JT condena patrões, mas impõe a seus servidores a mesma condição

A presença de grande número de servidores dos três prédios em que se divide a Justiça do Trabalho em Florianópolis e o interesse em questões objetivas demonstrado nos debates evidenciou a preocupação da categoria com a deterioração das condições de trabalho e o consequente quadro de adoecimento dos servidores.
Na quarta passada o médico e perito do INSS Roberto Ruiz relatou o quadro atual das doenças relacionadas ao trabalho que acometem a maioria dos trabalhadores a partir dos casos de afastamentos e concessão de benefícios que chegam ao órgão, incluindo perícias de servidores. Nós, da Justiça do Trabalho, conhecemos bem esta situação, a partir dos processos que nos chegam e também por grande quantidade de palestras, cursos e seminários organizados pelo tribunal através da Escola Judicial ou do Setor de Treinamento. A própria Justiça do Trabalho, através de programas nacionais de combate ao trabalho infantil e aos acidentes de trabalho – incluídas as doenças ocupacionais – tem trazido a juízes e servidores a consciência da necessidade de envolvimento da instituição na erradicação dessas chagas seculares que ressurgem com força no mundo pós-moderno do trabalho. 
Contraditoriamente, a estes esforços em prol do restante da sociedade, as administrações da Justiça do Trabalho vêm impondo a seus próprios servidores tudo aquilo que mandam combater no setor privado. É como uma dupla identidade: de dia super-herói e de noite super-vilão.
Gestão acrítica torna administração corresponsável
Os métodos de gestão aplicados no Judiciário são os mesmos utilizados no setor privado, cujo objetivo é aumentar a produtividade e diminuir custos. A primeira vista, parece lógico e o caminho certo para a eficiência do setor público através do melhor aproveitamento das horas de trabalho e da racionalização dos recursos materiais. Mas na prática o que se vê não é nem um nem outro. Há limites para a força de trabalho humana e quando esses limites são reiteradamente transpostos, o resultado é a deterioração da saúde, afastamentos por doenças ligadas ao trabalho como toda sorte de distúrbios osteomusculares, depressão e “burnout” (desistência de lutar), no extremo. Quanto mais servidores afastados por doença, maior a carga de trabalho dos que ficam, o que antecipará seu adoecimento.
Todo esse processo é por demais conhecido e objeto de condenação em centenas de ações trabalhistas por dano moral. O bizarro em tudo isto é que os mesmos juízes que corretamente condenam empresas em suas sentenças fecham os olhos para a realidade de seus assessores e assistentes. Por seu lado, a administração de recursos humanos no TRT, ao contrário do que deveria fazer, cuida de esconder esta realidade. Há mais de cinco anos, o representante dos servidores no Comitê de Planejamento Estratégico do tribunal propôs incluir nos planos de metas ações de prevenção da saúde para enfrentar as novas condições de trabalho relativas ao processo eletrônico. Na época, a então Diretora de Recursos Humanos, Fernanda Gomes Ferreira, e o Diretor do Serviço de Assistência ao Servidor (Saser), Jacson Pereira, foram contrários alegando que seria necessário um levantamento científico para saber se efetivamente o processo eletrônico traria prejuízos. O Sindicato foi voto vencido, como sempre quando se trata de saúde dos servidores, e o comitê aprovou apenas a realização, no prazo de um ano, do tal levantamento. 
É importante ressaltar que os representantes da categoria foram os únicos votos vencidos, o que faz recair a responsabilidade pelo descaso a todos os membros da administração, incluindo da presidência ao menos graduado diretor e também o representante da Amatra.  Até hoje nada foi feito de sério ou científico neste sentido e a administração continua a negar (por falta de evidências que nada faz para apurar), que exista relação entre a introdução do processo eletrônico e a evidente deterioração da saúde dos servidores.
