“Quanta gente é preciso matar para se merecer o título de assassino em massa e de criminoso de guerra? Cem mil? Ainda mais, creio. Seria, pois, justo, que Bush e Blair comparecessem diante da Corte Internacional de Justiça. Mas Bush é difícil. Não ratificou a Corte (…). Mas Tony Blair a ratificou e pode ser objeto de suas investigações. Podemos dar o seu endereço à Corte, caso lhe interesse. Ele vive no número 10 de Downing Street”. As declarações são do dramaturgo britânico e ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2005, Harold Pinter, 75 anos, que no seu discurso de aceitação do Nobel, acusou os Estados Unidos de cometer crimes sistemáticos causando a morte de centenas de milhares de pessoas no mundo e submetendo brutalmente vários estados.
O discurso foi apresentado sob a forma de uma gravação nesta quarta-feira (7), na Academia Sueca, em Estocolmo, onde o Nobel é entregue tradicionalmente. Pinter, que se trata de um câncer no esôfago há anos, não comparecerá à entrega do prêmio por estar hospitalizado. Seu editor, Stephen Page, irá receber o Nobel em seu nome numa cerimônia de gala programada para este sábado.
Pinter disse que o presidente George W. Bush e o primeiro ministro Tony Blair deveriam ser denunciados à Corte Internacional de Justiça e processados pela invasão do Iraque, a qual ele chamou de um de um ato bárbaro de terrorismo. “A invasão do Iraque foi um crime, um ato bárbaro de terrorismo, o que demonstra o completo desprezo pelo conceito de lei internacional”, disse o escritor. As críticas não são novas. Pinter já chamou Blair de “criminoso de guerra” e classificou os Estados Unidos como um país “dirigido por um bando de delinqüentes”.
Em um vídeo de uma hora de duração, Pinter fez uma rápida retrospectiva da política externa norte-americana desde a Segunda Guerra Mundial. Listou alguns dos crimes sistemáticos que teriam sido cometidos pelos EUA na Indonésia, Grécia, Uruguai, Brasil, Paraguai, Haiti, Turquia, Filipinas, Guatemala, Nicarágua, El Salvador e Chile. Sobre este último país, disse que jamais deve se perdoar o dano provocado pelos EUA em 1973, no golpe militar que matou o socialista Salvador Allende e conduziu Pinochet ao poder. Também destacou o caso da Nicarágua e o apoio que a ditadura de Somoza recebeu dos EUA durante 40 anos. Com a chegada ao poder dos sandinistas, em 1979, os EUA trabalharam ativamente para derrubá-los.
Em todos estes países, acrescentou, houve centenas de milhares de mortos. E perguntou: “Essas mortes podem ser atribuídas à política externa dos EUA?” Sua resposta foi curta e grossa: sim! Para Pinter, os crimes cometidos pelos EUA foram “sistemáticos, constantes, infames e impiedosos”, mas só algumas poucas pessoas falaram deles. Ele atribuiu esse fato a uma enorme manipulação, “um ato de hipnose”, através do qual Washington se fez passar por “defensor das bondades universais”. Pinter disse ainda que, em um passado recente, os EUA favoreciam os “conflitos de baixa intensidade”, mas que agora deu-se conta que essa reserva não é mais necessária. “A invasão ao Iraque foi um ato de bandidos, um ato de terrorismo aberto, que demonstrou o desprezo absoluto pelo princípio do direito internacional”, disparou.
Para Bush e Blair, acrescentou, não faz nenhuma diferença a morte de pelo menos 100 mil iraquianos, vítimas de bombas e mísseis. E citou o poema “Explico algumas coisas”, do livro “Terceira Residência”, de Pablo Neruda, um canto às mães de milicianos republicanos mortos durante a Guerra Civil espanhola. Em seu pronunciamento, Pinter denunciou a ausência da verdade na linguagem da maioria dos políticos. Ele disse:
“A maioria dos políticos, considerando os elementos de que dispomos, não se interessa pela verdade mas pelo poder e pela manutenção desse poder. Para manter esse poder é essencial que as pessoas sejam mantidas na ignorância, que elas vivam na ignorância da verdade, inclusive a verdade sobre suas próprias vidas. O que nos envolve, portanto, é um vasto tecido de mentiras, das quais nos alimentamos”.
“Como se sabe, o argumento utilizado para justificar a invasão do Iraque foi que Saddam Hussein possuía um arsenal extremamente perigoso de armas de destruição em massa, entre as quais algumas poderiam ser lançadas em 45 minutos, provocando massacres apavorantes. Nos asseguraram que isso era verdade. Não era. Nos disseram que o Iraque mantinha relações com a Al Qaeda e tinha parte de responsabilidade pelas atrocidades de 11 de setembro de 2001 em Nova York. Nos asseguraram que isso era verdade. Não era. Nos disseram que o Iraque ameaçava a segurança do mundo. E nos asseguraram que isso também era verdade. Não era”.
“A verdade é algo totalmente diferente. A verdade está ligada ao modo pelo qual os Estados Unidos compreendem seu papel no mundo e ao modo pelo qual eles escolheram encarnar esse papel”.
Fonte: Agência Carta Maior