Por Cledo Vieira, coordenador geral da Fenajufe e do Sindjus/DF
Este artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria da Fenajufe
Chegamos a mais um Dia Nacional da Consciência Negra com muito ainda a conquistar em matéria de igualdade racial, principalmente porque nossa Justiça ainda é branca. Segundo o Censo do Poder Judiciário, realizado em 2013, pelo CNJ, 84,5% dos trabalhadores da Justiça são brancos (84,5%), enquanto 14% se identificaram como pardos e somente 1,4% como negros e 0,1% como índios.
Caminhando pelos corredores do Judiciário, principalmente nos tribunais superiores, muitas vezes me sinto em outro país, pois há pouquíssimos negros. Tal cenário denuncia a falta de oportunidade em matéria de educação oferecida à população negra ao longo da história de um Brasil cujas marcas do período escravocrata ainda não foram superadas. A discriminação racial está enraizada na cultura brasileira e essa Justiça que ainda se veste e fala como uma “elite branca” é prova disso.
Os negros, quando alforriados, não puderam escolher trabalho. E hoje, mais de cem anos depois da Lei Áurea, pouca coisa mudou porque não tiveram condições de estudar. É preciso humanizar as relações sócio-raciais do Judiciário. Derrubar tabus e preconceitos. Caminhar no sentido de aprofundarmos à busca por dignidade e cidadania. A Justiça não pode abrigar em seu seio a segregação racial e nós precisamos fazer esse debate de forma franca e corajosa.
Uma das palavras mais proferidas e pleiteadas pela sociedade atual, sem dúvida alguma, é “Justiça”. Justiça social, ambiental, cultural, étnica, moral, econômica, digital… Felizmente, a Justiça vem deixando de ser um termo abstrato, para ser um instrumento acessível e presente na vida das pessoas das mais diferentes regiões e classes. Porém, muitos ainda, por não terem renda ou estudo, sentem-se excluídos dessa “onda de Justiça”.
Segundo estudos, não há ninguém mais desvalorizado neste país, vítima de preconceito e discriminação, do que uma mulher negra da periferia. Diante dessa cultura de inferioridade, muitas dessas mulheres não se acham dignas de procurar a Justiça para resolver seus problemas e assim continuam sofrendo discriminações, humilhações, violências. Pudera, a Justiça, em nosso país, ainda passa a imagem de um “direito” ou de um “espaço” para poucos. Magistrados se colocam em pedestais, considerando-se “deuses” acima do bem e do mal. Como essa mulher negra da periferia pode acreditar que será feita Justiça se ela procurar por seus direitos?
A Justiça brasileira é represando por uma estátua de inspiração europeia, branca, de cabelo bom, vestida com um manto. Nossos magistrados, os quais apenas 1,4% se declaram pretos, andam com vestes inspiradas nas cortes do velho continente. Muitos servidores são obrigados a gastar mais do que podem com vestuário para não se sentirem descriminados, pois o Poder Judiciário é envolvido por uma “pompa” quando deveria estar mais próximo do povo. De que adianta investir em acesso à Justiça se insistem em distanciar a Justiça do povo?
Que Judiciário é esse que torce o nariz quando um de seus quadros vai trabalhar com contas de candomblé? Que Judiciário é esse que não vê com bons olhos uma desembargadora utilizar cabelo rastafári? Que Judiciário é esse que ainda faz, mesmo que às escondidas, piadinhas de cunho racista? É um Judiciário que não reflete a sociedade brasileira. Uma sociedade plural, que deve muito à população negra e indígena. Tanto o branco quanto o negro, o pardo e o índio precisam conseguir se enxergar na face da Justiça.
Quero saudar aqui, neste Dia da Consciência Negra, todos os negros do Judiciário e do MPU, todos os negros do serviço público brasileiro, todos os negros da nossa Pátria pela batalha que enfrentam no dia a dia. E também quero saudar, de forma especial, todos aqueles, negros ou não, que trabalham pelo fim das desigualdades e dos preconceitos no Distrito Federal, no Brasil e no mundo.
Como dirigente sindical, vou seguir na luta por uma Justiça cada vez mais abrangente, que contemple as reivindicações de todos. Afinal, a Justiça não pode ter cor. Ao menos, não deveria ter. Convido você, que está lendo este artigo, relembrando Joaquim Nabuco e Zumbi dos Palmares, a despertar a consciência para um Judiciário mais justo, humano e cidadão que esteja em sintonia com esse país não só de pele, mas de alma miscigenada que é o Brasil.