 
Redução de custos só nos salários
Em relação à redução de custos, as políticas de gestão têm resultado apenas em redução do número de servidores lotados em cada unidade da atividade fim sob a alegação de que a informatização permite o aumento de produtividade com menos servidores. Ao mesmo tempo, os orçamentos da área de informática, onde se incluem milhões para empresas privadas de consultoria, aumentam sem cessar, anulando qualquer possibilidade de redução global. Dessa forma, o que se economiza com o enxugamento do quadro de servidores e juízes, se gasta na privatização milionária e sem critérios de serviços de informática. No TRT a lista mais longa de contratos se refere a esta área e os valores, em geral, são os mais altos. Os dados podem ser conferidos no item “transparência” na página do TRT, onde aparecem os valores dos contratos e, com tempo e disposição para garimpar, pode-se acessar a íntegra dos mesmos.
Em resumo, a partir da gestão de Gilmar Mendes no STF-CNJ, passou-se a implementar o modelo neoliberal de gestão no Judiciário e o mesmo vem sendo rigorosamente seguido por todos os tribunais sem qualquer crítica, o que torna todas as administrações avalistas do modelo e corresponsáveis pelas suas consequências.
O resultado dessas políticas é a dificuldade cada vez maior em aprovar projetos que ampliem quadros de servidores e, quando acontecem, a prioridade é a área de informática. Além disso, normas estabelecidas pelos conselhos têm reduzido cada vez mais a chamada “lotação ideal” por unidade judiciária. O número de juízes também não aumenta, mas os efeitos disso acabam recaindo sobre os servidores. Aumentam as metas quantitativas de processos por juiz ou desembargador e aumenta a carga de trabalho dos servidores que fazem as “minutas” de sentenças ou acórdãos. Todos sabem que as tais “minutas”, na verdade, representam o trabalho do juiz que é repassado aos servidores. 
Quem faz a minuta tem que ler todo o processo, as razões das partes, atas de audiência e escrever uma sentença ou voto de acordo com as posições do juiz em cada caso. Ao juiz resta conferir rapidamente e assinar, para ficar bem com as estatísticas e prazos que lhe são impostos rigorosamente pelas corregedorias. E quem se ferra são os servidores. De acordo com numerosos relatos, é comum servidores que trabalham diretamente com juízes cumprirem jornadas de 10 a 12 horas ou mais, sem receberem nenhuma hora extra. Em plena Justiça do Trabalho! Fazem isso coagidos pela ameaça velada de perda da FC. Afinal, quem não produz, tem que ser substituído. 
Esta situação tem levado os servidores a protagonizarem um novo fenômeno contrário ao absenteísmo (falta ao trabalho). Segundo o perito Roberto Ruiz, são cada vez mais frequentes os casos de “presenteísmo”, ou seja, o trabalhador ou servidor que vai trabalhar mesmo doente e sob efeito de remédios paliativos como analgésicos e antidepressivos, pois trabalhar doente e sentindo-se pressionado leva quase sempre à depressão. A maioria dos servidores tem na FC muitas vezes algo como 30% da sua remuneração e ninguém pode correr o risco de perder parte tão significativa do salário. Mas até hoje, passados quase 6 anos, a Secretaria de Recursos Humanos do TRT nada fez para apurar cientificamente esta realidade e tentar mudá-la. As sucessivas administrações se fazem de desentendidas pois os juízes precisam cumprir as metas e prazos e aplicam aos seus servidores tudo o que condenam nos processos trabalhistas que julgam. A omissão gera culpa. Pelo menos é o que dizem as decisões sobre danos morais proferidas por esses mesmos juízes.
O que tratamos até aqui é uma pequena amostra das razões que levaram ao debate de quarta-feira um número bem maior de servidores do que os que têm participado das mobilizações.
Além do descaso intencional com as condições de saúde dos servidores, inúmeras medidas administrativas têm contribuído para sugar ainda mais a força de trabalho dos servidores. Sobre isso, faremos um bom debate na segunda-feira, às 16 horas, na rampa do TRT. Se você se sentiu representado pelo que dissemos até aqui, faça um favor a si mesmo. Pare de trabalhar por um pequeno período e compareça a este debate. A primeira coisa para mudar uma realidade é tomarmos consciência coletiva de que ela nos faz mal.