Movimento social se prepara para combater projeto da Biossegurança

A aprovação da Lei de Biossegurança foi a gota d’água para as ONGs e os movimentos sociais preocupados com os impactos dos organismos geneticamente modificados no meio ambiente, na agricultura e na saúde da população. Desde as drásticas alterações efetuadas pelo Senado no projeto original, a sociedade civil organizada estava em uma espécie de estado de choque. Depois do forte chacoalhão da aprovação da lei considerada um “golpe de mestre” (por colocar a autorização da pesquisa em células tronco de embriões humanos junto com a liberação dos transgênicos, o que fez com que o debate deste último tema ficasse bastante esvaziado), os movimentos preparam-se para reagir.
No plenário da Câmara Federal, na última quarta, havia uma enorme pressão feita pelos mais diferentes grupos para a aprovação da lei. Além dos ruralistas defendendo os interesses do agronegócio, estavam lá vários funcionários da Monsanto (multinacional americana considerada a maior beneficiária da liberação dos transgênicos), cientistas conceituados, como Mayana Zatz, o médico “global” Drauzio Varella, cerca de 60 portadores de deficiência, os ministros Eduardo Campos (Ciência e Tecnologia), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) e Roberto Rodrigues (Agricultura) e até mesmo a filha do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, Ana Cavalcanti.
Derrotados na questão dos transgênicos, os movimentos sociais preparam agora um conjunto de ações que vai muito além das galerias do plenário. Caso o presidente Lula não vete a concessão de plenos poderes à CTNBio, o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fboms) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) vão propor à sociedade civil organizada, através de suas entidades e parlamentares, a realização de um plebiscito oficial sobre a questão dos transgênicos.

Instrumento da sociedade

“Nós vamos pedir ao deputado João Alfredo (PT-CE) para ser o portador da tramitação do plebiscito, que está previsto na constituição”, afirma Temistocles Marcelos, coordenador da comissão nacional de meio ambiente da CUT e secretário executivo do Fboms. Ele afirma que devido ao contorcionismo feito pelo governo federal para colocar dois temas tão complexos em um mesmo projeto de lei, a mutilação do projeto original feita pelo Senado e o acordo feito entre parlamentares e a Monsanto, o resultado da votação já estava anunciado. “Cabe agora levar o debate à sociedade civil, que em sua maioria esmagadora é contrária aos transgênicos”, declara ele.
Marcelos baseia sua afirmação em uma pesquisa feita em julho do ano passado pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser). Realizada em sete capitais das cinco regiões brasileiras, a pesquisa mostra que 82% da população é contrária à liberação dos transgênicos no país. Segundo o instituto, a margem de erro é de 2,1% para o total da amostra. “O plebiscito é um mecanismo saudável e correto de mostrar a vontade da população. Já que a aprovação da lei feita pelo Congresso é uma afronta aos interesses da sociedade”, afirma a consultora jurídica Andréa Salazar.
Ela esclarece que o plebiscito tem que ser proposto por um terço, no mínimo, dos deputados ou dos senadores. Posteriormente, ele tramita como uma lei ordinária, tendo que ser aprovado tanto pela Câmara como pelo Senado. Aprovado, não precisa de sanção presidencial, e é encaminhado para a Justiça Eleitoral para que sejam definidas a data da consulta popular e outras providências. “Encampado pelos movimentos sociais, o plebiscito é totalmente viável”, avalia Marcelos.

Outras lutas

Uma campanha de mobilização social no sentido de pedir o veto presidencial ao projeto da lei de Biossegurança é a proposta apresentada pelo Greenpeace. “Queremos envolver a sociedade no veto dessa lei persuasiva e negativa, que não oferece segurança ao consumidor e pode colocar em risco o meio ambiente”, afirma Ventura Barbeiro, engenheiro agrônomo e representante da campanha de engenharia genética do Greenpeace. Através do site da organização (www.greenpeace.org.br), as pessoas podem enviar e-mails ao presidente da república exigindo o veto à lei.
O Idec e o MST querem investir em uma ampla campanha de informação e conscientização dos consumidores e agricultores brasileiros sobre os perigos dos organismos transgênicos. Através da Via Campesina Internacional e da Consumers International (maior entidade de defesa do consumidor de todo o mundo), as organizações divulgarão e discutirão com entidades de outros países a aprovação da lei no Brasil. No próximo dia 15, Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, a Consumers International terá como tema de sua campanha a luta contra os organismos geneticamente modificados.
Com o objetivo de estimular o boicote aos produtos que contém ingredientes transgênicos, a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) aposta na cobrança da implementação do Decreto de Rotulagem, já aprovado, que exige que produtos que contenham mais de 1% de matéria-prima geneticamente modificada apresentem em seu rótulo as informações específicas e o símbolo de transgênico. “É necessário fortalecer os canais de divulgação dos produtos que trazem riscos à saúde”, afirma Gabriel Bianconi Fernandes, assessor técnico do AS-PTA. A associação também estuda a legislação com o objetivo de encontrar mecanismos para defender os agricultores que querem manter seus campos livres da contaminação dos transgênicos.

Na contramão da história

Na avaliação do engenheiro agrônomo Barbeiro, a aprovação dos transgênicos foi feita de acordo com os interesses das multinacionais da área de biotecnologia de se eliminar a semente convencional do planeta. “Infelizmente, ela ocorre em um momento em que o mercado internacional se fecha para a comercialização dos transgênicos, fazendo com que o Brasil possa perder um enorme mercado”, afirma ele. Um estudo elaborado pelo Greenpeace Internacional mostra que 57 das 60 maiores empresas alimentícias do mundo decidiram não comercializar produtos transgênicos na União Européia, sendo que algumas estenderam essa política para suas vendas em todo o mundo.
Segundo ainda dados da organização, 25 países europeus estão fechados para a comercialização de produtos geneticamente modificados. “É lamentável que uma empresa como a Monsanto possa impor a agenda do país, ditar as regras de acordo com seus interesses. E o governo se dobrar e ceder da forma como fez. Estamos na contramão da história”, avalia o deputado Edson Duarte. A Monsanto do Brasil foi procurada pela Agência Carta Maior, mas através de sua assessoria de imprensa disse que só se manifestará depois que a lei for sancionada pelo presidente Lula.