O cerco aos apadrinhados do Judiciário abriu caminho para o nepotismo cruzado, que é a migração de servidores não concursados de um Poder para outro. Sob a proteção e a cumplicidade de chefes de repartições públicas e parlamentares, eles são acolhidos em funções de confiança e não precisam se submeter a processo de seleção porque os cargos disponíveis são comissionados. “Uma troca de favores”, resume Vladimir Rossi, da Comissão Antinepotismo do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Desde a semana passada, a OAB investiga o trânsito de funcionários dos tribunais alcançados pela Resolução 7, que pôs fim à regalia na Justiça e ameaça empurrá-los para o desemprego. A primeira denúncia sobre o transnepotismo aponta para Sergipe, onde o presidente da Seccional da OAB, Henri Clay Andrade, decidiu rastrear suposto fluxo de servidores entre o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas do Estado – as cortes negam a burla ao Artigo 37 da Constituição, que impõe moralidade e impessoalidade na administração.
O presidente nacional da OAB, Roberto Busato, considera que “o nepotismo é o irmão da corrupção”. Segundo ele, o regime de apadrinhamento “é uma prática nefasta que deve ser extinta não só do Judiciário, como está sendo feito agora, mas de todos os Poderes da República”. Busato prega fiscalização rigorosa da entidade que dirige e também da sociedade para evitar a disseminação do nepotismo cruzado.
Depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) por 9 votos a 1 declarou, no dia 16, a competência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para editar a Resolução 7, a OAB fez um alerta. Segundo a ordem, alguns tribunais já estariam adotando o modelo de troca de ocupantes de cargos de confiança com o Executivo, o Legislativo e até o Ministério Público.
O nepotismo cruzado, de difícil rastreamento porque amparado em pacto informal entre autoridades, permite que o parente de um juiz ou desembargador seja transferido para o gabinete de um deputado de suas relações ou arrume colocação fácil em alguma empresa pública que tenha em seu organograma vagas de livre provimento. Em contrapartida, o magistrado abre suas portas para familiares do parlamentar ou do administrador que abrigou seu ente.
Os contracheques não têm alterações porque geralmente são equivalentes entre os Poderes. No Rio Grande do Sul, segundo denúncia da OAB ao Conselho de Justiça, o nepotismo direto e cruzado já beneficiava 68 pessoas – antes mesmo da Resolução 7 – no Ministério Público e no Tribunal de Contas.
A troca de apadrinhados é possível porque os cargos em comissão não foram e nem serão extintos. Apesar do grande número de exonerações nos tribunais – foram 2.673 demissões até sexta -, os desembargadores-presidentes se recusam a fechar as vagas que eram preenchidas pelos apaniguados. “Eu entendo que os cargos devem ser preenchidos”, anotou o desembargador Estácio Gama, presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, que teve de mandar embora 202 servidores. Ele considera que os substitutos das pessoas demitidas não têm de se submeter a concurso.
Para Vladimir Rossi, do Conselho Federal da OAB, a manutenção dos cargos de confiança é a porta aberta para o nepotismo cruzado. Ele observa que o meio legal de combater a prática é a aprovação da proposta de emenda à Constituição 334B, que obriga o Legislativo e o Executivo a darem um fim no regime dos apadrinhados. “Essa PEC vai alcançar o nepotismo cruzado”, acredita.
Rossi avalia como “mais grave” a situação nas prefeituras dos 5,5 mil municípios. “A população e o Ministério Público têm que ficar atentos”, sugere. Ele reconhece que a nova tarefa é complicada diante de tantos artifícios que estão sendo adotados por tribunais que se rebelaram contra a Resolução 7.
Em alguns Estados, tribunais arredios não publicaram a lista com os nomes dos demitidos. “Isso dificulta bastante o cruzamento de dados, sem os nomes a verificação se complica”, alerta. Rossi destaca que o CNJ já está exigindo dos tribunais a relação de todos os apadrinhados. “Os nomes vão acabar aparecendo.”
Fonte: Direito Vivo