Confira abaixo os comentários da professora de pós-graduação em Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora sênior do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (CBEPJ) Maria Tereza Sadek sobre os pontos principais da pesquisa que realizou para a AMB em 2005 e que mostra quem são e o que pensam os magistrados brasileiros. Sadek estuda o sistema Judiciário desde o início dos anos 90 e conta com vários livros e artigos publicados na área, entre eles: “Judiciário em Debate”, “Uma Introdução ao Estudo da Justiça”, “O Ministério Público Federal e a Administração da Justiça no Brasil” e “O Ministério Público e a Justiça no Brasil”, da Editora Sumaré, e “A Justiça Federal: Análise da Imagem Institucional”, volume 13 da série Cadernos do Conselho da Justiça Federal.
Justiça lenta – O fato dos juízes avaliarem a Justiça como morosa mostra que eles têm a mesma percepção que a sociedade tem sobre essa agilidade da Justiça. Os magistrados fazem uma crítica muito aguda à morosidade do Judiciário, já que as decisões levam anos para serem proferidas. Os dados mostram que os juízes não estão tão descolados da realidade como normalmente se diz. Existe uma tendência em achar que o juiz é uma concha fechada em si mesmo, que não enxerga seus defeitos. A pesquisa prova que eles percebem que a Justiça tem problemas que precisam ser enfrentados. O estudo revela que por meio de redução de recurso, entre outras propostas, o problema pode ser solucionado.
Nepotismo – Foi verificado que os magistrados da Justiça de 1º grau são mais contra o nepotismo que os juízes de 2º grau. Concluímos que há um percentual alto que é a favor da proibição da prática. Alguns Estados já têm em suas constituições estaduais normas proibindo a contratação de parentes, como São Paulo e Rio Grande do Sul. A novidade é que muitos outros Estados, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), poderão acabar com o nepotismo. O princípio que rege o Judiciário é o da igualdade. Quando você tem o nepotismo, o que vale é o princípio do privilégio de ter laços de parentesco. Temos, então, uma instituição não republicana, onde os valores privados prevalecem sobre os valores públicos.
CNJ – Há uma crítica de que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não poderia regulamentar a Justiça. O CNJ vem possibilitando, em suas decisões, que o Judiciário se torne uma instituição mais transparente, responsável, que preste contas das suas atividades. Só tenho elogios. Quando a pesquisa foi feita, o CNJ ainda estava funcionando muito precariamente. Sou capaz de apostar que, se a pesquisa fosse feita hoje, a avaliação seria mais positiva. Ela não chegou a ser negativa; mostrou mais um temor dos magistrados. Mas a maioria disse que gostaria de ver o CNJ funcionando como um órgão responsável pelo planejamento do Judiciário.
Participação feminina – A primeira mulher entrou no Poder Judiciário brasileiro em 1981, em São Paulo. A mudança que ocorreu nestes últimos anos é muito grande. Antigamente, os bacharéis pertenciam às elites dirigentes deste País. Os principais postos de mando no Estado eram dessa classe. É muito importante quando você percebe que o Judiciário vem gradativamente se abrindo para as mudanças que ocorrem na sociedade. No entanto, a presença feminina ainda é muito baixa no Judiciário, sendo mais alta na defensoria e na advocacia. A pesquisa mostrou ser absolutamente notável que a participação das mulheres é tanto maior quanto mais se desce na hierarquia do Poder. Nos tribunais, ela é menor, enquanto na Justiça de 1º grau e nos Juizados Especiais ela é bem maior. Nos postos mais elevados e porque a atenção não é guiada por critérios democráticos, a inclusão das mulheres ainda é lenta.
Idade – As pessoas normalmente dizem que os juízes são muito jovens. No entanto, a pesquisa mostra o contrário. Ela revela que a média de idade não é tão baixa: 44 anos. Outro dado é que, em média, os juízes entram na carreira depois de sete anos de formados.
Nível de instrução dos pais dos juízes – O grau de instrução dos pais dos magistrados é baixo (cerca de 30% deles nem chegaram a completar o 1º grau e aproximadamente 30% têm curso superior). Isso mostra uma mobilidade que se iniciou nos anos 90 na sociedade. Mostra que a maior parte dos juízes vem de famílias com escolaridade inferior à sua. Além disso, 96% dos juízes exerciam algum outro tipo de atividade profissional antes de exercerem a magistratura. Ou seja, não podiam retardar sua entrada no mercado de trabalho. O perfil do juiz vem se aproximando do da sociedade brasileira. Cada vez menos filhos de juízes se tornam juízes. Isso mostra que existem critérios que permitem que o recrutamento não seja apenas endógeno, tendo de fato um concurso público.
Raça – A representação dos grupos não-brancos é muito baixa, reflexo educacional de toda a sociedade. Atualmente, existem muito menos negros nas universidades do que o percentual deles na sociedade.
Imparcialidade do STF – O Supremo é uma instituição com um perfil mais político que propriamente Judiciário. As decisões dele foram entendidas como parciais. O Supremo é avaliado pelos juízes entrevistados de uma forma muito negativa.
Composição do STF – A forma de composição do Supremo é totalmente rejeitada e sua transformação em Corte constitucional tem grande apoio. Se for para ser só uma Corte constitucional deve ter uma atuação mais política, mas se é para atuar como órgão de cúpula do Poder Judiciário, isso muda.
Conseqüências econômicas – Essa é a questão que o juiz menos considera na hora de decidir. O juiz olha a lei e não quer saber nem o que acontece à sua volta. Desse ponto de vista, seria preocupante. Mas temos que fazer a leitura inversa, já que tem um percentual de 36% que acha fundamental avaliar as questões econômicas. Mas prevalece a lei.
Fonte: AMB