Após a solenidade de abertura do Ano Judiciário 2010, na manhã desta segunda-feira (1º), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, concedeu entrevista coletiva aos jornalistas. Entre os temas abordados, destacam-se o processo eletrônico, que acaba com a utilização do papel no trâmite de seis classes processuais , o combate à morosidade, a atuação do Conselho Nacional de Justiça quanto a este tema (Meta 2) e o III Encontro Nacional do Judiciário.
Ainda durante a conversa com os jornalistas, Mendes citou alguns julgamentos importantes previstos para a análise da Corte durante este ano, a exemplo da Lei da Anistia. Leia abaixo a íntegra da entrevista.
Repórter – A intenção é digitalizar todos os processos?
Gilmar Mendes – Não, fundamentalmente não. Nós estamos apostando no processo eletrônico puro e simples. Logo, são processos que já começam aqui no Supremo Tribunal Federal: ADI, ADC e ADPF, ADO, Reclamação e PSV. Logo, esses processos serão puramente eletrônicos, eles não serão digitalizados. As pessoas, de onde estiverem, mandarão a petição para cá e ela será processada na forma devida. Em março, nós queremos avançar em relação ao recurso extraordinário e, talvez, em relação ao habeas corpus. Mas isso já envolve uma maior dificuldade. Então, temos que ter as cautelas porque em muitos casos isso envolve a atuação dos tribunais. Quanto à digitalização dos processos, propriamente, estamos digitalizando os processos criminais, exatamente com o objetivo de dar-lhes um ritmo adequado. Agora, os processos, em geral, em papel, que aqui estão, morrerão de morte morrida. Eles vão acabar naturalmente e irão depois para o arquivo, salvo os processos criminais porque aqui nós queremos facilitar a vista, dar uma dinâmica própria aos processos e inquéritos criminais. Então nós estamos concentrando a digitalização nesses processos. Mas isso será um encaminhamento natural, já estamos, portanto, com esses seis processos originários totalmente eletrônicos e que só serão recebidos nessa forma.
Repórter – E essa digitalização agiliza os processos e gera economia para os cofres públicos?
Gilmar Mendes – Certamente isso dá uma outra dinâmica e muda a própria concepção do processo. Nós não estamos falando de digitalização, estamos falando de virtualização. O processo realmente eletrônico, o processo virtual. Não se trata de copiar papel, em princípio, mas de tratá-lo eletronicamente em toda a sua dimensão. No máximo, se pode digitalizar uma petição inicial. Depois o despacho já será feito no próprio processo. Portanto, em princípio, desaparece a base papel. Então é essa a nossa aposta.
Repórter – Quem não tem internet, como vai protocolar?
Gilmar Mendes – Ele poderá protocolar aqui e terá toda assessoria, toda assistência para fazê-lo. No caso desses processos que são protocolados diretamente aqui. Para aqueles que dependem de outros documentos, aí nós estamos realmente discutindo especialmente a grande sobrecarga que recai sobre o Tribunal, que vem dos recursos extraordinários e de agravo de instrumento, porque isso exige uma interlocução e nós já estamos fazendo. O primeiro processo que veio também em caráter eletrônico, que é o recurso extraordinário e o agravo de instrumento, para subir o recurso extraordinário. Aqui não dá para tomar uma medida radical, porque isso depende do estágio em que está cada tribunal nessa matéria
Repórter – Quando deve ser votada a questão da Lei da Anistia?
Ministro Gilmar Mendes – Nós vamos ouvir o ministro Eros Grau (relator da ADPF 153) que acaba de retornar, para que a gente, se possível, vote ainda nesse semestre essa matéria.
Repórter – O senhor acha que o Supremo começa o ano com o ritmo para encarar processos polêmicos como esse da anistia?
Gilmar Mendes – Nenhuma dificuldade em relação a isso. Nós estamos dando continuidade à pauta do ano passado e certamente, na medida em que os relatores colocam à disposição da Presidência esses processos importantes, a questão de anencéfalos, a questão da união homossexual, e tantos outros, nós vamos organizando a pauta com esse objetivo.
Repórter – O ano eleitoral não atrapalha, presidente?
Gilmar Mendes – Não, não. Pode surgir um ou outro conflito que demande uma liminar ou um pronunciamento. Se houver essa necessidade, o Tribunal vai se pronunciar, como tem feito em outros casos. Mas não há nenhum prejuízo decorrente do ano eleitoral.
Repórter – O senhor vai ouvir o ministro Eros Grau já pra agendar a data?
Gilmar Mendes – Isso depende sempre do relator. É uma matéria importante e, certamente, tão logo ele tenha condições vai pedir pauta e nós vamos priorizar essa matéria.
Repórter – O caso do governador José Roberto Arruda também é prioridade nesse início de semestre?
