Por Caê Batista
Tramita na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara o Projeto de Lei 4330/04. Chamado de “PL da terceirização”, o projeto permitirá que todas as atividades nas industriais e nos setores de serviços no país sejam terceirizados.
De autoria do deputado Sandro Mabel (PMDB/GO), que compõe a base de apoio parlamentar da presidenta Dilma Rousseff (PT), a proposta tramita em caráter terminativo na Câmara. Assim, se aprovada na CCJ, segue direto para o Senado e depois para a sanção presidencial.
“(Caso transformado em lei) a terceirização passa a atingir o coração das próprias empresas, então tende a chegar àquele tipo de situação em que a empresa que coloca a marca não terá nenhum empregado contratado”, explica o professor do departamento de sociologia da Universidade de São Paulo (USP) Ruy Braga.
Em entrevista ao Jornal do Judiciário, Ruy Braga explica que o impacto da aprovação do PL pode ser “devastador” para o serviço público. “Se você abre a possibilidade terceirizar as atividades fim isso significa […] que serviços públicos passam a ser passíveis de terceirização, que podem ser adaptados a essa nova realidade”, diz.
Leia a íntegra da entrevista.
O que o PL 4330/2004 representará aos trabalhadores brasileiros caso seja aprovado?
Basicamente a implantação de um modelo de organização e controle do trabalho, a chamada flexibilidade total, porque até o momento a legislação brasileira impede que atividades fim sejam terceirizadas. E a partir do momento que essas atividades possam ser terceirizadas, você muda o patamar padrão da exploração da força de trabalho. Porque a terceirização passa a atingir o coração das próprias empresas, então tende a chegar àquele tipo de situação em que a empresa que coloca a marca não terá nenhum empregado contratado.
Isso abre uma franja muito grande para todo tipo de exploração e de compreensão salarial dos trabalhadores.
Você diria, então, que o PL acaba consolidando uma prática já bastante avançada de relações de trabalho no Brasil?
Sem dúvida. A taxa de terceirização e a taxa de flexibilização do trabalho no Brasil crescem nos últimos dez anos, ano após ano. E evidentemente que esse crescimento, até o momento, é um crescimento quantitativo importante, no entanto, ele não foi capaz de dar um salto de qualidade. A legislação impede a terceirização da atividade fim, com esse projeto de lei, se for aprovado, aí sim você muda a qualidade da relação trabalhista.
Você disse que o crescimento da terceirização aumentou nos últimos dez anos, que foram os anos de governo do Partido dos Trabalhadores…
Sim, sem dúvida. É claro que é um modelo que é herdado da década de 1990, que é década da reestruturação produtiva e do ajuste estrutural da economia brasileira aos mercados financeirizados, à economia globalizada, ao aumento da competição em alguns setores. Mas, sem dúvida nenhuma, que esse modelo consolida-se e acaba se aprofundando nos governo do PT.
Uma das principais propagandas do governo do PT é a geração de empregos com carteira assinada. Qual é a relação entre essa propaganda do governo e a precarização do trabalho com o crescimento da terceirização?
O processo da precarização do trabalho é bifront, ou seja, ele tem duas grandes dimensões. A primeira delas é a contratual. E de fato você não tem um aprofundamento radical da precarização contratual durante os últimos dez anos. Vamos dizer assim, o aumento da contratação formal é positivo, pelo fato de que coloca os trabalhadores dentro do guarda-chuva da previdência, de um mínimo de proteção social. E de fato você teve um aumento da formalização do trabalho nesse último período.
No entanto, a precarização no trabalho ela não é apenas contratual, ou seja, apenas na questão do acesso a um determinado conjunto de direitos, em especial aos direitos sociais e trabalhistas. Você tem a dimensão propriamente real, ou seja, as condições de trabalho. E nesse quesito, as condições de trabalho no Brasil nos últimos dez anos se deterioraram.
Você teve um aumento no número de acidentes do trabalho, você teve aumento no número de adoecimentos do trabalho, você teve aumento na taxa de terceirização, você teve aumento na taxa de flexibilidade no trabalho, quer seja a flexibilidade da jornada de trabalho quer seja a flexibilidade funcional. Você, fundamentalmente, teve um impressionante aumento da taxa de rotatividade no trabalho.
O que significa que as empresas estão utilizando largamente desse modelo de flexibilidade de contratar e de demitir para aumentar as suas taxas de exploração do trabalho. A precarização existe na medida em que paga-se mal e as condições de trabalho estão cada dia mais duras.
Como você vê o impacto desse PL para o serviço público?
O impacto é devastador, porque se você abre a possibilidade terceirizar as atividades fim isso significa que no serviço público, núcleos mais ou menos protegidos e importantes de trabalhadores, atividades, serviços passam a ser passíveis de terceirização.
O que significa que basta esperar que os trabalhadores mais velhos se aposentem, aí você começa a terceirizar atividades fim de todo o serviço público. Um exemplo mais ou menos banal é o dos professores. Hoje, você não pode terceirizar o professor pelo simples motivo de que se trata de uma atividade fim no sistema de educação.
Mas a partir da aprovação do PL será possível adaptar a contratação a essa nova realidade. Você pode, inclusive, formar cooperativas de professores para prestar serviços para o Estado. Isso seria um desastre do ponto de vista da carreira e da qualidade.
Em seus artigos e em sua obra mais recente – A política do precariado – você aponta um futuro que está em aberto. Recentemente tivemos as manifestações de rua. O que o futuro pode nos reservar na medida em que as condições econômicas vêm se “precarizando”?
O que eu consigo identificar no curto e médio prazo é uma retomada de mobilizações quer seja desses tais movimentos precarizados – que entraram nos últimos dez anos no mercado de trabalho, que agora efetivamente estão tirando as conclusões das experiências com as empresas e com o Estado, e isso favorece a um processo de mobilização dos setores mais precarizados -, quanto também de setores tradicionais da classe trabalhadora brasileira, sindicalizada, porque eles também estão percebendo que as condições estão ficando cada vez mais duras. E os discretos ganhos salariais obtidos no último período não compensam esse aumento da taxa de exploração.
Isso significa que, basicamente, eles acabam se mobilizando, num ritmo diferente dos setores mais precarizados, mas de qualquer maneira, num ritmo consistente. Basta você ver o número de horas paradas de 2008 para 2012, todo ano sobe. De 2011 para 2012, o crescimento foi na ordem de 70%. Então, eu acredito que o futuro imediato e de médio prazo nos prepara um cenário de intensificação do ritmo de mobilização popular e também trabalhista.