O relatório que a Missão de Assistência da ONU no Iraque publicou traça um panorama sombrio dos direitos humanos no país ocupado há quatro anos pelos EUA. O relatório denuncia a morte violenta de 34.452 civis em 2006; 470.094 cidadãos tiveram que abandonar as suas casas. E os presos somavam 30.842 até 31 de dezembro, quase metade 14.534 sob a guarda dos ocupantes anglo-americanos. A violência sectária ameaça até os barbeiros. Os números foram apresentados à imprensa nesta quarta-feira (17) por Gianni Magazzeni, funcionário das Nações Unidas.
Civis carregam corpo em escola de Bagdá
Magazzeni observou que os números do relatório são muito superiores aos apresentados pelo governo iraquiano instalado após a ocupação (fontes do governo falaram em 12 mil mortos “em atentados terroristas” durante o ano). O funcionário da ONU disse também que, embora um levantamento similar não tenha sido feito nos anos anteriores, a situação se degradou grandemente desde a eclosão da guerra civil religiosa, um ano atrás.
O país, militarmente ocupado desde 20 de março de 2003, vive também uma guerra civil sectária desde o atentado contra um mausoléu xiita em Samarra, em 22 de fevereiro de 2006. Desde então, só Bagdá abriga 38.766 fugitivos das operações de limpeza religiosa. O documento da ONU denuncia “ataques em grande escala de civis, sequestros, assassinatos, distribuição de panfletos ameaçadores, destruição de propriedades e intimidação”.
“A tortura é rotina nas prisões”
A ONU afirma que os presos iraquianos “não têm acesso a supervisão judicial”, a maior parte das prisões estão superlotadas e não dispõem dos serviços básicos. “A tortura continua a ser uma rotina nos centros subordinados ao Ministério do Interior, onde, em geral, não se informa os detidos sobre os crimes de que são acusados”, denuncia.
A média de civis mortos violentamente durante o ano foi de 94 por dia. Em setembro-outubro, a média diária subiu para 120 mortos. Em novembro e dezembro o número de vítimas fatais recuou ligeiramente, para 105 por dia. Dois terços dos assassinatos sectários foram em Bagdá.
Além disso, refere o documento, a polícia iraquiana “opera sem ordens claras e sem um sistema de responsabilidade interna clara”. E nem chega a muitas localidades. “Para compensar a ausência de lei e controle, tanto xiitas como sunitas tendem a buscar a proteção de milícias e outros grupos armados”, leais somente aos respectivos partidos, quando não fazem justiça com as suas próprias mãos, afirma a ONU.
O relatório é explícito quanto ao papel nocivo da ocupação estrangeira neste cenário. Afirma que as operações das forças multinacionais sob comando dos EUA “continuam a dificultar” o respeito pelos direitos humanos e causam “graves sofrimentos” à população, além de limitar “o direito ao movimento e o acesso aos serviços básicos”.
Nem os barbeiros escapam
A polícia, reestruturada sob a égide dos ocupantes, é alvo da resistência armada e teve uma média de dez agentes mortos por dia entre 2003 e 2007. Além disso, a própria polícia e todos os corpos de segurança do Estado “estão minados pela corrupção e pelas divisões sectárias cada vez maiores”. A polícia iraquiana “é vista como cúmplice, ou pelo menos infiltrada pelas milícias (xiitas) ou pelos grupos rebeldes (sunitas), de acordo com a sua área de operações”, diz o documento da ONU.
Este cenário causou graves perturbações no funcionamento de universidades e escolas, com milhares de crianças a deixarem de assistir às aulas porque ficam em casa ou porque as suas famílias optaram pelo exílio.
Os profissionais mais afetados pela violência são os jornalistas: 12 mortos entre novembro e dezembro. Seguem-se juízes, professores, advogados, médicos e artistas, muitos dos quais estão abandonando o Iraque, adverte a ONU.
Até uma profissão aparentemente inofensiva como a dos barbeiros é perseguida pelos assassinos de certas milícias, por cortarem as barbas dos homens, o que, segundo eles, contradiz os princípios do Islã.
Nas províncias curdas, mulheres mortas
Minorias como os cristãos – caldeus, assírios e outros – abandonam em massa o Iraque, depois de muitos séculos de coexistência tranqüila, devido a perseguições, segundo o relatório internacional.
As mulheres, em geral, sofrem “um desgaste dos seus direitos básicos e liberdades”, são obrigadas a usar o véu islâmico e, em alguns casos, mortas nos chamados “crimes de honra”, particularmente nas províncias curdas.
Fonte: Portal Vermelho