Depois do barulho feito pelas emissoras brasileiras de TV na cobertura dada à não renovação da concessão da RCTV na Venezuela, a polêmica em torno do caso foi reascendida pelo Senado Federal. Durante a última semana, o coro anti-Chávez ganhou força a partir de um pronunciamento do senador José Sarney (PMDB-PA), que acabou se transformando em um apelo aprovado pela Comissão de Relações Exteriores junto ao presidente da Venezuela, para que ele revisse sua decisão.
O pedido mereceu reação agressiva de Chávez, que chamou o Senado brasileiro de “papagaio” dos EUA e afirmou que seria mais fácil o “império português voltar a se instalar em Brasília do que o governo da Venezuela devolver a concessão à oligarquia venezuelana”. A resposta foi a fagulha necessária para que representantes de outros partidos se manifestassem, inclusive os presidentes do Senado e da Câmara. “Um chefe de Estado que não sabe conviver com uma manifestação democrática, como foi a manifestação do Senado brasileiro, é porque provavelmente está na contramão da democracia”, afirmou Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado.
A opinião expressa pelo terceiro na linha sucessória presidencial vai ao encontro da ofensiva que, por meio da repetição, tenta colar a idéia de que a atitude de não renovar uma concessão pública é, em si mesma, antidemocrática. Praticamente todos os maiores jornais comerciais brasileiros publicaram editoriais e estamparam manchetes nas quais adjetivos como “totalitário”, “autoritário”, “cerceador da liberdade de imprensa” e outros foram a tônica, em detrimento de uma análise sobre o mérito da decisão e as ações da emissora.
Solidariedade midiática
Mas o que está por trás desta pró-ativa campanha dos senadores brasileiros? Na avaliação de especialistas consultados por Carta Maior, muito mais do que a convicção favorável à liberdade de imprensa. Parte dos parlamentares não são somente simpáticos à mídia comercial brasileira, mas seus agentes. Atualmente, 27 dos 91 senadores são concessionários de Rádio ou TV, posição também desfrutada por mais de 10% dos deputados federais.
“É evidente que quando tem depoimento de pessoas que são eleitas e ao mesmo tempo concessionárias de emissoras, os interesses se mesclam”, afirma o deputado Paulo Rubem Santiago (PT-PE). Na avaliação do pesquisador e doutor em Comunicação Venício Lima, esta “dupla função” é uma das principais características do quadro de relações promíscuas entre mídia e política no Brasil.
O ciclo funcionaria assim: grupos ligados a políticos recebem concessões, as utilizam para ganhar ou amplificar sua projeção em seus Estados, voltam ao Congresso e perpetuam as relações promíscuas. Segundo pesquisa coordenada por Lima, a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), órgão da Câmara responsável pela análise das outorgas e renovações, já chegou a ter a maioria de seus membros formada por parlamentares concessionários de radiodifusão.
A família Sarney é dona de um império da comunicação no Maranhão: a TV Mirante, retransmissora da TV Globo, e do jornal Estado do Maranhão. Já Renan Calheiros, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo do último domingo, é sócio, com Tito Uchoa, de uma concessão de rádio conquistada pelo pai e de uma gráfica em Maceió.
Pesquisa do PNUD citada em matéria da revista Carta Capital desta semana mostra que o poder de atração exercido pela mídia junto aos políticos está relacionado à sua condição de poder “de fato”. Segundo entrevistas com 231 líderes políticos, incluindo presidentes, intelectuais e jornalistas, a mídia é o segundo maior poder da América Latina, com 65,2% das respostas, atrás apenas do poder econômico, que lidera o ranking com 80%. “Da aliança entre estes dois poderes cria-se a capacidade de gerar opinião, determinar a agenda política e moldar a imagem pública dos governantes, dos partidos políticos e das instituições”, conclui a pesquisa.
Para Paulo Rubem Santiago, a mídia tem função fundamental para alimentar o poder político e econômico. “Concessões tanto promovem interesses comerciais quanto lhes colocam posição de vantagem no alcance da opinião pública”. Como suas outorgas e renovações não passam por processo democrático, acrescenta Santiago, a reprodução deste modelo na comunicação não é a expressão da liberdade, como afirmam os senadores, mas o seu obstáculo e um veneno à cidadania.
Fonte: Carta Maior (Jonas Valente)