Após 57 anos da primeira transmissão de televisão no Brasil, o Governo brasileiro protagoniza, com a participação ativa de todos os atores sociais e profissionais ligados à área, a primeira discussão aprofundada e sistemática a respeito da TV Pública, com a realização da plenária final do I Fórum Nacional sobre o tema, em Brasília.
Lula e Franklin Martins no encerramento do Fórum Pela enésima vez, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu deixar de lado o discurso previamente elaborado por sua assessoria e falou com o coração na cerimônia de encerramento do I Fórum Nacional da TV Pública, na última sexta-feira (11/05), em Brasília. Estava alegre e espirituoso, apesar de ter acordado muito cedo, às 4 horas da manhã, acometido de insônia. Não tendo o que fazer, ligou a televisão a cabo e encarou um documentário sobre o time espanhol Real Madri. Segundo Lula, o âncora do programa perguntava aos entrevistados por que o Real Madri se chamava Real Madri? Ao que todos invariavelmente respondiam pela negativa. Aproveitou este exemplo que pinçou da madrugada para refazer a pergunta ao auditório que o esperava, junto com sua comitiva ministerial para a cerimônia de encerramento do Fórum, no Hotel Nacional. “Gostaria de ter o poder de penetrar na cabeça de cada um de vocês para saber qual a TV Pública que queremos!”, instigou o Presidente.
“Precisamos da junção de todas essas idéias sobre a TV Pública no Brasil, de todos vocês, e percorrer os caminhos necessários para tornar realidade os termos da Carta de Brasília” disse Lula, depois de ouvir a leitura do texto aprovado pelo Fórum por Jorge da Cunha Lima, presidente da Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec). Aproveitou para adiantar também que este tema seria apresentado logo na próxima reunião do Conselho Político do Governo, para que os partidos políticos aliados tomassem uma posição sobre qual seria a melhor forma de encaminhar o projeto para o legislativo, se através de um Projeto de Lei ou se por Medida Provisória. Confessou também o Presidente que se esta iniciativa tivesse ficado somente no âmbito do Executivo, o resultado não teria sido tão avançado, como ele próprio constatou ao tomar conhecimento do resultado do Fórum.
A TV de Lula
Queixou-se, por fim, à guisa de tentar estabelecer um formato para a futura TV Pública brasileira, de que sentia muita falta de programas de televisão que promovessem debates mais aprofundados sobre os principais problemas do país. Citou como exceções à regra o programa Canal Livre, da TV Bandeirantes, e o Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo. “Quantos pensadores e intelectuais eu conheço que poderiam debater estes temas na televisão! Até em matéria de economia, as TVs só chamam os especialistas do mercado!”, reclamou Lula. Se o primeiro mandato foi necessário para botar ordem na economia que estava em colapso, o segundo mandato, disse o Presidente, será para fazer o que não foi possível ser feito. ‘Se pensarmos em uma espécie de Programa de Aceleração da Cultura, acredito que a TV Pública seria o começo desse projeto, junto com as rádios públicas’, afirmou.
O presidente Lula destacou ainda a importância do envolvimento de toda sociedade na discussão das TVs Públicas. ‘Nós queremos competir na qualidade e no profissionalismo. Temos que ter uma televisão que as pessoas tenham o prazer de assistir’. Para o presidente, é essencial que ‘do Oiapoque ao Chuí’, os brasileiros contem com uma TV comprometida com os princípios democráticos e que mostre a realidade social e cultural do país. Após quatro dias de debates, que reuniram 1.500 representantes do campo público de TV, profissionais e estudiosos do tema, o I Fórum Nacional das TVs Públicas foi encerrado numa solenidade que contou com as presenças dos ministros da Cultura, Gilberto Gil, e da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins; o secretário executivo do MinC, Juca Ferreira; o secretário do Audiovisual, Orlando Senna; o assessor especial do ministro da Cultura e coordenador do Fórum, Mario Borgneth; e o presidente Abepec, Jorge da Cunha Lima.
