Após quase dois meses de protelação, o Congresso aprovou quarta-feira (24) a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2006. A votação deveria ter ocorrido no início de julho, mas a oposição emperrou o processo para garantir o funcionamento da Câmara e do Senado durante o recesso de julho e manter o trabalho das comissões parlamentares de inquérito que investigam as denúncias do valerioduto e do mensalão. Apesar do texto final contemplar diversos interesses dos partidos e da sociedade civil, não alterou o esqueleto da política macroeconômica do governo Lula, mantendo o superávit primário. Para alguns especialistas, a proposta aprofunda o modelo aplicado pela área comandada por Palocci-Meirelles.
A LDO é o segundo momento do processo orçamentário, quando são definidas a organização e as prioridades para o orçamento do ano seguinte. Antes dela, o Plano Plurianual (PPA) define o planejamento para os quatro anos de mandato da gestão (no caso de Lula, o PPA foi aprovado em 2003), estabelecendo desafios, metas e programas. Após a aprovação da LDO, é votada no mesmo ano a Lei Orçamentária Anual (LOA), que define a quantidade de recursos para cada programa, atividade e ação previstas na LDO.
O texto final aprovado foi o substitutivo do deputado Gilmar Machado (PT-MG), relator da LDO no Congresso. Uma novidade presente no texto é a permissão para que o Executivo possa gastar 1/12 avos dos recursos previstos na Lei Orçamentária caso o Congresso não aprove esta Lei até o dia 31 de dezembro. A intenção é não deixar o governo dependente do legislativo, o que em caso de atraso na votação gera uma paralisia nas ações que só é solucionada após o retorno do Congresso do recesso de fim de ano.
Austeridade fiscal
O superávit primário, tão questionado por movimentos sociais (sejam eles anti-Lula ou contra a desestabilização do governo), foi mantido na proposta em seu índice atual, 4,25% do PIB, com uma novidade: a possibilidade de variação em 0,25% para menos ou para mais a partir do desempenho da economia.
Em tese, o chamado “superávit anticíclico”, defendido por muitos economistas, permitiria que o governo elevasse seus gastos quando a economia desacelerasse, ou poupasse quando o desempenho estivesse melhor. Na prática, porém, isso não deve funcionar em 2006. Isso porque a equipe econômica conseguiu incluir no projeto um condicionante praticamente impossível de cumprir: o superávit só diminuirá se a dívida pública líquida cair, em relação ao PIB, num ritmo superior à média de 2004 e 2005, o que é improvável no atual cenário de juros altos. No caso de a economia acelerar mais do que o previsto em 2006 (4,5%), o superávit subiria sem restrições.
Lideranças dos entidades da sociedade civil fazem ainda outras críticas ao novo mecanismo. “Isso é inócuo pois está [o superávit primário] em 4,25%, mas o governo está fazendo muito mais do que isso. O fato de ter meta não tem importado, pois a política que tem sido adotada é de buscar um superávit cada vez maior, retirando dos investimentos e das áreas sociais”, analisa Eliana Graça, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Outra novidade é a instituição de uma limitação vinculada ao PIB para as despesas e receitas. Segundo a proposta da LDO, o governo não pode arrecadar mais do que 16% do PIB do ano, tendo que diminuir a carga tributária caso ultrapasse este índice. No caso das receitas, o teto é de 17% do PIB para os gastos com pessoal, previdência e investimento. A medida atende a interesses da equipe econômica, que pretende arrefecer as críticas sobre o aumento da carga tributária no país.
“A LDO aprovada reafirma que as diretrizes para 2006 demonstram preocupação com o governo e com um orçamento austero para reduzir a carga tributária, aliada ao comprometimento com a ampliação de recursos na área da Educação e Saúde. Também contempla os servidores públicos assegurando mecanismos para reajustes e recursos para os planos de carreira e gratificações que o governo, inclusive, já negocia”, diz o deputado Gilmar Machado.
O medo de movimentos é que nebulosidade em torno desta limitação para as despesas. “Não há parâmetros reais para isso, vai restringir qual despesa? Políticas sociais? Custeio da máquina? Investimentos? Este instrumento dá a impressão de uma política de Estado mínimo, defendida pela oposição em contraponto às contratações que o governo fez de pessoal, estrutura necessária para dar conta da dívida histórica que o Estado brasileiro tem para com a população e para os próprios desafios previstos no PPA”, comenta Eliana Graça.
A crítica das entidades da sociedade civil que debate orçamento é o fato de haver um teto para as despesas, recursos necessários para o desenvolvimento econômico e social, e não para o pagamento de encargos da dívida pública brasileira, que só beneficia banqueiros e credores.
Fim do contingenciamento
A Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovada no Congresso traz também um dispositivo que proíbe o contingenciamento de emendas parlamentares por parte do Executivo, antiga reivindicação de deputados e senadores. “Isto acabará com um grande balcão de negócios que se estabelece entre o Executivo e o Legislativo, quando o primeiro condiciona a liberação das verbas das emendas à aprovação, pelos parlamentares, dos projetos do executivo. Apesar de alguns parlamentares afirmarem que isto é um passo na direção do “orçamento impositivo”, as emendas individuais representam apenas uma pequena parcela do orçamento, que continuará sendo, em grande parte, contingenciado pelo executivo para a realização do superávit primário”, afirmou o economista do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco Sindical), Rodrigo Vieira de Ávila, na página na internet do Fórum Brasil de Orçamento.
“Enquanto o cerne da questão é a garantia de recursos para as áreas sociais, eles ficam preocupados com suas emendas. O que nos preocupa é o paroquialismo envolto no uso delas por parte dos parlamentares”, critica Eliana Graça, do Inesc. Para ela, ao invés de proibir o contingenciamento para as emendas e para a área de Ciência e Tecnologia, como prevê a Lei, deveriam ser garantidos os recursos para os programas que são prioritários no Plano Plurianual, como as áreas de reforma agrária e políticas de transferência de renda.
Sociedade civil
Há anos as entidades da sociedade tentam atuar no ciclo orçamentário de forma a deixá-lo mais permeável à participação de movimentos sociais e ONGs. Este ano, embora o presidente da Comissão Mista de Orçamento, o senador Gilberto Mestrinho (PMDB-AM), tenha impedido a realização de audiências públicas sobre a LDO, entidades organizadas no Fórum Brasil de Orçamento se reuniram com o relator, Gilmar Machado, e apresentaram 22 propostas.
Foram aceitas quatro emendas. A primeira garante “a transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos”, como diz o Art. 48 da Lei. Outras duas colocam como meta a promoção da redução da desigualdade de gênero e raça, com ênfase na valorização de diferentes identidades e etnias.
Segundo Eliana Graça, as entidades solicitaram que o Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), cadastro onde constam os dados sobre toda a execução orçamentária do governo, fosse disponibilizado de forma aberta para a sociedade. “Nosso objetivo é que haja um maior acesso a informações de forma a possibilitar maior controle da sociedade sobre o processo orçamentário”, explica Graça. Mas a reivindicação não foi atendida e a transparência propagandeada pelo governo permanece ainda insuficiente.
Fonte: Agência Carta Maior