Juiz cancela audiência por causa de chinelo

Um simples par de chinelos de dedo, costumeiramente usados por tantos brasileiros, abriu uma ampla polêmica no Judiciário do município de Cascavel (PR), situado a 500 quilômetros de Curitiba. No dia 13, o juiz da 3ª Vara do Trabalho, Bento Luiz de Azambuja Moreira, cancelou uma audiência de instauração de dissídio, apenas por ter constatado que as sandálias de dedo vestiam os pés de uma das partes, o trabalhador rural Joanir Pereira. O calçado, segundo argumento relatado pelo próprio juiz no termo da audiência, “é incompatível com a dignidade do Poder Judiciário”.

Apelos do advogado do trabalhador, Olímpio Marcelo Picoli, não obtiveram nenhum sucesso. “Tentei argumentar que meu cliente é pessoa humilde, analfabeta, desempregada, mas isso não foi suficiente para demover a idéia do juiz”, afirmou o advogado, que teve de se contentar com o agendamento de uma nova audiência para o dia 14 de agosto e promete entrar com uma ação indenizatória contra o juiz.”Faltou um pouco de sensibilidade, porque ele foi com a melhor roupa que tinha”, completou o advogado.

Segundo Picoli, Pereira anda habitualmente vestindo os chinelos, por ser trabalhador rural. Para o advogado, a atitude do juiz significou um desrespeito à Constituição, já que é assegurado acesso de todos os cidadãos brasileiros ao Poder Judiciário. “Fundamentalmente, somos iguais na origem e no destino”, argumentou.

Ao justificar o ocorrido, o juiz Disse que a decisão resulta de “um acordo prévio” que teria sido firmado em março, com o presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Cascavel, Luciano Braga Cortes, e o presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas do município, Luiz Augusto Broetto. A decisão valeria também para os usuários de camisetas regata e bermudas. “Fizemos uma reunião e foi acertado em consenso.”

O presidente da OAB não apenas nega a versão como alega que a entidade “não faz acordo que viole prerrogativas constitucionais e direitos fundamentais”. A reunião, explica Cortes, só ocorreu por causa de quatro reclamações por exigências do juiz em relação a trajes. “Ele disse que queria criar um clima de respeito em relação ao Judiciário”, afirmou. Mas, segundo Cortes, até o caso denunciado por Picoli, nenhum outro chegou ao conhecimento da OAB.

Moreira também acusou Picoli de “explorar politicamente o fato”, já que o advogado do trabalhador foi vereador no município vizinho de Santa Tereza do Oeste, pelo PFL (hoje DEM). Ao negar que deva se explicar, disse que, em audiências, um juiz tem “poder de polícia”.

RESPOSTA

Entidades ligadas ao Judiciário repudiaram o caso. O Tribunal Regional do Trabalho prometeu cobrar explicações na Corregedoria Regional. E o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Cláudio Montesso, disse que “não se pode considerar que a roupa do trabalhador, muitas vezes a única que possui, atenta contra a dignidade da Justiça”.

Para o presidente da OAB-PR, Alberto de Paula Machado, “um fato como esse deve entrar para os registros das aberrações jurídicas”.