Há 20 anos, Argentina retornava à democracia

Por Marcela Cornelli

Leia abaixo reportagem do Portal Vermelho:

No dia 10 de dezembro de 1983 assumia a presidência o social-democrata Raúl Alfonsín, em meio a alegria dos argentinos com o retorno da democracia. A ditadura, de sete anos, deixou 13 mil desaparecidos e multiplicou várias vezes a dívida externa do país.

O número de desaparecidos representa 4 mil a mais do que os números conhecidos até agora. O anúncio foi feito ontem em Genebra pelo subsecretário dos Direitos Humanos do governo argentino, Rodolfo Mattarollo, que comunicou o novo levantamento ao alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Bertrand Ramcharan. “Este novo cálculo integra estatísticas e depoimentos procedentes da Conadep, a comissão investigadora criada no fim da ditadura, mas também inclui informações de ONGs e dos processos realizados no país, aos quais se somam dados obtidos por nosso Secretariado de Direitos Humanos”, explicou Mattarollo.
“Sob o mandato do presidente argentino Néstor Kirchner, nosso secretariado aprofundou as investigações, principalmente no interior do país, e estamos recebendo novas denúncias de desaparecimentos provenientes de famílias de vítimas da ditadura. Por isso, estamos percorrendo as províncias e elaborando uma base de dados”, informou Mattarollo.

Até o momento, a Conadep registrou 8.234 desaparecimentos, aos quais se somam agora outros casos verificados pelo Secretariado de Direitos Humanos do governo. Assim, o número de pessoas desaparecidas durante a ditadura militar aumentou para 12.986. Os depoimentos de cerca de 1,6 mil sobreviventes dos campos de concentração instalados pelo regime militar argentino foram cruciais para a revelação destes novos casos. “Estamos nos aproximando das estimações antecipadas pelos organismos de direitos humanos da Argentina, que calcularam que 30 mil pessoas desapareceram no país”, declarou Mattarollo.

Famoso advogado de prisioneiros políticos na Argentina nos anos 70, Mattarollo cumpriu missões da ONU no Haiti e na Serra Leoa, antes de ser designado por Kirchner subsecretário dos Direitos Humanos.

A esperança

Em 1983, milhares de pessoas foram, nesse dia, aclamar o novo presidente constitucional. Os peronistas perderam as eleições por não terem dado uma resposta à exigência democrática dos argentinos, depois de um difícil processo ditatorial.

Aos 56 anos, Alfonsín chegou ao governo com uma histórica vitória nas eleições de 30 de outubro de 1983, nas quais a União Cívica Radical se impôs por 52% contra 40% dos votos dados ao peronismo. Mas as esperanças foram se frustrando, na medida em que aprofundava uma crise que afetou a economia já deteriorada pela ditadura. Até que, em 2002 precipitou-se a pior crise econômica do país em um século, depois que o fugaz governo do peronista Adolfo Rodríguez Saá declarava, no final de 2001, a maior moratória da dívida da história. A ditadura havia recebido em 1976 uma Argentina com uma dívida externa de US$ 7 bilhões, mas em sete anos a aumentou 364%, entregando um país endividado: US$ 45,1 bilhões.

O governo Alfonsín aumentou a dívida ainda mais, em 44%, enquanto que ao final do governo neoliberal do ex-presidente Carlos Menem, em dezembro de 1999, o débito estava em US$ 146 bilhões — um aumento de 123% numa década. Em meio a essa situação, viria o repudiado indulto aos chefes militares da ditadura, concedido por Menem em 1990.

O clima mudou com a posse do presidente Néstor Kirchner, que estimulou a anulação das chamadas “leis da impunidade” no Parlamento, concedendo aos direitos humanos um lugar prioritário em sua administração. No entanto, apesar de questões pendentes, como a pobreza, o desemprego, a corrupção e a insegurança, 79% dos argentinos dão “muito valor à democracia”, segundo um recente trabalho elaborado pelo Centro de Estudos da Opinião Pública.

Aperfeiçoamento

A maioria dos argentinos apóia a democracia, mas reivindica uma melhoria do sistema, segundo pesquisa de uma empresa de consultoria privada divulgada ontem. Ao todo, 37% da população preferem o regime democrático como ele está atualmente, mas 47,5% pedem um melhor do que o atual e 10,3% apóiam um governo sem Congresso nem partidos políticos.

Os dados foram divulgados pela empresa de consultoria Ricardo Rouvier y Asociados, que realizou 610 entrevistas por telefone entre os dias 24 e 28 de novembro, com uma margem de erro de mais ou menos 3,9 pontos. A pesquisa constata um maior apoio ao sistema democrático como ele está em relação a como estava em 2002, quando o país atravessava o pior momento de uma crise econômica, social e política sem precedentes. “Pode-se observar que a maioria das opiniões se inclina pela melhoria do atual regime democrático, expressando a insatisfação com a aplicação atual do sistema”, afirmou a empresa de consultoria.

A pesquisa também mostra que 87% dos entrevistados acreditam que o presidente do país, Néstor Kirchner, terminará seu mandato dentro de quatro anos, enquanto apenas 6,1% consideram que ele não o completará. Kirchner assumiu a Presidência no dia 25 de maio deste ano para cumprir o mandato não completado por Fernando de la Rúa, que renunciou em meio a uma violenta explosão social e a uma grande crise econômica no final de 2001. O mandato de quatro anos de Kirchner começa nesta quarta-feira, quando se completa o período para o qual De la Rúa foi eleito em 1999.

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