A mais recente edição da pesquisa State Of The Global Workplace revelou que, no Brasil, 46% dos trabalhadores e das trabalhadoras estão estressados; 25%, tristes e 18%, com raiva. A pesquisa, realizada pela Gallup, consultoria especializada em análise comportamental no trabalho, ouviu 128 mil funcionários e funcionárias em mais de 160 países. O Brasil ficou em quarto lugar em sentimentos de raiva e tristeza e em sétimo lugar em estresse na região da América Latina.
Outros números mostram que os índices de patologias relacionadas ao esgotamento e à insatisfação no trabalho têm piorado ao longo dos anos. Dados do Ministério da Previdência Social revelam que 288.865 benefícios por incapacidade devido a transtornos mentais e comportamentais foram concedidos no Brasil em 2023, o que representa 38% a mais do que em 2022.
Além disso, de acordo com levantamento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o número anual de afastamentos por burnout aumentou em quase 1000% em uma década. A estimativa é de que cerca de 40% das pessoas economicamente ativas sofram de burnout.
Para entender esse quadro, o Portal CUT ouviu a médica, ativista em saúde no trabalho e pesquisadora da Fundacentro Maria Maeno. Ela afirmou que os motivos são os mais diversos, desde a pressão por metas até a competividade, passando pela falta de expectativas e de realização de trabalhos que produzam prazer nos trabalhadores.
Independentemente das pesquisas, para Maria Maeno, “é possível afirmar que vários aspectos da vida aos quais a classe trabalhadora vem sendo submetida afetam fortemente a saúde e, em especial, a saúde mental”. Entre eles, cita a inexistência ou precarização de vínculos como previdenciários trabalhistas, “cada vez mais tênues, o que resulta em insegurança de sobrevivência cotidiana”.
Insatisfação e adoecimento
Sobre a insatisfação, Maeno explica que o trabalho é ponto central na vida das pessoas porque determina as condições de vida, o lazer, a cultura, os horizontes e os desejos, determina horários, as divisões das 24 horas do dia. E, pode-se afirmar, de acordo com a médica, que, cada vez mais, um percentual mais alto desse tempo é dedicado ao trabalho. No entanto, afirma ela, “em geral, não é um trabalho realizador, que dá prazer, mas sim, muitas vezes, sem sentido, em um contexto de trabalho fragmentado sob gestão opressora com exigência de produtividade que submetem as pessoas a situações extremas de violência psicológica”, afirmou.
No todo da classe trabalhadora, ela explicou, “se os formais sofrem um processo acelerado de precarização, os que sempre estiveram na informalidade vivem situações inimagináveis de violência à sua condição humana”. A médica deu como exemplo categorias como a das trabalhadoras domésticas, que, mesmo havendo uma lei que regulamente o trabalho no setor “no mundo real se deparam com trabalho análogo à escravidão, baixos salários, privação de liberdade, maus tratos, discriminação”, além de outros fatores que, nesse cenário, afetam fortemente a saúde mental provocando depressão, ansiedade, burnout, transtorno de estresse pós-traumático e outras patologias.
Adoecimento a serviço do capitalismo
As formas de adoecimento, ao longo da história, variaram de acordo com os sistemas econômicos e sociais sob os quais as pessoas vivem. Maria Maeno lembra que tivemos diferentes doenças infecciosas que acometeram a humanidade e até hoje surgem novos tipos. Características do capitalismo contemporâneo, o desempenho e a produção são os atuais fatores que moldam a experiência de vida dos trabalhadores, em especial, no mundo ocidental e que provocam sobrecarga emocional que leva a condições de adoecimento mental. Em alguns setores, o uso de medicamentos controlados, os “traja preta” é alto. “Portanto, é uma sociedade doente, em que o trabalho adoece e mata”, afirma Maria Maeno.
A médica do trabalho reforça que o capitalismo, desde o século XIX, foi exacerbando a concentração de renda e poder a um grupo cada vez menor, espoliando quem produz, de fato, as riquezas: “É uma sociedade que naturaliza os acidentes e o adoecimento que o trabalho provoca”, observa.
Reformas e retirada de direitos
As reformas trabalhista e da Previdência foram marcos da retirada de direitos, e o processo de retirada de direitos e desrespeito à legislação continua. Ainda como fator de adoecimento, Maeno destaca as novas formas de atividades laborais que passaram a fazer parte da vida de um maior contingente de trabalhadores, como o trabalho híbrido, remoto ou mesmo intermitente, em que não há uma constância na atividade.
Muitos preferem a modalidade não presencial, usando argumentos como ter mais tempo para questões pessoais, flexibilidade de horários e economia de tempo de deslocamento. Por outro lado, segundo a pesquisadora, há estudos mostrando que o remoto não poupa as pessoas das humilhações, da pressão, dos prolongamentos de jornada. Pelo contrário, “a exploração da força de trabalho é cada vez maior e a tecnologia da informação e comunicação tem sido usada para essas finalidades”.
Sobretudo, há uma questão que não pode ser negligenciada, a de que as pessoas que trabalham em suas casas distanciam-se cada vez mais do sentimento de ‘coletivo’ e até perdem o contato: “Há pessoas que foram contratadas e não conhecem quem as contratou e tampouco seus colegas de trabalho. Esse isolamento por tempos prolongados priva a pessoa de convívio com colegas e amigos. Mas o tempo exigido de trabalho continua alto, assim como a produtividade”, exemplificou.
Tal realidade ainda impacta diretamente na organização e na luta por direitos. “O trabalho passa permear a vida da pessoa e a da família. Os contatos passam a ser virtuais, quase exclusivamente. A distância física não poupa ninguém de validações de desempenho com critérios cada mais obscuros e arbitrários. Promove-se mais competividade e falta de solidariedade entre trabalhadores. Esse cenário promove solidão maior pois não há possiblidade de trocas com pessoas e construção coletiva de resistência, levando a sensação de impotência, adoecimento”, concluiu Maria Maeno.
Pesquisa Gallup
De acordo com o estudo, trabalhadores e trabalhadoras que não gostam de seus empregos apresentam mais estresse e ansiedade, além de outros sentimentos negativos, o que se reflete no cotidiano. Em cada um dos países, a consultoria entrevistou cerca de mil pessoas. Quando questionados se vivenciavam estresse um dia antes da pesquisa, 46% dos brasileiros responderam positivamente. Em nível global, 41% dos trabalhadores entrevistados responderam que sentiram estresse um dia antes da pesquisa, 21% raiva e 22%, tristeza.
A pesquisa ainda aponta que “nos últimos 10 anos, o número de pessoas expressando estresse, tristeza, ansiedade, raiva ou preocupação tem aumentado, atingindo seus níveis mais altos desde o início das pesquisas da Gallup”.
Fonte: CUT Brasil