MP faz levantamento para identificar e pedir a saída de parentes de autoridades em cargos comissionados
Levantamento inédito do Ministério Público Estadual deve revelar até outubro o número total de parentes de autoridades em cargos comissionados ou temporários. Além de mapear e dar dimensão ao problema, o objetivo é chamar atenção da população sobre o fato e gerar uma discussão que leve à criação de leis municipais antinepotismo. Onde não existe legislação específica sobre o tema, os promotores das comarcas locais vão se encarregar de pedir a exoneração dos funcionários identificados pelo levantamento.
Em entrevista ao AN Capital, o coordenador-adjunto do Centro de Apoio Operacional à Moralidade Administrativa (CMA) do Ministério Público Estadual, promotor de Justiça João Carlos Teixeira Joaquim, explica a importância do levantamento e da aprovação de leis específicas sobre o nepotismo. Esta semana, a Câmara de São José deve apreciar o veto do prefeito Fernando Elias (PSDB) ao projeto que proíbe parentes em cargos comissionados.
Trabalho do Ministério Público mapeia existência de leis específicas aprovadas pelas câmaras
AN Capital – Como funciona o levantamento sobre nepotismo nos municípios?
João Carlos Teixeira Joaquim – Lançamos um programa em nível estadual para verificar a prática do nepotismo em todos os municípios e também nos órgãos do Estado, com exceção do Ministério Público e do Poder Judiciário, onde já há uma regulamentação da matéria que veda a prática do nepotismo. Nós estamos fazendo esse levantamento da existência de situação concreta e de legislação sobre o assunto nos municípios. Consideramos nepotismo o emprego de parentes para cargos comissionados, ou seja, sem concurso público, ou para contratações temporárias, também sem concurso público. Esse nível de parentesco seria com as pessoas que têm poder de direção, bem como os agentes políticos – ou seja, prefeito, vice, os secretários do município e nas câmaras de vereadores, todos os vereadores.
ANC – Ele tem um prazo para conclusão?
Teixeira – Fizemos um cronograma de execução desse programa. A primeira fase foi a requisição de informações às câmaras de vereadores e às prefeituras. Essa fase se encerra agora em agosto. Nos meses de setembro e outubro vamos fazer um levantamento de todas as informações que solicitamos. É provável que para outubro a gente já tenha um levantamento completo de todo o Estado, até porque alguns municípios maiores têm uma certa dificuldade de informar, porque há muito cruzamento de informações entre diversos órgãos do mesmo município, porque além do Executivo, administração direta, existe a indireta – fundações, empresas de economia mista, que nós precisaríamos verificar também.
ANC – As prefeituras e câmaras têm imposto dificuldades para fornecer essas informações?
Teixeira – Por hora nós não temos percebido. Na verdade, em torno de 80 municípios não tinham nos informado. Desses 80, cerca de 40 haviam solicitado prorrogação de prazo.
ANC – Em que vai resultar esse levantamento?
Teixeira – Nosso objetivo principal é saber se existe ou não uma legislação regulamentando e se existe ou não caso concreto de nepotismo no Executivo e no Legislativo com relação aos cargos comissionados e aos de caráter temporário. Havendo situações concretas no final desse inquérito civil, três procedimentos inevitavelmente terão que ser adotados: ou se arquiva porque no município já tem legislação e não há nenhuma situação de nepotismo; ou, se não houver legislação se busca, pelo menos, ajustar conduta para que o município discuta a matéria e venha aprovar uma lei de acordo com o entedimento que está se tendo atualmente; ou – isso seria uma hipótese remota, mas também pode vir a acontecer – se existir um caso concreto de nepotismo contrário à lei municipal tem que se buscar via judicial a exoneração desses servidores. Caso não tenha a lei e tenha o nepotismo, se busca da mesma forma a exoneração. O que nós vamos em um primeiro momento buscar, é claro, em parceria com todos os promotores das comarcas, é havendo caso concreto – e a gente sabe que na grande maioria tem – sejam esses funcionários exonerados num prazo até exíguo, já que na verdade não haveria necessidade de fazer concurso público para essas funções, porque se a lei prevê cargo comissionado eles vão poder contratar para esses cargos, mas não parentes. Se não obtivermos as exonerações via um ajustamento de conduta e um acordo com as administrações municipais vai-se ao Judiciário, com base no princípio da isonomia, no princípio da moralidade, da eficiência. Após tivermos todas as informações, as ações a serem deflagradas em cada município vai depender da atuação dos promotores nas comarcas.
ANC – Algum trabalho semelhante já foi realizado pelo Ministério Público no combate ao nepotismo?
Teixeira – Aqui em Santa Catarina não. Esse fato é pioneiro, até porque a gente está trabalhando com todos os municípios. O que a gente sabe é que em alguns Estados da federação já há iniciativas de alguns colegas, mas isoladas. Aqui, em algumas comarcas que têm legislação promotores já moveram ações para adequar a situação concreta à legislação do município.
ANC – O nepotismo é sempre condenável?
Teixeira – O nepotismo, a palavra em si, tem origem na Igreja. Seriam os sobrinhos ou parentes dos papas que eram nomeados para a administração eclesiástica. É claro que o fato de se nomear um parente não quer dizer que ele não seja eficiente. Muitas vezes ele pode ser mais preparado que alguém não parente. O problema é que é muito dificil de aquilatar isso, porque é muito subjetivo. Hoje está se cobrando até determinado nível de parentesco, que seria em linha reta até o terceiro grau – tio, sobrinho. Por exemplo, primos – que seria quarto grau – nós não estamos cobrando.
ANC – Qual a importância dos municípios criarem leis antinepotismo? Em que medida ela facilita o trabalho dos promotores?
Teixeira – A idéia é justamente essa: nos municípios onde a legislação silencia criar um fato para que o nepotismo venha a ser discutido. Os municípios onde uma legislação estabelece o que é nepotismo e até que grau deve ser vedado no serviço público facilitam a atuação dos próprios administradores. Hoje o arcabouço jurídico para discutirmos o nepotismo está em princípios constitucionais, mas o ideal é que isso venha sendo normatizado.
Fonte: Jornal A Notícia (Upiara Boschi)