Por Imprensa
Leia abaixo matéria da Agência Carta Maior sobre a aprovação da Lei de Biosegurança, aprovada ontem no Senado e que retorna agora à Câmara:
O Senado aprovou ontem um projeto de lei que transfere a um colegiado de cientistas de diversas áreas a competência máxima para decidir se a introdução de espécies geneticamente modificadas pode ou não causar degradação ambiental. O texto proposto para a nova Lei de Biossegurança retira o poder de veto sobre a liberação comercial de organismos geneticamente modificados – os OGMs ou transgênicos – concedido pela Câmara dos Deputados aos órgãos de registro e fiscalização das atividades que colocam em risco a saúde humana, vegetal, animal e ambiental (Ibama, Anvisa e Secretaria de Defesa Agropecuária).
A modificação genética do projeto foi operada pelos senadores Osmar Dias (PDT-PR), Ney Suassuna (PMDB-PB) e Aloizio Mercadante (PT-SP). Convencidos de que os órgãos de fiscalização são um entrave ao desenvolvimento da produtividade agrícola do país, eles consideram que um colegiado de especialistas com notório saber científico e técnico é o órgão mais competente para garantir a segurança de um produto ou organismo geneticamente modificado para consumo humano e para o equilíbrio do meio ambiente. Mercadante sustenta que um órgão como o Ibama, com poucas pessoas qualificadas para analisar o impacto ambiental de OGMs e um histórico de greves sucessivas, não pode ter a prerrogativa de impedir o avanço tecnológico na produção de alimentos.
Por outro lado, entidades de defesa do meio ambiente como o Greenpeace afirmam que, da forma como a Lei de Biossegurança foi aprovada pelo Senado, o Brasil ficará na desvantajosa condição de produtor transgênico, que apóia os interesses corporativos, ignora a opinião da população brasileira e atropela o Princípio da Precaução. Para os ambientalistas, as conseqüências da liberação irrestrita de OGMs no meio ambiente são imprevisíveis e podem ser irreversíveis, pois não existe consenso nem mesmo na comunidade científica sobre sua segurança. Entre os riscos que representariam para o meio ambiente, estão a poluição genética, a perda de biodiversidade, o surgimento de ervas daninhas resistentes a herbicidas, o aumento do uso de agrotóxicos e a perda da fertilidade natural do solo.
O projeto com as alterações que retiraram vários mecanismos de precaução colocados pela Câmara foi aprovado por ampla maioria dos senadores – 53 a favor, três contra e duas abstenções. Mas, na última etapa de negociação, recebeu uma semente contrabandeada pelos senadores Sibá Machado (PT-AC) e Serys Slhessarenko (PT-MT), que pode provocar um novo processo de transmutação. Eles convenceram o senador Ney Suassuna a fazer uma pequena alteração no dispositivo que define as atribuições da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), substituindo a expressão “dos animais e das plantas” pela palavra “zoofitosanitária”. A troca parece inofensiva. A saúde dos animais e das plantas é tecnicamente conhecida como zoofitosanitária.
Aí está o pulo do gato. A palavra técnica inclui a Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura na bacia dos órgãos com a competência substituída pela CTNBio. Até agora, ela estava fora da abrangência. Se os cientistas especializados em saúde humana, vegetal e meio ambiente decidirem que um pecuarista pode importar um touro reprodutor geneticamente modificado sem risco de provocar alguma contaminação irreversível no rebanho nacional, os técnicos e especialistas em reprodução animal só terão o direito de recorrer ao colegiado político, o Conselho Nacional de Biossegurança formado por 11 ministros leigos que terão apenas 45 dias para tomar uma decisão. Caso a maioria dos ministros não veja importância no assunto e perca o prazo para deliberar, a decisão da CTNBio será convalidada.
Com a inclusão da Secretaria de Defesa Agropecuária na balança dos perdedores, os Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente esperam ganhar um aliado importante para conseguir reverter ao menos parte do prejuízo na votação da Câmara. A malandragem não passou em branco pelo senador Osmar Dias, pego de surpresa com as alterações feitas por Suassuna na última hora. Mas ele não identificou exatamente onde estava o problema. Pensou que a confusão era na emenda da senadora Heloisa Helena (PSol-AL) que passou a proibir o desenvolvimento de tecnologias destinadas a tornar estéreis os grão derivados de cultivares geneticamente modificados – o gene terminator.
