Os trabalhadores brasileiros sofreram, na noite desta quarta-feira (08), um forte ataque contra os seus direitos e em favor da precarização das condições de trabalho. Isso porque foi aprovado na Câmara dos Deputados, por 324 votos a favor, 137 contra e duas abstenções, o PL 4330/04, que regulamenta a terceirização no setor privado e também facilita a prática no serviço público, que segue ampliando seu processo de terceirização e precarização dos serviços.
A votação, que durou dois dias – considerando que a apreciação do projeto teve início na sessão de terça-feira – reafirma o caráter conservador do Congresso Nacional e o empenho do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de, a qualquer custo, implementar retrocessos contra os trabalhadores. E na própria terça-feira ela já havia dado o seu recado: “Se não for hoje, o PL será votado de qualquer jeito. (…) Nem que fique a semana inteira sem votar mais nada”.
Na própria terça-feira, o mesmo presidente da Câmara ordenou que a polícia legislativa impedisse o acesso, nas dependências da Casa, dos trabalhadores e das lideranças sindicais que foram pressionar os deputados pela rejeição do PL 4330/04. A truculência da polícia deixou manifestantes feridos e detidos, e bombas de gás e spray de pimenta foram utilizados para dispersar os trabalhadores. Uma determinação, portanto, característica de alguém que não tolera a livre manifestação e que pretende lançar mão de todos os mecanismos possíveis para criminalizar os movimentos sociais.
Na votação de ontem, PT, PSOL e PCdoB foram os únicos partidos que orientaram voto contrário ao PL. PROS e o Bloco PRB-PTN-PMN-PRP-PSDC-PRTB-PTC-PSL-PTdoB liberaram as bancadas. Já os demais partidos votaram a favor da proposta. Com o resultado dessa votação, o país está perto de ter definitivamente legalizada uma antiga modalidade de precarização das relações de trabalho. O embate agora será no Senado.
O PL “dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes”. Afirma, ainda, que a empresa prestadora de serviços contrata e remunera o trabalho realizado por seus empregados, ou subcontrata outra empresa para realização desses serviços. Na prática, a proposta permite a quarteirização (quando uma empresa contratada para prestar um determinado serviço terceiriza a força de trabalho sem vínculo com a mesma) e o aumento da precarização das relações de trabalho.
Um acordo de procedimentos entre os partidos deixou a votação dos destaques para a próxima terça-feira (14), quando pontos polêmicos deverão ser decididos em votações separadas. O substitutivo apresentado pelo deputado Arthur Oliveira Maia (SD-BA), que relatou a matéria em Plenário em nome das comissões, manteve, por exemplo, a possibilidade de a terceirização ocorrer em relação a qualquer das atividades da empresa. Embora não fale textualmente em atividade-fim ou atividade-meio, a proposta permite a terceirização de todos os setores de uma empresa.
Intervenção do ministro da Fazenda
A pedido do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o relator do projeto incluiu no texto a obrigação de a empresa contratante fazer o recolhimento antecipado de parte dos tributos devidos pela contratada. Com isso, deverão ser recolhidos 1,5% de Imposto de Renda na fonte ou alíquota menor prevista na legislação tributária; 1% da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); 0,65% do PIS/Pasep; e 3% da Cofins.
A intervenção do representante do governo, no entanto, não foi com o intuito de impedir a aprovação do PL ou de garantir segurança ao trabalhador. As mudanças negociadas estão relacionadas basicamente a assegurar a arrecadação de tributos e encargos trabalhistas. Retiradas na última hora do texto, as alterações propostas por Levy devem ser apreciadas na sessão da próxima terça-feira (14), juntamente com os demais destaques apresentados.
Números da terceirização
Estudo realizado pela CUT em parceria com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que o total de trabalhadores terceirizados em 2013 no Brasil correspondia a 26,8% do mercado formal de trabalho, somando 12,7 milhões de assalariados.
Os estados com maior proporção de terceirizados, segundo o estudo, são São Paulo (30,5%), Ceará (29,7%), Rio de Janeiro (29,0%), Santa Catarina (28%) e Espírito Santo (27,1%), superior à média nacional de 26,8%.
Ainda de acordo com o estudo, o trabalhador terceirizado tem maior rotatividade no mercado. Eles permanecem 2,6 anos a menos no emprego do que o trabalhador contratado diretamente e têm uma jornada de 3 horas semanais a mais. Além disso, recebem em média salários 24,7% menores, e a cada 10 acidentes de trabalho fatais, oito ocorrem entre trabalhadores terceirizados, devido à falta de treinamento e investimentos em qualificação.
