Reforma da Previdência, diz economista, é ajuste fiscal que atinge os mais pobres

A Proposta de Emenda Constitucional 6/2019, da reforma da Previdência, se aprovada, fará ajuste fiscal em cima da população mais pobre do país. A constatação deu o tom da palestra do economista Eduardo Moreira, que esteve em Florianópolis na segunda-feira (24). A atividade ocorreu no auditório da Justiça Federal com promoção do Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal no Estado de Santa Catarina (Sintrajusc) e do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina (Sinjusc), e apoio da Associação dos Magistrados do Trabalho da 12° Região (Amatra), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Sindicato dos Servidores do Ministério Publico de Santa Catarina (Sind-MPU).
Moreira abriu a palestra afirmando que o Brasil é campeão em desigualdade social. Quase 30% da renda do país está nas mãos de apenas 1% dos habitantes, a maior concentração do tipo no mundo, segundo a “Pesquisa Desigualdade Mundial 2018”, coordenada, entre outros, pelo economista francês Thomas Piketty. Relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também estima que, no Brasil, podem ser necessárias nove gerações para crianças nascidas em uma família de baixa renda (os 10% mais pobres da população) alcançarem a renda média do país. O Brasil, afirmou Moreira, perdeu a noção de nação: “Como falar em nação com pessoas dormindo nas ruas, com um país onde a cada minuto mulheres são ameaçadas?”. A pergunta também englobou os servidores públicos, alvos de ataques sistemáticos apesar de servirem à nação com seu trabalho. 
O palestrante mencionou uma particularidade da reforma da Previdência que diz respeito ao fato de atingir praticamente 100% dos brasileiros e mexer com uma estrutura que funciona relativamente bem no país.  Mas, se a PEC for aprovada, vai se aprofundar, por exemplo, a desigualdade entre homens e mulheres, principalmente com a proposta de capitalização, em que cada trabalhador faz uma espécie de poupança individual para, no futuro, poder se aposentar. O problema, explicou o economista, é que as mulheres têm carreira mais curta, salários menores e expectativa de vida maior, o que aumenta a possibilidade de a conta não fechar para ter acesso à aposentadoria. Outro fator negativo da capitalização é o fato de a contribuição ser definida, mas não o benefício. A pessoa sabe quanto deposita, mas não quanto vai receber. Moreira citou estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que analisa 30 países dos quais 18 se arrependeram da capitalização e voltaram ao sistema de solidariedade, como é o do Brasil, sendo que essa volta também gera um elevado custo de transição.
Na palestra, o economista alertou para a pressa do governo em aprovar o projeto, concedendo, para isso, benesses de todo o tipo a parlamentares. Para a população, as propagandas oficiais estão reforçando a tese de que, se a reforma não passar, o país “quebra”, e muitas notícias também reforçam isso, mais parecendo publicidade que jornalismo. O fato é que o alardeado déficit nas contas previdenciárias é bastante nebuloso, e nem mesmo deputados e senadores sabem com segurança informar números quando questionados: “Como decidir se nem sequer sabemos se há dívida, o seu tamanho e como o governo chega às contas que divulga?”, questionou Moreira. Não se fala, por exemplo, que os problemas de caixa nos anos recentes, a partir de 2015, têm estreita ligação com o encolhimento da economia e a baixa de faturamento das empresas, que também não estão contratando, apesar das falsas promessas de aumento de empregos após a aprovação da reforma trabalhista. Outro problema é a alta da taxa de juros no país, porque o juro de mercado dificulta a atividade econômica, principalmente a da indústria.
Ele citou os artigos 194 e 195 da Constituição Federal, que compõem a Seguridade Social, para afirmar que a lei maior do país teve a preocupação de levar segurança social à população, e esse sistema agora está em risco. Isso porque há duas maneiras de sobreviver: deter os meios de produção ou vender força de trabalho em troca de riqueza: “Em algum momento da vida, uma pessoa pode ficar sem as duas”, alertou Moreira, e aí precisará dos mecanismos públicos de proteção social. No Brasil, essa proteção implica contribuições dos trabalhadores ativos e aposentados, dos patrões e do Estado e com a PEC 06/2019 essas garantias desmoronam.
 
Justificativa do governo
 
O palestrante chamou a atenção para o item de número 50 da justificativa do governo para a reforma. O item diz o seguinte: “Ricos tendem a se aposentar mais cedo e com maiores valores. Em geral, em especial no setor urbano, os trabalhadores socialmente mais favorecidos (maior renda, formalidade, estabilidade ao longo da vida laboral e melhores condições de trabalho) tendem a se aposentar por tempo de contribuição. Isto é, sem idade mínima, com idade média de 54,6 54 anos em 2018, tendo expectativa de recebimento do benefício de 27,2 anos, e com valor médio de cerca de R$ 2.231,00”. Ou seja, para o governo, é “rico” quem se aposenta com valor médio de R$ 2.231,00, pouco mais de dois salários mínimos. Em suma, afirmou o economista, “é tudo cortina de fumaça, truque de mágica”, no momento mais delicado do país, ou seja, fazer ajuste fiscal via reforma no pior período possível para o conjunto da população. 
No final da palestra, Moreira mencionou a Emenda Constitucional 95, aprovada durante o governo de Michel Temer, que congelou os gastos públicos por 20 anos. Ele afirmou que o país e a população estão reféns desta Emenda, que impede investimentos e traz impactos para a saúde, a educação, a habitação. Não bastasse a EC 95, se a reforma da previdência passar no Congresso, deixará um rastro de desespero. Para defender a rede de proteção social que o Brasil conseguir construir, concluiu o economista, é preciso até o último segundo lutar contra a aprovação do projeto.
 
Fotos: Rodrigues Viana