“Estou me sentindo enganado. Isso só reforça a suspeita de que tudo que fizemos aqui foi uma grande farsa, pois o governo pretende retomar o projeto da Câmara”, protestou Dias. Enquanto Suasssuna se explicava e Mercadante afirmava que as alterações não faziam parte do acordo, Sibá e Serys se esforçavam para disfarçar a travessura, dizendo que a modificação não alterava nada. Sem saber direito o que estava acontecendo, Mercadante levantou a hipótese de o presidente Lula vetar o dispositivo contrabandeado. Parece que não será possível, pois o implante genético foi coisa de profissional. Para invalidar a mudança, o presidente teria de suprimir todo o caput do artigo 10, que define as competências da CTNBio. A confusão terá de ser desfeita na Câmara. Com a palavra os deputados, que apreciarão as seguintes alterações feitas pelo Senado no projeto da Lei de Biossegurança:
1) Permite utilização de célula-tronco embrionária para pesquisa e terapia;
2) A CTNBio passa a ter a competência definitiva para considerar se a liberação comercial de OGM é atividade potencialmente causadora de degradação ambiental;
3) Decisão da CTNBio só é enviada ao CNBS se for solicitada em até 30 após a publicação e o CNBS terá 45 dias para deliberar (o envio nos casos de liberação comercial era obrigatório);
4) Os órgãos de fiscalização só serão ouvidos se o CNBS julgar necessário;
5) Cai de 15 para 11 o número de integrantes do CNBS; perdem acento os ministros da Secretaria de Comunicação de Governo, do Desenvolvimento Social, da Fazenda e do Planejamento;
6) Aumenta de 5 para 6 a quantidade suficiente de membros para provocar uma reunião do CNBS, à revelia do ministro da Casa Civil, que o preside;
7) CTNBio passa a ter competência para dar pareceres técnicos referentes à proteção zoofitosanitária;
8) O Ministério do Desenvolvimento Social é substituído pelo das Relações Exteriores na composição da CTNBio;
9) As decisões da CTNBio passam a ser por maioria dos presentes e não maioria absoluta;
10) As decisões da CTNBio vinculam os demais órgãos e entidades da administração (inclusive os órgãos estaduais de meio-ambiente), mesmo para liberação comercial; se discordarem das decisões, terão 30 dias para recorrer ao CNBS;
11) Os órgãos de registro e fiscalização só analisarão os casos de liberação comercial de OGM se a CTNBio solicitar;
12) As audiências públicas para análise de solicitação de liberação comercial deixam de ser obrigatórias;
13) O licenciamento só fica a cargo do Ministério do Meio Ambiente se a CTNBio considerar que o OGM é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente;
14) Caiu a criação de uma contribuição de intervenção no domínio econômico de 1,5% sobre a comercialização ou importação de sementes ou mudas geneticamente modificadas e de um fundo para incentivar o desenvolvimento da biossegurança e da biotecnologia para agricultores familiares;
15) As punições para quem violar as proibições da Lei são reduzidas; por exemplo, o causador de morte por liberação ou descarte no meio ambiente de OGM em desacordo com as normas da CTNBio teve a pena reduzida de 20 para 10 anos de reclusão;
16) Foi retirada a explicitação da competência do Ministério Público da União e dos Estados para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao homem, aos animais, ás plantas e ao meio ambiente, em face do descumprimento da lei;
17) Os OGMs com pareceres anteriores da CTNBio liberando a comercialização podem ser registrados se o CNBS não se manifestar em contrário em 60 dias após a publicação da lei;
18) Fica autorizado o plantio da soja resistente ao glifosato;
19) Fica proibido o desenvolvimento de tecnologias destinadas a tornar estéreis os grão derivados de cultivares geneticamente modificados (o gene terminator);
20) São revogados dispositivos da lei que autorizou o plantio de soja transgênica no ano passado, especialmente os que visavam facilitar o monitoramento da produção e comercialização, como a rotulagem, o termo de compromisso, a responsabilidade solidária do produtor e o pagamento de royalties.
Fonte: Matéria de Nelson Breve
Repórter da Agência Carta Maior