Quatro ministros deixam governo boliviano e população vai às ruas

Por Marcela Cornelli

O ministro do Desenvolvimento Econômico da Bolívia, Jorge Torres, renunciou nesta tarde a seu cargo no governo do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada. Pouco antes, o partido populista Nova Força Republicana (NFR), recentemente aliado ao governo da Bolívia, retirou seus três ministros do gabinete.

Enquanto isso, milhares de pessoas saíram às ruas da capital, La Paz, para protestar contra o governo e pedir a renúncia de Sánchez de Lozada. Muitos se dirigiam ao palácio presidencial, que está sob guarda militar.

As manifestações pareciam pacíficas, mas estações de rádio bolivianas pediam que soldados e policiais não atirassem nas pessoas.

Os protestos dos últimos dias deixaram 26 mortos na Bolívia. Os manifestantes reivindicam, além da saída do presidente, que o país não exporte gás para os Estados Unidos via costa norte chilena – região disputada por Bolívia e Chile. O território era a única saída para o mar que a Bolívia possuía e foi perdido para Santiago na Guerra do Pacífico, em 1879.

Renúncia
Em uma carta dirigida ao presidente, Torres afirma: “Não acredito em soluções de força e menos ainda quando do outro lado se encontra a maioria da população. Dadas estas condições e desde este ponto de vista, e de acordo com meus princípios, apresento minha renúncia irrevogável”. Torres é membro do Movimento da Esquerda Revolucionaria (MIR, social-democrata), principal aliado de Sánchez de Lozada.

Filho do ex-presidente progresista Juan José Torres (1979-71), assassinado em Buenos Aires (Argentina) em maio de 1976, Jorge Torres não informou na carta se sua decisão representava oposição do MIR, liderado pelo ex-presidente Jaime Paz Zamora (1989-93).

O governo de Sánchez de Lozada, que assumiu o país em agosto de 2002 para um período de cinco anos, conta com o respaldo do MIR – principal aliado do governo-, que hoje fez uma reunião em um local não divulgado de La Paz, para avaliar a situação crítica que o país atravessa, de acordo com informações das rádios locais.

O MIR ocupa outros dois ministérios -Relações Exteriores e Assuntos Camponeses.

Reunião
Sánchez de Lozada reuniu-se em caráter de emergência com seus ministros e com o alto comando militar para avaliar a situação política do país, e disse que “não pensa em renunciar”, segundo o ministro da Fazenda Javier Comboni.

Apesar de o vice-presidente Carlos Mesa ter retirado seu apoio às ações do governo – sem renunciar a seu cargo – e de o NFR ter retirado seus três ministros do gabinete, o ministro da Fazenda disse que “o presidente conta com o apoio de seus ministros”.

As Forças Armadas e a Polícia Civil se mantêm leais ao presidente, que “não pensa em renunciar”, acrescentou Comboni.

Atingido por uma grave crise social focalizada em La Paz e em El Alto (12 km da capital), Sánchez de Lozada enfrenta pedidos de renúncia por parte de sindicatos e do principal partido de oposição, o MAS (Movimento ao Socialismo) – do cocaleiro Evo Morales, que ficou em segundo lugar nas eleições presidenciais do ano passado.

Retirada
O NFR retirou hoje seus três ministros do gabinete de Sánchez de Lozada. Os ministros que deixaram seus cargos são o do Desenvolvimento Sustentável ( Erick Reyes Villa), do Trabalho (Aldalberto Kuajara) e das Finanças (Dante Pino).

“O povo boliviano está pedindo a renúncia do presidente e creio que para se chegar à paz há uma saída constitucional, sobre a qual deveríamos trabalhar de maneira séria e responsável”, disse Antezana, referindo-se à sucessão constitucional do vice-presidente Carlos Mesa –que retirou hoje seu apoio ao presidente Lozada por discordar da forma como o governo está agindo para interromper a convulsão social que tomou conta do país.

Em uma declaração ambígua, Antezana disse eu a saída dos ministros da NFR “não significa que eles deixaram o governo”.

“Se o povo está pedindo renúncia de Lozada, creio que o presidente, como uma medida sensata, deveria escutar o povo”, afirmou, enquanto uma célula da NFR no Departamento de Chuquisaca (sudeste) também se pronunciou pela renúncia do presidente.

Reivindicações
Os trabalhadores exigem a renúncia de Sánchez de Lozada, acusado de ter ligações muito fortes com os EUA na luta contra o narcotráfico e de querer exportar petróleo e gás natural para o governo norte-americano por meio de um porto chileno – país que mantém uma relação problemática com a Bolívia.

Os manifestantes querem a suspensão dos planos da Bolívia de aumentar as exportações de gás natural, provavelmente para o México e para os EUA. Eles são contrários às exportações porque alegam que o produto deveria ser usado para abastecer, gratuitamente, 250 mil residências que não têm acesso a gás.

Eles também defendem que o gás seja processado na Bolívia para que o país busque vender um produto com maior valor agregado.

Além disso, parte da oposição reclama que o produto teria de ser exportado via costa norte do Chile –região disputada pelos dois países. O território era a única saída para o mar que a Bolívia possuía e foi perdido para Santiago na Guerra do Pacífico, em 1879.

O projeto de exportação de gás aos EUA, que refere-se ao decreto, desatou uma polêmica por causa da utilização (para esta exportação) de um porto peruano ou chileno, o que gerou, por parte dos trabalhadores, um pedido para que fosse suspensa a exportação para os EUA e a renúncia de Sánchez de Lozada.

Suspensão
Nesta madrugada, Sánchez de Lozada anunciou a aprovação de um decreto que estabelece que o governo não poderá mais exportar gás a novos mercados enquanto não se realizar uma consulta popular sobre o assunto, que deverá ocorrer até o dia 31 de outubro.

O Executivo pretende instalar o diálogo hoje às 15h (17h de Brasília). Para isso, convocou os dirigentes da cidade de El Alto ao Palácio do Governo. O encontro ainda não está confirmado.

“Não exportaremos gás natural a novos mercados enquanto não realizarmos consultas e debates sobre este recurso, posto que devemos implementar, de forma imediata, um processo de diálogo entre os bolivianos e com as organizações da sociedade civil, consultas e debates deverão ser concluídos até o dia 31 de dezembro de 2003”, afirma o decreto aprovado na noite de ontem, após um trágico acontecimento vivido em El Alto.

Durante o fim de semana, a ação militar deixou um saldo de 25 civis e um soldado mortos e pelo menos 67 feridos, a maioria deles por impactos de bala. El Alto protesta, desde a quarta-feira passada (8) –com uma greve cívica indefinida e o bloqueio de estradas– pela recuperação da riqueza petroleira, a recusa à venda do gás e a renúncia do presidente.

Parte do trágico saldo foi consequência da operação que o Executivo levou adiante ontem para transportar caravanas de carros-cisterna de Senkata a La Paz, praticamente paralisada e à beira do desabastecimento. Veículos blindados militares e unidades motorizadas da polícia resguardaram o comboio disparando gases lacrimogêneos e armas de fogo contra supostos elementos perigosos.

Fonte: Folha On Line