A Central Única dos Trabalhadores, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e um conjunto de outras entidades organizadas em torno da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) decidiram desencadear uma mobilização nacional contra a corrupção e o espírito golpista que estaria animando os movimentos da oposição capitaneada pelo PSDB e pelo PFL. A decisão foi tomada após contatos e reuniões realizadas nos últimos dias em Brasília e São Paulo. Diante da postura defensiva e da relativa paralisia do governo Lula e da direção do PT, agravada após as denúncias do deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), a CMS decidiu agir e colocar seu povo na rua. Mas a mobilização não envolverá um apoio incondicional ao governo Lula, defendendo mudanças urgentes nos rumos da política econômica e a implementação de uma reforma política democrática.
O diagnóstico geral dos movimentos entende que essas mudanças não têm qualquer chance de ocorrer sem uma ampla mobilização social que leve milhares de pessoas para as ruas. Segundo suas lideranças, será uma mobilização em defesa, não propriamente do governo, mas sim do projeto histórico que levou Lula à presidência da República. “O que não conseguimos fazer em 2002, vamos ter que fazer agora”, resumiu o dirigente do MST, João Pedro Stédile, em uma reunião realizada na sede da CUT, na capital paulista. “Agora é guerra. O que está em jogo é uma disputa de projetos”, acrescentou, definido do seguinte modo a agenda geral da campanha: “somos contra o golpismo e a corrupção; nem o golpismo de FHC e Bush, nem a corrupção; e em defesa de uma reforma política democrática e de mudanças na política econômica”.
Uma lógica golpista em curso?
O presidente da CUT, Luiz Marinho, reforçou a posição de Stélide. “Evidentemente que não temos nenhuma dúvida de que todas as denúncias de corrupção devem ser investigadas. Agora, é preciso lembrar que esse problema da corrupção não surgiu hoje. Ele está sendo utilizado como uma cortina de fumaça para enfraquecer ao máximo o presidente Lula ou mesmo para criar um clima de impeachment. Nós estamos reclamando que há pouca mudança, queremos mais, mas as elites mão toleram sequer essas pequenas mudanças que o governo vem fazendo”, afirmou Marinho, citando como exemplos os programas de incentivo à agricultura familiar e o Pró-Uni. “Não podemos aceitar calados a lógica golpista que está em andamento”, emendou o dirigente da CUT.
Na mesma direção, o presidente da UNE, Gustavo Petta, defendeu rigorosas investigações de todas os casos de corrupção e denunciou a tentativa da direita conservadora de desconstituir uma alternativa de governo duramente construída nas últimas décadas. “Essa direita”, assinalou, “apresenta-se hoje como guardiã da ética, mas quando esteve no poder durante o governo FHC esmerou-se em engavetar CPIs e abafar as inúmeras denúncias de corrupção naquele período, em especial durante o processo de privatizações”. “Não podemos cair no canto de sereia da direita brasileira”, acrescentou. “Diante dessa ofensiva, o governo Lula deve fazer as mudanças necessárias no país, mudando os rumos da política macro-econômica e ampliando os investimentos em políticas sociais.
Petta anunciou que no dia 1° de julho, durante o congresso nacional da UNE, em Goiânia, será realizada uma grande manifestação, em conjunto com a Coordenação dos Movimentos Sociais, com partidos políticos de esquerda e com os governadores que apóiam um projeto de transformação para o Brasil.
A manifestação de 1° de julho, em Goiânia, deve ser uma entre muitas, anunciaram as organizações. No próximo dia 21, as entidades farão uma reunião ampliada, em Brasília, para a qual serão convidadas entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre outras. Essa reunião discutirá a redação de uma Carta ao povo brasileiro e de uma Carta ao presidente Lula e ao presidente do Congresso Nacional, onde serão apresentados os objetivos da campanha.
Os fatores da crise
“Estamos muito preocupados com o que está acontecendo”, reconheceu Stédile. Para o dirigente do MST, vários fatores se conjugaram e ajudam a entender o atual momento político do país. O primeiro deles, segundo ele, está relacionado aos interesses do capital transnacional, que estaria inquieto com a política externa do governo Lula e com sua influência na América Latina, particularmente em função dos rumos do governo Chávez, na Venezuela, e do que está ocorrendo na Bolívia e no Equador. O segundo fator diz respeito à política econômica do governo Lula. “Infelizmente, o governo manteve uma política econômica que afeta os interesses do povo brasileiro. Setores da burguesia se aproveitaram do tema da corrupção para tentar desconstituir Lula e colocá-lo de joelhos. A situação é tal que ou o governo se curva aos tucanos e aos seus aliados internacionais, ou muda sua política econômica e vem para o lado do povo”, sintetizou.
A percepção de que a crise atual tem causas que estão para além do tema da corrupção também foi apontada por Luiz Marinho. O sindicalista identifica um movimento de setores do empresariado, articulado com setores do agronegócio, que está se aliando com a oposição liderada pelo PSDB para evitar um segundo mandato de Lula, com medo de que o projeto do PT e de seus aliados históricos acabe ganhando maior força do que tem agora. “Vá que o Lula desembeste no segundo mandato?” – emendou Stédile, apontando o temor que estaria na base das forças de oposição. Ele e Marinho concordaram que a única saída para Lula é romper com os setores que querem hoje fazê-lo prisioneiro. E os movimentos sociais irão para as ruas, em todo o país, tentar evitar que isso ocorra.
Fonte: Agência Carta Maior