Por: Sylvia Romano*
O processo de alterações legislativas e jurisprudenciais dos últimos anos disfarça um caráter e um cunho nitidamente fascista, que consagram não só a perda dos direitos dos trabalhadores, como também o ensaio geral da grande ofensiva do cartel oportunista e revisionista contra as garantias trabalhistas ao longo de décadas de luta.
Em primeiro lugar, destacou-se o método de dividir para dominar, isto é, a escolha de atacar uma categoria de trabalhadores de cada vez, isolando-a das demais e jogando a sociedade contra ela. Uma das mais atingidas foi a dos trabalhadores de base, como os chamados portuários que, submetidos a uma campanha difamatória que terminou por subtrair-lhes todas as conquistas asseguradas pela CLT, foram vítimas da imprensa que cinicamente pintava-os de marajás, atribuindo às suas conquistas a culpa pela suposta inviabilidade dos portos brasileiros. O resultado de toda essa pressão foi a Lei nº 8.630, de 1993, a chamada Lei dos Portos que, entre diversas medidas atinentes ao setor, revogou todas as disposições especiais da CLT sobre estiva e capatazia.
Contra os comerciários, foi empregado outro artifício: a Medida Provisória nº 1.539, que posteriormente foi convertida na Lei nº 10.101, de 2002, a famosa Lei de Participação nos Lucros das Empresas, a qual trouxe em seu bojo um artigo de conteúdo estranho ao restante de seu texto, autorizando a abertura do comércio varejista aos domingos e, com isto, levou de roldão o sagrado descanso semanal remunerado, com todas as suas conseqüências de remuneração.
Mas nada teve impacto mais violento do que a Súmula 331, aprovada em 2003 que, não obstante reconhecer a ilegalidade da terceirização, dispôs em seu inciso III que “não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância e de conservação e limpeza”.
O resultado disso é que os trabalhadores do setor de limpeza — sempre os piores remunerados — perderam a única oportunidade que tinham de acumular ganhos salariais, que era a permanência na mesma empresa por alguns anos.
O ponto máximo, porém, do aviltamento dos direitos trabalhistas ainda estava por vir… Chegou sorrateiro e, sem que ninguém falasse nada, introduziu-se de forma quieta e foi um verdadeiro confisco constitucional aos direitos dos trabalhadores — e encontra-se na apropriação do trabalho alheio ou no confisco disfarçado dos mesmos.
Em termos de medidas de caráter geral que atingiram o conjunto da força de trabalho, o governo FHC impôs à categoria dos trabalhadores uma grande perda. A primeira delas foi introduzida pela Lei nº 9.601, de 1998, que se traduz na permissão de horas extras não-remuneradas. Essa lei alterou o artigo 59 da CLT, para dispor o famigerado banco de horas, recebido pelos patrões como uma dádiva dos céus. Porém, para os trabalhadores, trata-se de um estelionato.
Em primeiro lugar, quem decide quando serão compensadas as horas extras, é o patrão. Não é a conveniência do trabalhador, mas sim, a do empregador que norteará sobre quando aquele poderá reaver as horas de descanso que lhe foram subtraídas sem qualquer pagamento. Em várias empresas, a resposta é simples: NUNCA. Porque as horas de trabalhos extraordinários jamais são compensadas.
O banco de horas foi feito para atender àquelas empresas cujas demandas são sazonais, e assim, o efeito da medida foi duplamente perverso, pois além de poupar os patrões do pagamento de horas extras no momento de maior lucro, rebaixou o custo da opção de, nos momentos de menor lucratividade, demitir ou não os trabalhadores. Não esqueçamos, ainda, os reflexos sobre o Fundo de Garantia e o desrespeito Constitucional ao pagamento de 50% na remuneração da hora extra. Por essa e por outras razões, o banco de horas significou para os trabalhadores um confisco extra de salário.
E, finalmente, apesar de toda a colaboração do TST com a Lei nº 9.958, de 2000, foi criado aquele que até agora é o meio mais eficaz para o esvaziamento da Justiça: as chamadas comissões de conciliações prévias, através das quais, os trabalhadores passaram a ter a opção de dirimir suas questões frente a árbitros.
Mas é preciso admitir que a Justiça do Trabalho também não tem colaborado. Em 2005, o Tribunal alterou a Súmula 51, possibilitando a perda de direitos assegurados em regulamentos de empresas e, através de dissídios individuais, SDI, o Tribunal emitiu algumas Orientações Jurisprudenciais. A de nº 251, por exemplo, permite que cheques sem fundos emitidos por clientes em postos de combustíveis sejam descontados dos salários dos frentistas que os receberam, caso existam irregularidades no preenchimento… Não é preciso dizer mais nada.
(*) Sylvia Romano é advogada trabalhista, responsável pelo Sylvia Romano Consultores Associados, em São Paulo.