“Nunca antes na história deste país”, diria o presidente Lula, governo, estados, prefeituras e empresas estatais, juntos e graças à política econômica federal, pagaram quantias tão altas de juros da dívida ao sistema financeiro, quanto em 2006 e nos quatro anos do primeiro mandato do petista.
De janeiro de 2003 a dezembro de 2006, o chamado “mercado” recebeu R$ 590 bilhões em juros, por ser credor da atualmente trilionária dívida pública brasileira. Deste total, R$ 330 bilhões (56%) foram quitados com recursos de impostos cobrados da sociedade e negados, por exemplo, à saúde e à educação. O resto do dinheiro (R$ 260 bilhões) foi emprestado pelo mesmo “mercado”, que um dia ganhará mais juros por isso.
Só em 2006, houve um pagamento recorde ao sistema financeiro, segundo o Banco Central (BC), que divulgou os números nesta quarta-feira (31). Foram R$ 160 bilhões, 20 vezes mais do que o Bolsa Família ofereceu em assistência social no mesmo período.
Apesar do recorde, 2006 registrou um fato inédito. Desde que começou o pagamento sistemático de juros, no fim de 1998, foi a primeira vez que o gasto deixou de morder a maior fatia do orçamento federal. A Previdência Social tomou a dianteira, ao distribuir R$ 165 bilhões em benefícios para 21,5 milhões de pessoas (leia matéria). A quitação de juros favorece cerca de 20 mil famílias, segundo cálculos do economista Marcio Pochmann, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Na segunda gestão Lula, o pagamento de juros deve cair, ao menos quando medido pelo peso nas riquezas nacionais. No Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o governo aumenta seus investimentos tirando verba que iria para juros (confira matéria) . O PAC reduz, na prática, o uso de tributos na liquidação de juros, política conhecida como superávit primário.
A diminuição do superávit será levada adiante por meio do Projeto Piloto de Investimentos (PPI). O PPI existe desde 2005, mas quase não vinha sendo utilizado, pois o Ministério da Fazenda queria quantias de juros que controlassem o tamanho da dívida e a fizessem cair.
No ano passado, contudo, observou-se um sinal da disposição sinalizada pelo PAC. O governo federal usou, ainda que timidamente, o PPI para baixar o superávit. Economizou R$ 200 milhões com os quais pagaria juros. Porém, apertou estados e municípios a ponto de obter deles R$ 2,2 bilhões acima do que deveriam pagar. No fim das contas, o setor público brasileiro gastou 4,32% das riquezas nacionais com juros, e a meta era de 4,25%.
Apesar da manobra em 2006, o governo federal acena com uma situação diferente no segundo mandato, especialmente porque os valores do PPI foram quadruplicados. No ano passado, o PPI tinha R$ 3 bilhões. Em 2007, são R$ 11,3 bilhões. “Estamos com a máquina azeitada e funcionando numa velocidade maior. Existe toda a possibilidade de cumprir a meta do PPI”, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
A opção do governo de acelerar o PPI e sacrificar o pagamento de juros tem respaldo nos dados divulgados pelo BC nesta quarta-feira (31). O objetivo do superávit primário é conter a dívida e fazê-la cair. E foi isso que aconteceu. Em 2006, pelo terceiro ano seguido, houve queda na dívida conjunta de governo federal, estados, municípios e estatais, quando se faz o cálculo pelo tamanho dela nas riquezas nacionais.
Em dezembro de 2002, a dívida estava em 55% das riquezas produzidas naquele ano. Em 2006, terminou em R$ 1 trilhão, o equivalente a metade das riquezas que o BC estima que foram geradas. É o nível mais baixo desde 2000. “Levou tempo, mas superamos todo um período de crises”, disse o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, referindo-se a situações observadas entre 2001 e 2003 que encareceram a dívida.
As projeções do Ministério da Fazenda constantes do PAC mostram que a dívida continuará caindo, mesmo com superávit primário menor. Para este ano, prevê que comerá 48% das riquezas. O índice poderia ser mais baixo, caso o governo mantivesse o superávit anterior ao PAC. Mas tomou a decisão política de sacrificar o “mercado”, pagando menos juros, para tentar incentivar a economia.
“O PPI é um tipo de despesa que claramente tem impacto positivo sobre o Produto [Interno Bruto, PIB]. Neste momento, é mais eficiente realizar estes investimentos do que realizar uma redução mais acelerada da relação dívida/PIB”, afirmou Tarcísio Godoy, secretário do Tesouro Nacional, repartição da Fazenda que administra o caixa federal.
Com a ampliação dos investimentos, o governo espera animar convencer os empresários de que o País vai crescer mais, aumentando a oportunidade de lucro para quem investir desde já. Depois do anúncio do PAC, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) começou a fazer uma pesquisa com filiados para sentir a reação. O resultado será divulgado em breve.
O economista-chefe da CNI, Flávio Castelo Branco, arrisca um palpite sobre o humor do empresariado. “O PAC tem um aumento substancial do investimento público, comparado com o nível anterior, e isso é importante”, diz Castelo Branco. “Mas, em todo o mundo, o que puxa o crescimento é o investimento privado, e o ambiente para isso não é favorável no Brasil, nem o PAC ataca isso.”
O empresariado preferia que o governo aumentasse os investimentos cortando despesas com programas sociais, em vez de tirar dos juros. Ou que tentasse estimular o investimento privado cortando gastos e, portanto, impostos. Mas, no dia do lançamento do PAC, Guido Mantega deixou claro: o programa não foi construído em cima de corte de gastos, por opção política do governo.
Fonte: Agência Carta Maior (André Barrocal)