Vozes dissonantes
A bancada do PT na Câmara dos Deputados, uma das que votou contra o PL 4330/04, protocolou, ainda ontem (8), um mandato de segurança no Supremo Tribunal Federal para tentar anular a votação do projeto de lei que regulamenta a terceirização. O documento foi apresentado pelo líder da legenda na Casa, Sibá Machado (AC), e também pelo deputado Alessandro Molon (RJ). De acordo com os parlamentares, a matéria não poderia ter sido apreciada antes da votação da Medida Provisória 661, que, pela Constituição Federal, travaria a pauta de votações em plenário.
Para os deputados, a votação realizada na noite de ontem, quando o texto base do projeto foi aprovado, deveria ser declarada ilegal. A Constituição Federal determina que a pauta é trancada e as demais deliberações suspensas, quando houver uma Medida Provisória há mais de 45 dias na Casa sem avaliação. “O presidente da Casa não pode escolher quando vai respeitar a Constituição e seguir os seus prazos e quando não vai. O regimento interno não pode passar por cima da Constituição Federal”, criticou Molon.
Em relação ao mérito do projeto, o líder Sibá Machado disse que haverá uma precarização do ambiente de trabalho, redução de salários e outros problemas que configuram, na prática, o sepultamento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “É um verdadeiro retrocesso, uma volta à era da pré-revolução industrial, com a precarização total dos direitos dos trabalhadores”, criticou.
O deputado Ivan Valente, do PSOL – outro partido que também votou pela rejeição do PL – considerou que 25% do mercado de trabalho já é ocupado por serviços terceirizados e a aprovação do PL fará com que 75% do mercado se torne terceirizado. “Eu quero listar a consequência da precarização do trabalho através da terceirização: maior desemprego, violação de direitos imateriais, segregação, trabalho precário e degradante e trabalho análogo ao trabalho escravo. Contrário ao que diz a Constituição de 1988, que é exatamente a valorização do trabalhador e do trabalho como princípio fundante da própria República; livre iniciativa, respeitado o primado do trabalho; respeito à dignidade do trabalhador”, disse Valente.
Posição da Fenajufe
A Fenajufe reforça o entendimento de que o projeto aprovado ontem aumenta a precarização das condições de trabalho. E, ao lado das entidades dos trabalhadores do setor privado e do funcionalismo público, batalhou até o último momento para que o projeto fosse rejeitado na Câmara dos Deputados.
Na avaliação da Fenajufe, o projeto afronta a Constituição Federal, ataca direitos trabalhistas, rasga a CLT e ainda poderá forçar a migração de milhões de trabalhadores para regimes contratuais como terceirizados e quarteirizados, além de desqualificar concursos públicos ao admitir que sejam terceirizadas quaisquer funções no serviço público.
“O PL 4330/04 é a reforma trabalhista que o empresariado vai fazer, de uma forma autoritária, sem discutir com a sociedade, e também uma forma de aumentar a terceirização e privatizar o serviço público de maneira camuflada”, avalia a coordenadora geral da Fenajufe, Marca Weber, para quem o tema da terceirização é uma pauta que merece a mobilização da classe trabalhadora para uma greve geral.
A coordenadora explica, ainda, que no próximo dia 15 de abril haverá em todo o país um dia nacional de lutas, convocado por várias organizações sociais e sindicais, que vai denunciar as propostas que ameaçam os direitos dos trabalhadores, entre os quais o PL 4330, e também as demais pautas conservadoras. “Importante a nossa categoria participar desse momento de mobilização unificada, para impedir o avanço da pauta da conversadora e de propostas que ameaçam os nossos direitos”.
Saulo Arcangeli, coordenador de Comunicação, reforça que o projeto aprovado ontem é um duro ataque aos direitos dos trabalhadores. “Precisamos fortalecer a mobilização e caminhar para a construção de uma greve geral, para barrar as consequências do PL 4330 e os demais ataques aos trabalhadores que estão sendo realizados, como as MPs 664 e 665 do governo Dilma”, pontua o dirigente.
Confira aqui como votou cada deputado.
Da Fenajufe, Leonor Costa
Fotos: Luis Macedo e Gustavo Lima/Câmara dos Deputados