Gilmar Mendes – Isso também está afeto ao relator que, imagino, deve ter pedido informações e pediu já o parecer da Procuradoria e, certamente, havendo a colocação à disposição da Presidência irá a plenário também com rapidez. É o caso referente à norma do Distrito Federal que exige a licença para que haja processo contra o governador.
Repórter – Presidente, uma das maiores críticas ao Judiciário como um todo é em relação à lentidão dos processos, a morosidade, o que está sendo feito para mudar essa realidade?
Gilmar Mendes – Muita coisa está sendo feita. O processo eletrônico é uma delas. Esse acompanhamento que o CNJ vem fazendo em relação ao Judiciário como um todo. A Meta 2: tentar julgar todos os processos que entraram até 31 de dezembro de 2005, o que já resultou no julgamento de mais de dois milhões e 500 mil processos. Veja, nós vencemos essa enorme, uma tarefa difícil, uma tarefa hercúlea, porque eram processos que estavam quase que escondidos, historicamente amontoados aí, nas estantes do Poder Judiciário. E estamos melhorando o aparato judicial, permitindo que as pessoas acompanhem o seu processo. Tornando isso tudo transparente, eu acho que estamos avançando.
Repórter – Ministro, e sobre a questão do nepotismo?
Gilmar Mendes – Creio que o Judiciário é o Poder líder na disciplina dessa matéria, a partir da resolução do CNJ, depois declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. E vem havendo um acompanhamento, houve vários enunciados editados pelo CNJ, com o objetivo de esclarecer aquelas situações, aquela zona cinzenta, aquela zona grisea. De quando em vez surge reclamação aqui ou acolá, mas, ao invés de a gente dizer o copo está meio vazio, vamos dizer, o copo está meio cheio. O Judiciário está se corrigindo e há essas zonas cinzentas que estão sendo esclarecidas.
Repórter – Sobre os debates no plenário, os bate-bocas, o senhor espera que 2010 seja mais tranquilo?
Gilmar Mendes – Eu acho que sim. Todos nós aprendemos com todos os episódios. Também não posso já lhes garantir, desde logo, que não haverá debate, fricção, escaramuça. Mas isso faz parte da vitalidade da Corte.
Repórter – O presidente o Lula comentou da saúde dele?
Gilmar Mendes – Ele disse que está bem, que foi só uma manifestação mesmo de stress e isso acontece. Ele está bem, está bem-humorado, como os senhores viram, e sempre atencioso para com o Judiciário. Eu tenho a oportunidade de agradecer a colaboração manifesta, inequívoca, que o presidente deu às múltiplas iniciativas do Judiciário, inclusive ao pacto republicano.
Repórter – Ministro, com relação ao encontro nacional do Judiciário (III Encontro Nacional do Judiciário), temos dez novas metas de nivelamento?
Gilmar Mendes – Nós estamos discutindo isso. Está havendo um workshop agora, no dia 4 [de fevereiro], e que vai discutir metas, avaliação das metas realizadas. Isso vai ser discutido com os presidentes dos tribunais, muitos já são novos presidentes. E vamos debater isso, finalmente, no dia 26 de fevereiro, em princípio, em São Paulo.
Repórter – E a Meta 2?
Gilmar Mendes – A Meta 2 vai ser totalmente avaliada. Está havendo agora a consolidação dos dados lá no dia 26 [de fevereiro]. Para que os senhores tenham um fato marcante, nós vamos revelá-la integralmente. O que foi feito, o que não foi feito, o que depende do Judiciário, o que depende de outras estruturas que estão sendo reveladas. O nosso diagnóstico prévio, inicial, resultado já da análise dos dados que estão chegando, mostra que há problemas que são debitados na conta do Judiciário, mas que dependem de uma estrutura adicional. Por exemplo, problema de perícia. O Judiciário não deliberou porque falta perícia e, aí, exatamente em relação a autores pobres, o Estado não consegue responder a essa demanda. Às vezes, um simples exame de DNA não é atendido e aí vem a demora e o processo vai para uma estante e ninguém mais o olha. Daí a causa da demora. Então, nós vamos discutir isso para encontramos meios e modos de superarmos esses problemas
Repórter – Pode ter uma meta já para os processos de 2006?
Gilmar Mendes – Sem dúvida nenhuma, e, sobretudo, nós estamos hoje com o controle de todos os tribunais. Nós sabemos inclusive onde está o gargalho num dado tribunal, quem eventualmente é responsável pelo atraso num tribunal ou os setores que estão, eventualmente, emperrando o funcionamento da máquina judiciária. Então isso vai permitir que os próprios tribunais façam a autocorreção.
Repórter – E essas matérias mais polêmicas, vão ficar para o primeiro semestre?
Gilmar Mendes – Isso depende sempre do relator colocar à disposição. Como esse tema, por exemplo, da lei da anistia, já está posto, depende do ministro Eros Grau colocar à nossa disposição para que a gente, então, escolha a data adequada para julgamento
Fonte: Supremo Tribunal Federal