Finalmente. Fahrenheit 11/9 estréia hoje nos cinemas brasileiros depois de ter criado muito alvoroço pelo mundo afora. Já conquistou o primeiro lugar na lista dos documentários mais assistidos da história dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. Nas suas quatro primeiras semanas de exibição nos EUA, arrecadou 94 milhões de dólares. Também ganhou o Palma de Ouro deste ano, depois de ter sido ovacionado de pé por 15 minutos. E recentemente teve muitas de suas denúncias respaldadas pelo relatório da Comissão que investigou os atentados de 11 de setembro.
Sim, parte dos lucros vai para o bolso do polêmico e provocador Michael Moore. Mas o que realmente importa, tanto para o povo norte-americano como para o mundo, são suas conseqüências nas eleições presidenciais para a Casa Branca, que acontecerão em novembro próximo. E Moore não deixa dúvidas de que este é o seu principal objetivo.
O filme já começa apontando o caminho que seguirá, com imagens dos membros do grande escalão do governo sendo maquiados e preparados para gravar alguma declaração para a televisão. Lembra alguma coisa? Claro, as imagens de George W. Bush sendo penteado para entrar no ar ao vivo em cadeia nacional para declarar guerra ao Iraque. Esta foi ou não foi a guerra da imagem?
Na primeira parte, Moore retoma o tema da controversa legitimidade das eleições passadas, em que o estado da Flórida, governado por Jeb Bush, irmão de George, foi alvo de uma fraude que beneficiou o candidato republicano. Moore é sagaz e resgata diversas imagens e declarações que nós, brasileiros, sequer passamos perto. Por exemplo, você sabia que assim que assumiu a Presidência, mesmo depois de todo o desgaste desses questionamentos, George W. Bush resolveu tirar férias? As imagens são hilárias.
Moore vai mostrando o homem-fantoche que ele acredita que George W. Bush é. E é bastante plausível. Enquanto nós tivemos uma festança popular e histórica no dia de posse do nosso presidente da República Luis Inácio Lula da Silva, Bush recebeu o cargo num mero ato burocrático enquanto a multidão protestava do lado de fora.
Apoio democrata
Fahrenheit 11 de Setembro é um documentário. Isso quer dizer que, aparentemente, não contém cenas fictícias. Mas isso não quer dizer que absolutamente tudo seja verdade. Afinal de contas, desde que o filme estreou nos EUA Moore se tornou o queridinho do momento dos democratas. Na Convenção que aconteceu esta semana, fez discursos nos moldes daquele que lhe deixou famoso na entrega do Oscar em 2003, quando ganhou a estatueta de melhor documentário por Tiros em Columbine (em que denuncia os favorecimentos da indústria armamentista no país e suas conseqüências na cultura norte-americana), acusando Bush de iniciar uma guerra fictícia.
Quando a briga para conseguir a distribuição de Fahrenheit 9/11 começou, em março passado, também contou com o importante apoio democrata. Mario Cuomo, ex-governador de Nova York, se prontificou a ser seu advogado nas apelações.
Se o filme não fosse bombástico e realmente ameaçador para a campanha de George W. Bush à reeleição, o fator distribuição teria sido facilmente resolvido, já que havia interessados. Mel Gibson, dono da Icon Productions, foi o primeiro a sentir a pressão, que estava com Paixão de Cristo pronto para sair do forno. Depois foi a vez da Disney, que chegou a ser ameaçada de boicote de seus produtos e parques temáticos. Segundo o New York Times, até uma redução de impostos na Flórida estaria em jogo.
Quando os irmãos Weinstein compraram os direitos de Fahrenheit 11 de Setembro por U$ 6 milhões, seu valor de custo, e tudo parecia estar resolvido, a Motion Pictures Association of América, associação de cinema da América, anunciou a classificação “R” para o documentário, o que tornou o filme proibido para menores de 17 anos desacompanhados dos pais. Não, não há cena alguma de sexo, de nudez ou de violência. Tanto é que a censura no Brasil é doze anos. O único risco é o de o espectador norte-americano se sentir violentado, principalmente o que votou no candidato republicano.
Fortes emoções
Carregado de apelo emocional, Moore capricha nas cenas que têm mais chance de determinar o voto do eleitor. Uma das mais revoltantes é a dos sete minutos exasperantes em que Bush, após saber dos ataques dos aviões ao World Trade Center (WTC) em 11 de setembro de 2001, não toma nenhuma atitude. Pelo contrário, finge que está tudo bem enquanto está cercado por crianças e uma professora que lêem uma cópia de My Pet Goat (“Minha Cabra de Estimação”) em uma escola primária na Flórida. Enquanto isso, mais de três mil vidas foram tiradas.
O cineasta também conseguiu o apoio da mãe de um soldado norte-americano morto num ataque da resistência iraquiana. Além das cenas que acompanham o sofrimento da família, Moore conseguiu pôr no documentário declarações de voto contrárias a Bush. Pra não ficar parecendo que é só o ponto de vista dos EUA, ele equilibra mostrando cenas fortes da população iraquiana sendo bombardeada, declarações desesperadas de pessoas que tiveram seus parentes, meros civis, mortos violentamente. Algumas já vimos na televisão, mas muitas são inéditas.
Há também declarações dos próprios rapazes das tropas, que aparentam em sua maioria ter 18 anos, em que Moore joga pesado no sentimento de desilusão com a guerra contra o terrorismo de Bush. Outra mina que o cineasta encontrou é um fuzileiro que lhe afirma que se fosse mandado voltar ao Iraque seria preso, mas não voltaria.
A ligação entre as famílias Bush e Bin Laden também tem efeito devastador. O filme sugere que existem laços estreitos entre eles, principalmente através do relacionamento do pai de Bush com o Carlyle Group, empresa privada de investimento. Até recentemente Bush pai foi consultor sênior da afiliada asiática do Carlyle Group. Membros da família Bin Laden, proprietária de uma das maiores construtoras da Arábia Saudita, investiram US$ 2 milhões num fundo do Carlyle Group e desde então, romperam vínculos com o grupo, o qual de qualquer forma tem um rol bipartidário de sócios, incluindo Arthur Levitt, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários de Bill Clinton.
Fato político
Farenheit 11 de Setembro é um documentário excepcional que, inquestionavelmente, foi precedido por meses de investigação. Pra responder a todas as acusações que republicanos e aliados têm divulgado numa tentativa de desmoralizá-lo, Moore disponibilizou em seu site (www.michaelmoore.com/warroom/f911notes) todas suas fontes. “Não gosto de ver este filme sendo reduzido a Bush contra Kerry. As questões envolvidas são maiores do que isso. Quando Clinton era presidente, eu fiquei no pé dele. E se Kerry virar presidente, no dia seguinte estarei de olho nele”, defende-se.
Mas todo esforço só terá sido válido se Bush perder a reeleição. Pra isso, a campanha anti-Bush de Fahrenheit 11 de Setembro deve continuar sua curva crescente de espectadores e distribuição em todo o mundo. Nos EUA, a ONG Move.On – formada por liberais que estão apoiando a campanha do principal opositor de Bush, o democrata John Kerry – convocou 110 mil militantes para ir assistir ao longa na primeira hora.
No Brasil há grandes chances de não ser diferente. A partir de hoje, Fahrenheit 11 de Setembro entra em circuito em nove capitais: Salvador, Recife, Brasília, Goiânia, Belo Horizonte, Curitiba, Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo. Além destas, Niterói e Campinas também estarão exibindo o filme. Ao todo são 50 salas em todo o país. (Fonte: Diário Vermelho)