Debate continua
Resultado de um processo de nove meses de debates e consultas, o I Fórum Nacional das TVs Públicas não deve se esgotar nessas plenárias finais. ‘Essa mobilização e essa vontade política de trabalhar junto deve ganhar a dinâmica propiciada pela permanência’, conclamou o ministro da Cultura, Gilberto Gil. ‘A Carta de Brasília deverá ser uma referência para a construção de políticas públicas para as TVs”. O ministro anunciou que, já na próxima semana, serão convocados os grupos de trabalho que deverão desenhar ‘um novo sistema brasileiro de TV Pública’.
Gil destacou a presença do presidente da República na cerimônia de encerramento do Fórum como uma ‘demonstração eloqüente’ do compromisso do governo com a tarefa de ‘ter uma TV Pública restaurada em sua dignidade e reequipada’. O ministro considerou os resultados do Fórum como uma ‘referência básica abrangente, coletiva e plural’. É preciso destacar a participação neste processo de construção da proposta de TV Pùblica, do Ministério da Cultura, capitaneado pelo Ministro Gilberto Gil, do secretário do Áudio-visual do MinC, Orlando Senna, do secretário executivo do MinC, Juca Ferreira, do Diretor Presidente da Ancine, Manoel Rangel, dos professores Laurindo Leal Filho (USP) e de Venício Lima (UNB), de João Brant, do Coletivo Intervozes, e de uma gama extensa de presidentes de TVs Públicas nos Estados, como a Fundação Aperipê, de Sergipe, Indira Amaral, e de produtores de cinema e de Televisão de todo o Brasil.
Ao final do encontro, os participantes aprovaram a Carta de Brasília, documento que traz recomendações estratégicas para o planejamento das políticas voltadas para a construção e desenvolvimento de um sistema de comunicação e informação no país, por meio da articulação entre os canais públicos de televisão.
Leia abaixo o Manifesto pela TV Pública
Manifesto pela TV Pública independente e democrática
Nós, representantes das emissoras Públicas, Educativas, Culturais, Universitárias, Legislativas e Comunitárias, ativistas da sociedade civil e militantes do movimento social, profissionais da cultura, cineastas, produtores independentes, comunicadores, acadêmicos e telespectadores, reunidos em Brasília, afirmamos, em uníssono, que o Brasil precisa, no seu trilhar em busca da democracia com igualdade e justiça social, de TVs Públicas independentes, democráticas e apartidárias.
Nove meses transcorridos desde o chamamento para o 1º Fórum Nacional de TVs Públicas, uma iniciativa pioneira do Ministério da Cultura, por meio da Secretaria do Audiovisual, com apoio da Presidência da República, podemos afirmar que este nosso clamor soma-se aos anseios da sociedade brasileira. Neste processo, o Brasil debateu intensamente a televisão que quer e pretende construir, quando estamos à porta da transição para a era digital.
Nesse período, superamos a dispersão que nos apartava de nós mesmos e descobrimos uma via comum de atuação, que tem como rota o reconhecimento de que somos parte de um mesmo todo, diverso e plural, complementar e dinâmico, articulado em torno do Campo Público de Televisão. Um corpo que se afirma a partir da sua heterogeneidade, mas compartilha visões e concepções comuns.
