Reforma da previdência vai atacar todos os trabalhadores

A proposta de ‘reforma’ da Previdência (PEC 6/2019) ataca todos os trabalhadores, mas provoca divisões na classe, inclusive entre os servidores do Judiciário Federal.

O alerta de que o ataque é generalizado partiu do advogado Cesar Lignelli, do departamento Jurídico do Sintrajud, em palestras realizadas em São Paulo. “A reforma ‘bate’ em todo mundo: desde o trabalhador que sequer recolhe para a Previdência porque é miserável, até o que recebe os salários mais altos”, afirmou o advogado.

O Sintrajusc em breve divulgará as datas para palestras com os servidores sobre a reforma da Previdência.

Regras mais duras

O advogado Cesar Lignelli mostrou que mesmo os servidores que entraram após a reforma de 2003 serão afetados pela proposta. Além do aumento da alíquota de contribuição previdenciária, que passa de 11% para 14,68% (em média), está prevista a instituição de contribuições extraordinárias para cobrir eventual declaração de déficit do sistema por parte da União.

“O pressuposto básico dessa reforma é o endurecimento de regras, com mais tempo de contribuição, exigência de mais idade e maior valor pago exclusivamente pelo trabalhador, para pagar valores menores [de benefícios]”, resumiu  Cesar.

Para o funcionalismo, o impacto virá de forma diferenciada segundo a época de ingresso no serviço público, com três grupos distintos: os que entraram até dezembro de 2003, os que ingressaram entre janeiro de 2004 e outubro de 2013 e os que tomaram posse a partir de 14/10/2013.

Os servidores do primeiro grupo têm hoje assegurada a integralidade dos vencimentos e a paridade dos reajustes, embora a contribuição previdenciária de 11% sobre o que excede ao teto do INSS nas aposentadorias já reduza em parte os benefícios. Se a ‘reforma’ for aprovada, terão que contar com 62 anos de idade (mulheres) ou 65 (homens) para preservar o direito.

O segundo grupo, que se aposenta sem integralidade nem paridade e com limitação ao teto do INSS, sofrerá o impacto simultâneo do aumento da idade mínima e do tempo de contribuição.

De saída, ambos os grupos serão impactados pelo sistema de pontos, com a pontuação subindo para 86/96 (86 para mulheres e 96 para homens, na soma da idade com o tempo de contribuição).

“A partir de 2022, a idade mínima já aumenta em um ano, para 57 anos no caso das mulheres e 62 no caso dos homens; e a partir de 2020 a pontuação exigida vai aumentando até chegar a 100 para mulheres e 105 para homens”, explicou o advogado.  De acordo com a proposta, a idade mínima pode aumentar ainda mais, conforme o aumento da expectativa de sobrevida calculada pelo IBGE.

“As regras são cumulativas; seria preciso cumprir todas para ter direito à aposentadoria”, observou Cesar, mencionando também as atuais exigências de tempo de serviço público e de exercício do cargo.

Integralidade e paridade

O projeto da “Nova Previdência” também aumenta os requisitos da chamada integralidade dos proventos e da paridade dos reajustes. Para servidores que ingressaram depois de 1º de janeiro de 2004, o provento “integral” corresponde atualmente a uma média dos 80% maiores salários. Com a reforma, o valor cairia para 60% de todos os salários mais 2% por ano excedido ao período de 20 anos de contribuição.

No caso dos servidores que teriam direito à incorporação dos quintos, ou seja, da Vantagem Pessoal Nominalmente Identificável (VPNI), haveria ainda um prejuízo adicional: a reforma prevê que eles receberiam apenas 1/30 da incorporação para cada ano de recebimento da verba.

Em relação à paridade dos reajustes, a PEC retira da Constituição as regras de correção dos benefícios, que hoje são reajustados pelo INPC, abrindo a possibilidade de os valores passarem a ser atualizados por índices menores.

Pensões

Cesar Lignelli destacou ainda que as novas regras propostas para pensão por morte, aposentadoria por invalidez e aposentadoria especial abrangem todos os servidores, dificultando a concessão dos benefícios para os mais antigos e para quem ingressou recentemente no serviço público.

A pensão por morte, segundo o texto da PEC, passaria a ser vitalícia apenas para o pensionista com mais de 44 anos e sofreria redução no valor do benefício na “minirreforma promovida pelo governo Dilma Rousseff em 2015”. Se a PEC for aprovada, “será calculada com base em cotas: uma cota de 50% e outras cinco, no máximo, de 10% cada, para os dependentes”, esclareceu o advogado. “Quem não tiver dependente, ficará só com a metade da pensão”, explicou.

Pelas regras atuais, o pensionista do servidor aposentado tem direito ao teto do RGPS mais 70% da diferença entre esse valor e o salário do servidor.

Funpresp e capitalização

Servidores que assistiram à palestra no auditório do TRF quiseram saber se seria vantajoso aderir à Funpresp-Jud no novo cenário criado pela ‘reforma’, caso ela venha a ser aprovada e a legislação volte a abrir a possibilidade de migração para o regime de previdência complementar. Outros indagaram acerca das consequências da disseminação desse regime para o financiamento da previdência pública, já que o sistema deixaria de receber as contribuições de quem migrar para a capitalização.

A PEC 6/2019 prevê que os fundos de previdência complementar dos servidores públicos possam ser entregues à iniciativa privada, o que provocou dúvidas entre os servidores sobre a viabilidade da própria Funpresp-Jud e das demais fundações de previdência complementar do funcionalismo.

“Qual o risco para a Previdência como um todo dessa universalização da capitalização?”, perguntou o servidor do TRF Gilberto Terra, diretor do Sintrajud. “Será que o regime alternativo de previdência privada será oferecido aos novos servidores sob o argumento de que as fundações podem quebrar?”, questionou. Gilberto lembrou que o mesmo argumento é utilizado atualmente pela Funpresp-Jud para atrair a adesão dos servidores, ou seja, a ameaça de que o sistema público pode quebrar.

“Previdência privada nunca é uma solução; temos de defender a previdência pública”, respondeu o advogado Cesar Lignelli, lembrando as perdas bilionárias que os fundos de pensão dos EUA tiveram na crise econômica global de 2008, em razão de apostas arriscadas no mercado financeiro.  “No Brasil, temos hoje quatro grandes fundos de pensão, que aglutinam mais de 80% do mercado e estão praticamente quebrados”, acrescentou.

Ele alertou para o fato de que, conforme o texto da PEC, a União não poderá injetar recursos no regime de capitalização e que, portanto, não dará nenhuma garantia aos trabalhadores em caso de colapso financeiro dos fundos de capitalização.

A insegurança para quem optar por esse regime aumenta também, segundo o advogado, porque a PEC retira da Constituição todas as regras de funcionamento dos fundos. “Tudo ficará para lei complementar, que é mais fácil de ser alterada”, advertiu.

De Hélio Batista Barboza com edição do Sintrajusc. Foto: Kit Gaion e Joca Duarte