A precarização do Judiciário teve mais um capítulo nesta segunda-feira (11). O Pleno do TRT-SC aprovou a reestruturação organizacional das Secretarias das Turmas com base na Resolução 219 do CNJ. A proposta que passou, um substitutivo à da Administração, foi apresentada por dois Presidentes e três Secretários de Turma e prevê que os impactos sobre as Turmas sejam paulatinos. Mas, na prática, o episódio mostra o quanto os Tribunais estão abrindo mão de sua autonomia para serem gestores das medidas do Conselho.
O Sintrajusc conseguiu que a servidora Adriana Ramos, que representa o Sindicato na Comissão do Tribunal, expusesse os problemas (veja texto abaixo) que a medida irá trazer aos servidores, deixando claro que a posição do Sindicato era pela não-implementação da 219 nos termos em que estava sendo proposta. Era necessário um estudo global.
No debate, os (as) desembargadores (as) tocaram nos problemas que a resolução provoca, mas prevaleceu a tese de que é preciso fazer o que exige o CNJ. Já vimos isso outra vez, com o PJe. O TRT-SC se apressou a instalar o programa mal feito, foi até pioneiro, e mais tarde as demais justiças e até mesmo TRTs não o adotaram. Não vai nos surpreender se acontecer o mesmo com a Resolução 219.
Lógica empresarial
O 1º Grau é a porta de acesso ao Judiciário e, no TRT-SC, o tratamento diferenciado dado às duas instâncias é ironicamente designado como "casa grande" e "senzala". Em 2014, o CNJ reconheceu como prioridade a atenção ao 1º Grau. Mas não se iludam os incautos com o tom bonito da proposta: esta prioridade está inserida na lógica do planejamento estratégico. De cunho empresarial, ela prega que a justiça (produto) deve ser rápida (célere), barata (produzir mais com menos) e controlada (a quem o Judiciário serve?), de forma a satisfazer o cidadão-cliente, no final mais cliente que cidadão. É o Judiciário BBB, bom, bonito e barato.
Entre as linhas de ação previstas na Resolução 194/2014, duas estão enfatizadas na Resolução CNJ 219/2016: a manutenção da lógica do planejamento estratégico e a proposta de melhor distribuir a força de trabalho, que, dentro deste pensamento empresarial, significa o servidor.
Além da questão semântica – ter nosso esforço e dedicação reduzidos a um elemento em uma fórmula matemática -, o cálculo de lotação de servidores no primeiro e no segundo graus obedece outra fórmula, tendo por base a quantidade de processos novos distribuídos no último triênio e, ultrapassado um limite, o Tribunal deve providenciar a distribuição extra de servidores para o grau de jurisdição mais congestionado (art. 3º, parágrafo 1º).
Ou seja, lembra bastante a canção infantil "Escravos de Jó": "Tira, bota, deixa ficar…", sendo que os escravos são, literalmente, os servidores, a "força de trabalho". O Anexo I da Resolução institui o Índice de Produtividade dos Servidores (IPS), que mensura quantos processos foram baixados por servidor, o que serve para deixar o Tribunal bem na foto e nas estatísticas. Mas o servidor é que parece ser o responsável pelo "congestionamento do Judiciário". É o que a Resolução nº 219 parece concluir, de modo que nós é que pagaremos o pato…
O Sindicato, como representante da categoria em qualquer instância ou lotação, está atento às reclamações de excesso de trabalho, falta de servidor no quadro, assédio moral, discriminação, danos à saúde física e emocional, mas o diagnóstico e as soluções a serem adotadas divergem drasticamente daquelas propostas pelos Conselhos.
E a Resolução 219, ao tentar traduzir o nosso trabalho a fórmulas, desconsidera a saúde e a dignidade, porque submete nossa vida e nossos projetos a gatilhos matemáticos, atribuindo exclusivamente aos servidores a responsabilidade pela dificuldade de oferecer um Judiciário BBB.
Histórico
Em 2014, conforme determinou a Resolução CNJ 194, o TRT-SC instalou o Comitê Gestor Regional de Priorização da Primeira Instância. Além de registrar o interesse dos juízes na ampliação da estrutura de assessoria no 1º grau, nenhum outro movimento foi feito à época.
Em 2016, dois fatos contribuíram para que a matéria retornasse ao debate no Judiciário: a aprovação da PEC da Morte (EC 95), que congela o orçamento público por vinte anos, e a Resolução 219, daquele ano.
Em agosto de 2015, o Plenário do CNJ deu parecer favorável em anteprojetos de lei que criavam cargos em sete TRTs e em diversos projetos de lei que já tramitavam no Congresso. Entretanto, em outubro de 2016, o presidente do TST retirou da tramitação esses projetos de lei, em atendimento antecipado ao que previa a PEC da Morte, oferecendo em sacrifício o trabalho dos servidores.
A estratégia de antecipar as pauladas que o serviço público vem recebendo – o Judiciário Trabalhista, em especial – também está em movimento na aplicação da Resolução 219 no TRT-SC.
Na primeira reunião do grupo que estuda a aplicação da 219, a Administração – Presidente e Vice-Presidente – reconheceu que a implantação implicaria deixar no 2º grau, além dos servidores de gabinete, apenas seis servidores para dar conta das atividades hoje feitas pelo Recurso de Revista, Secretarias de Turmas, SEJUD, SEPRO, SETRI, ou seja, a proposta é impraticável. Embora admita a impossibilidade de implantar totalmente tal Resolução, a Administração manteve sua decisão de reestruturar as Turmas e o NUGECEM.
A Administração também admite que o critério de "hoje aqui, amanhã lá", decorrente das fórmulas que apuram onde falta e onde sobra "força de trabalho", mantém o servidor em uma permanente corda bamba e causa prejuízo às pessoas e ao Tribunal. A solução encontrada foi o compromisso de criar um serviço que atenderá remotamente à instância que estiver mais carente de pessoal. Já a escolha das Turmas e dos NUGECEMs para o início da reestruturação decorre do estudo em andamento desde 2016, quando ainda não havia consenso quanto aos critérios de aplicação da Resolução 219. Além do mais, os NUGECEMs integram o 1º Grau. Portanto, sua extinção é uma solução caseira.
O estudo da reestruturação foca prioritariamente os valores destinados às funções gratificadas e cargos em comissão que existem nas Turmas e NUGECEMs porque o orçamento está apertado para atender às demandas de juízes e outros setores. Neste raciocínio, o argumento de que o PJe simplificou as tarefas parece mais do que uma desculpa, uma piada de mau gosto.
Nesse caso, a continuidade da crise, a redução dos valores no orçamento do Judiciário Trabalhista e o crescimento das demandas mostram que a fórmula "tira daqui, coloca ali" irá atingir mais servidores, sem solucionar as dificuldades encontradas na 1ª Instância ou em outros setores.
Respeitar os servidores é não usar parte da Resolução 219, impraticável na sua totalidade, para resolver problemas de caixa com o valor das gratificações.
O Sindicato fará reunião com os servidores das Turmas na próxima semana, em data e horário a serem divulgados, para avaliar a decisão do Pleno e encaminhar as medidas em relação à reestruturação no TRT-SC.