Um dos temas mais debatidos nas oficinas do Fórum Social Mundial foi o assédio moral no mundo do trabalho. Este tema, vinculado à temática dos Direitos Humanos nas discussões do Fórum, tem sido pautado pelas entidades sindicais e já é bastante recorrente nas conversas entre os trabalhadores de diversas categorias.
A oficina Assédio Moral e Saúde Mental no Mundo do Trabalho foi uma das atividades que fizeram parte da programação do FSM. Durante três dias, trabalhadores debateram o tema na tentativa de tirar propostas para combater o assédio moral, que é causa hoje de diversos tipos de doenças do trabalho. A oficina foi promovida pelo Sindicato dos Químicos de São Paulo, pela Confederação Nacional do Ramo dos Químicos e pal CUT de São Paulo. Entre os debatedores estavam aprofessora de Direito da Universidade de Cuba, Lídia Guevara; a professora de Psicologia da Universidade do Uruguai, Sílvia Franco; e a médica do trabalho e professora universitária, Margarida Barreto.
Logo após o debate, a especialista no assunto, Margarida Barreto, que presta assessoria para vários sindicatos, concedeu uma pequena entrevista à Agência de Notícias da Fenajufe. Confira a íntegra abaixo.
Fenajufe: Qual a proposta dessa oficina e qual a visibilidade da discussão de assédio moral hoje? Ela está pautada pelo movimento sindical?
Margarida Barreto: Essa oficina foi organizada pelo Sindicato dos Químicos de São Paulo e pela CUT de São Paulo, juntamente com o grupo da Violência Moral no Trabalho de São Paulo. A proposta foi discutir com o movimento sindical ações práticas, com a presença de trabalhadores de outros países latino-americanos, e a idéia nossa é discutir o que tá ocorrendo na América Latina, se isso nos diz respeito, e é óbvio que nos diz muito, até porque na região existe uma política comum. Essa política que acaba quebrando os trabalhadores, super explora, retira direitos, degrada as condições de trabalho e cria um ambiente propício para o assédio moral, em conquência de uma opressão e pressão constantes no mundo do trabalho. Então esse foi o mote para a gente discutir o que podemos fazer, não só em nível de São Paulo, mas em todo o país e também na América Latina. Hoje o nosso trabalho já atinge Cuba, Argentina, Uruguai, e vai até o Chile e o México.
Fenajufe: Você considera que houve avanço nas dicussões sobre o assédio moral?
Margarida Barreto: A primeira vez que nós discutimos assédio moral no Fórum foi em 2002 e de lá pra cá houve um crescimento intenso e uma sensibilidade muito grande da sociedade. Lógico que isso teve todo um processo de discussão, de visibilização no Brasil inteiro e de sensibilização. Mas quando eu me reporto ao ano 2000, quando eu defendi minha tese de mestrado sobre assédio moral, e venho agora para 2005, quase cinco anos depois, eu percebo que cresceu muito a disscussão sobre esse tema. Os sindicatos aos poucos estão compreendendo os instrumentos que eles têm na mão para discutir essas relações antagônicas, contraditórias que existem no mundo do trabalho e que são isuportáveis para a vida do trabalhador, para sua dignidade, para sua identidade e para sua saúde. Quando a gente diz para sua dignidade e identidade, significa dizer que o assédio moral é uma violação de direitos. É uma violação da intimidade, da privacidade, existem práticas discriminatórias que sustentam o assédio, existe o racismo que sustenta o assédio. O assédio é uma trama de discriminações, de invasões, de mentiras, de corrupções e cooptações que a medida que você vai destampando, tirando o pano que cobre essas relações, você encontra aí o cerne dessa violência, que é sútil, mas mesmo sendo sútil, mesmo sendo no campo do invisível, ela é terrívelmente cruel, violenta, na medida em que as pessoas adoecem, têm transtornos psíquicos, e inclusive pode desencadear o próprio suicídio. Então você tá em um mundo do trabalho em que apesar das novas tecnologias, apesar das políticas de responsabilidade social, apesar do discurso avançado, você tem um mundo do trabalho de relações humanas atrasadas e não são atrasadas porque as pessoas são atrasadas, mas porque existe uma racionalidade muito fria na relação capital e trabalho, porque para o capital só interessa exclusivamente a lucratividade.
Fenajufe: E a relação do assédio moral com o desemprego?
Margarida Barreto: Outra questão aí é o aumento do desemprego acentuado. As pessoas também estão adoecendo por medo de perderem o emprego, porque aquilo que eles pensam que é provisório, que é a sua demissão, aos poucos eles vão constatando que não é provisório, que eles vão ficar cada vez mais fora do mundo formal. Não é à toa que cresce a cada dia o mercado informal em nosso país e é o retrato da precarização do trabalho, tanto para quem está fora, mas também para aquele que está dentro do trabalho forma. Aquele que tá sobrecarregado, que antecipou o trabalho, que tem de ficar o número de horas que a empresa exige para ele ficar. Se a empresa achar que aquele produto deve ficar pronto em um dia, não interessa se o trabalhador tem família, tem filho. Muitos vezes tendo que até que dormir dentro da própria empresa. Então são essas novas características do trabalho, das relações, das políticas de gestão que mostram um mundo do trabalho hediondo, mostram um genocídio muito sútil. Você tem mortes, tem doenças hoje de um novo tipo, porque são transtornos mentais e são diretamente relacionadas com essa nova forma de organizar o trabalho.
Fenajufe: Em quais as categorias o assédio moral é mais forte? Realmente há maior incidência do assédio com mulheres negras, por exemplo?
Margarida Barreto: Sim, quando você pega raça, cor, etnia, você vê que as mulheres negras são mais assediadas do que as mulheres brancas. E quando você sobe a hierarquia você não encontra a questão do assédio na negra tão acentuado, porque elas ocupam poucos cargos de mando. Quando vai para o setor executivo, você tem uma presença majoritariamente de homens. De acordo com os dados de pesquisas que fizemos, as mulheres são as mais humilhadas. Algo em torno de 63% em relação ao homem. Continuam sendo as negras as mais humilhadas. Se a gente pega por região, é a região Sudeste, depois é a região Nordeste, vindo com o Estado da Bahia à frente no assédio moral. Mesmo com o movimento negro forte na Bahia, nós ainda temos casos grotescos de assédio moral na raça negra, especialmente com mulheres e com os trabalhadores de uma forma geral. A outra coisa que chama a atenção, é que 12% dos casos com mulheres começam como assédio sexual e quando essa cantada, essa imposição não tem a resolução a favor do agressor, termina em assédio moral. Quer dizer, aquela pessoa começa não ser bem vista aos olhos da empresa. E 5% dos homens também são assediados sexualmente, e isso é uma coisa interessante, porque normalmente os homens não falam a respeito disso. Existe toda uma vergonha de falar dessa situação. Agora quando você pega os casos envolvendo as mulheres negras na questão do assédio moral é assustador. Tem empresas que oferecem a mulher como prêmio, se ela não atingir a de produção, aos seus colegas que atingiram ou ultrapassaram a da produtividade ou mesmo para clientes. Então essa é uma realidade cruel do mundo do trabalho, que acontece em grande parte nas grandes multinacionais.
Fonte: Fenajufe (Leonor Costa, de Porto Alegre)