Os participantes do Fórum afirmam:
*A TV Pública promove a formação crítica do indivíduo para o exercício da cidadania e da democracia;
*A TV Pública deve ser a expressão maior da diversidade de gênero, étnico-racial, cultural e social brasileiras, promovendo o diálogo entre as múltiplas identidades do País;
*A TV Pública deve ser instrumento de universalização dos direitos à informação, à comunicação, à educação e à cultura, bem como dos outros direitos humanos e sociais;
*A TV Pública deve estar ao alcance de todos os cidadãos e cidadãs;
*A TV Pública deve ser independente e autônoma em relação a governos e ao mercado, devendo seu financiamento ter origem em fontes múltiplas, com a participação significativa de orçamentos públicos e de fundos não-contingenciáveis;
*As diretrizes de gestão, programação e a fiscalização dessa programação da TV Pública devem ser atribuição de órgão colegiado deliberativo, representativo da sociedade, no qual o Estado ou o Governo não devem ter maioria;
*A TV Pública tem o compromisso de fomentar a produção independente, ampliando significativamente a presença desses conteúdos em sua grade de programação;
*A programação da TV Pública deve contemplar a produção regional;
*A programação da TV Pública não deve estar orientada estritamente por critérios mercadológicos, mas não deve abrir mão de buscar o interesse do maior número possível de telespectadores;
*A TV Pública considera o cinema brasileiro um parceiro estratégico para a realização de sua missão e enxerga-se como aliada na expansão da sua produção e difusão;
*O Campo Público de Televisão recebe positivamente a criação de uma rede pública organizada pelo Governo Federal, a partir da fusão de duas instituições públicas integrantes do campo público e promotoras deste Fórum (ACERP e Radiobrás);
E recomendam:
*A nova rede pública organizada pelo Governo Federal deve ampliar e fortalecer, de maneira horizontal, as redes já existentes;
*A regulamentação da Constituição Federal em seu capítulo sobre Comunicação Social, especificamente os artigos 220, 221 e 223;
*O processo em curso deve ser entendido como parte da construção de um sistema público de comunicação, como prevê a Constituição Federal de 1988;
*A construção e adoção de novos parâmetros de aferição de audiência e qualidade que contemplem os objetivos para os quais a TV Pública foi criada;
*A participação decisiva da União em um amplo programa de financiamento voltado para a produção de conteúdos audiovisuais, por meio de mecanismos inovadores;
*Promover mecanismos que viabilizem a produção e veiculação de comunicação pelos cidadãos e cidadãs brasileiros;?
E propõem em face do processo de migração digital:
*Garantir a construção de uma infra-estrutura técnica, pública e única, que viabilize a integração das plataformas de serviços digitais por meio de um operador de rede;
*A TV Pública considera que a multiprogramação é o modelo estratégico para bem realizar a sua missão;
*A TV Pública deve ser promotora do processo de convergência digital, ampliando sua área de atuação com as novas tecnologias de informação e comunicação e promovendo a inclusão digital;
*A TV Pública deve se destacar pelo estímulo à produção de conteúdos digitais interativos e inovadores;
*O apoio à continuidade de pesquisas com vistas à criação de softwares que garantam a interatividade plena;
*Os canais públicos criados pela Lei do Cabo devem ser contemplados no processo de migração digital, passando a operar também em rede aberta terrestre de televisão;
*A TV Pública deve estar presente em todas as formas de difusão de televisão, existentes ou por serem criadas;
*Trabalhar em conjunto com o BNDES para encontrar mecanismos de financiamento, por meio do fundo social do banco de fomento, da migração digital das TVs Públicas;
*Fomentar o debate sobre a questão da propriedade intelectual no universo digital, buscando ampliar os mecanismos de compartilhamento do conhecimento;
A força e a solidez do 1º Fórum Nacional de TVs Públicas são reflexos do envolvimento das associações do campo público de televisão brasileiro – Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCom), Associação Brasileira de Emissoras Universitárias (ABTU) e Associação Brasileira de Televisões e Rádios Legislativas (Astral) – e das organizações da sociedade civil, que ao tomarem parte deste processo dele se apropriaram, difundindo-o e ampliando-o.
Ao cabo destes quatro dias de reunião, sob o signo da fraternidade e de uma harmonia construtiva que só se vivencia nos grandes momentos históricos, todos saímos fortalecidos.
Acima de tudo, porém, emerge fortalecido o cidadão brasileiro, detentor de um conjunto de direitos que jamais se efetivarão sem a ampliação e o fortalecimento do espaço público também na televisão brasileira;
Pelos motivos que se depreendem da leitura desta carta, é consenso, por fim, que o Fórum Nacional de TVs Públicas deve se transformar em espaço permanente de interlocução e de construção de políticas republicanas de comunicação social, educação e cultura, institucionalizando-se na vida democrática do País.
Brasília, 11 de maio de 2007
I Fórum Nacional de TVs Públicas