredutibilidade salarial, mas buscaram outras argumentações para justificar seus votos. O principal deles, a segurança jurídica dos acordos já realizados, a excepcionalidade do momento e a necessidade de preservar empregos. Nenhum deles mencionou, por exemplo, que os empregos poderiam ter sido garantidos com outras medidas e iniciativas estatais.
Luciana Araujo, do Sintrajud