A Greve do Judiciário de 2010 evidenciou duas correntes dentro da Justiça brasileira. Uma delas se propõe construir um Direito de Greve dos servidores públicos. A outra insiste em negá-lo. Entre os primeiros, podemos apontar em Santa Catarina o Diretor do Foro da Justiça Federal e o Presidente do TRE, que apostaram na conciliação para reposição do trabalho no pós-Greve, e a Juíza Lilia Abreu, do TRT, que concedeu liminar limitando o desconto dos dias parados dos grevistas do TRT.
No âmbito do TRF4, segue esta linha a Desembargadora Silvia Goraieb, cujas decisões impediram o desconto dos dias parados dos grevistas e, em nível nacional, o Ministro Hamilton Carvalhido, do STJ, pelo mesmo entendimento. Todos estes interpretaram o novíssimo ordenamento jurídico sobre o assunto no sentido de privilegiar soluções negociadas e barrar atos repressivos ao exercício do direito, como o corte administrativo e unilateral de salários dos grevistas.
De outro lado temos, em Santa Catarina, o Presidente do TRT, Gilmar Cavalieri, que impôs unilateralmente o corte de salários para quem não aceitou compensar cada hora não trabalhada na Greve, assim como o Presidente do TST e o do TRF4 pelo mesmo motivo. No STJ, alinha-se na mesma corrente o Ministro Castro Meira, cujas liminares, a pedido da AGU, pretenderam transformar o Direito de Greve em letra morta ao determinar que 80% dos servidores da Justiça Eleitoral e 60% dos servidores das Justiças Federal e do Trabalho estão impedidos de exercê-lo. Já o Presidente do TSE, Ministro Ricardo Lewandowski, posiciona-se contra o corte de salários e diz que a reposição tanto pode ser do trabalho como de horas.
As decisões de caráter repressivo impostas a quem se preocupou em cumprir rigorosamente o disposto na Lei de Greve, como os servidores da Justiça do Trabalho catarinense, colocam em cheque a efetividade da norma jurídica. Se quem faz Greve dentro dos limites da lei e quem a faz sem sua observância sofre a mesma conseqüência (o corte dos salários), qual a vantagem de se cumprir a lei?
Até agora nenhuma ação sobre o assunto foi julgada definitivamente e o que se decidir sobre a Greve do Judiciário vai servir de jurisprudência para todas as Greves de servidores públicos do país, nas três esferas de poder, até que o Congresso Nacional aprove legislação sobre o tema. O mesmo Congresso acabou de ratificar a Convenção 151 da OIT, que garante o Direito de Greve e a negociação coletiva no setor público, e qualquer legislação deverá seguir seus princípios, bastante democráticos.
A Constituição de 1988 foi resultado de uma dura luta de resistência contra a ditadura militar, com muito sangue derramado, e o Direito de Greve nela expresso foi fruto de inúmeras Greves que contrariaram as leis de exceção.
Enquanto o Legislativo não se pronunciar, caberá aos juízes abrir o caminho na construção do Direito de Greve dos servidores públicos. Ao fazê-lo, estarão também ajudando a construir a Democracia. Ou não. Uma responsabilidade com a História se coloca sobre os ombros da magistratura. É preciso pensar grande para avançar. O Brasil não merece um retrocesso.