A Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade será lançada hoje na avenida Paulista e deve contar com a participação de pelo menos 30 mil mulheres de São Paulo, de outros Estados e representantes do Canadá e Burkina Faso (África).
A Carta foi construída coletivamente através de debates e sugestões dos grupos que participam da Marcha em todos os continentes. Apresentada pela primeira em Porto Alegre, durante o Fórum Social Mundial 2005, agora mulheres de todo o Brasil trabalham em suas regiões para construir agendas de mobilização e ações a partir dos valores expressos neste documento (igualdade, liberdade, justiça, paz e solidariedade).
A jornada destas ações começa em São Paulo, percorrerá pelo menos 50 países, e termina em 17 de outubro de 2005, com a chegada da Carta a Burkina Faso, um dos países mais pobres da África. Neste dia ocorrerão atividades em todo o mundo, das 12 às 13 horas, fechando com 24 de solidariedade feminista mundial a viagem da Carta.
Em São Paulo, a passeata terá o seguinte esquema: concentração às 14 horas, no Vão Livre do Masp. Ali serão formadas as alas (solidariedade, igualdade, justiça e paz, liberdade) que representam os valores da Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade. Do Masp, as mulheres sairão em direção à Praça da República para finalizar o Dia Internacional da Mulher com ato político e show da cantora Ceumar no centro da cidade.
Confira abaixo a íntegra da Carta:
Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade
Preâmbulo
Nós, as mulheres, há muito tempo marchamos para denunciar e exigir o fim da opressão que vivemos por sermos mulheres e, para afirmar que a dominação, a exploração, o egoísmo e a busca desenfreada do lucro produzem injustiças, guerras, ocupações, violências e devem acabar.
Das nossas lutas feministas e das lutas de nossas antepassadas de todos os continentes, nasceram novos espaços de liberdade para nós, para nossas filhas e filhos para todas as crianças que, depois de nós, caminharão sobre a terra.
Estamos construindo um mundo no qual a diversidade é uma virtude; tanto a individualidade como a coletividade são fontes de crescimento; onde as relações fluem sem barreiras; onde a palavra, o canto e os sonhos florescem. Esse mundo considera a pessoa humana como uma das riquezas mais preciosas. Um mundo no qual reinam a igualdade, a liberdade, a solidariedade, a justiça e a paz. Este mundo nós somos capazes de criar. Constituímos mais da metade da humanidade. Damos a vida, trabalhamos, amamos, criamos, militamos, nos divertimos. Garantimos atualmente a maior parte das tarefas essenciais para a vida e a continuidade da humanidade. No entanto, nessa sociedade continuamos sendo oprimidas.
A Marcha Mundial das Mulheres, da qual fazemos parte, identifica o patriarcado como sistema de opressão das mulheres e o capitalismo como sistema de exploração de uma imensa maioria de mulheres e homens por parte de uma minoria.
Esses sistemas se reforçam mutuamente. Eles se enraízam e se conjugam com o racismo, o sexismo, a misoginia, a xenofobia, a homofobia, o colonialismo, o imperialismo, o escravismo e o trabalho forçado. Constituem a base dos fundamentalismos e integrismos que impedem às mulheres e aos homens serem livres. Geram pobreza, exclusão, violam os direitos dos seres humanos, particularmente os das mulheres, e põem a humanidade e o planeta em perigo.
Nós rejeitamos esse mundo!
Propomos construir outro mundo, onde a exploração, a opressão, a intolerância e as exclusões não existam mais; onde a integridade, a diversidade, os direitos e liberdades de todas e todos são respeitados.
Esta Carta se baseia nos valores de igualdade, liberdade, solidariedade, justiça e paz.
IGUALDADE
1. Todos os seres humanos e todos os povos são iguais, em todos os domínios e em todas as sociedades. Eles têm igual acesso às riquezas, à terra, a um emprego digno, aos meios de produção, a uma moradia adequada, à educação de qualidade, à formação profissional, à justiça, a uma alimentação saudável, nutritiva e suficiente, a serviços de saúde física e mental, à segurança durante a velhice, a um meio ambiente saudável, à propriedade, a funções de representação política e de tomada de decisões, à energia, à água potável, ao ar puro, aos meios de transporte, às técnicas, à informação, aos meios de comunicação, ao lazer, à cultura, ao descanso, à tecnologia e às inovações científicas.
2. Nenhuma condição humana ou condição de vida justifica a discriminação.
3. Nenhum costume, tradição, religião, ideologia, nenhum sistema econômico ou político justificam que uma pessoa seja posta em situação de inferioridade, nem permitir atos que ponham em perigo sua dignidade e integridade física e psicológica.
4. As mulheres são cidadãs de pleno direito, antes de serem cônjuges, companheiras, esposas, mães, trabalhadoras.
5. As tarefas não remuneradas, ditas femininas, que garantem a vida e a continuidade da sociedade (trabalhos domésticos, educação, cuidado das crianças e dos familiares) são atividades econômicas que criam riqueza e que devem ser valorizadas e partilhadas. 6: Os intercâmbios comerciais entre países são eqüitativos e não são prejudiciais ao desenvolvimento dos povos.
7. Cada pessoa tem acesso a um trabalho remunerado justamente, efetuado em condições seguras e salubres que a permitam viver dignamente.
LIBERDADE
1. Todo ser humano vive livre de todo tipo de violência. Nenhum ser humano pertence a outro. Nenhuma pessoa pode ser objeto de escravidão, ser forçado ao casamento, ser submetida a trabalhos forçados, ser objeto de tráfico e de exploração sexual.
2. Cada pessoa goza de liberdades coletivas e individuais que garantem sua dignidade, em especial: liberdade de pensamento, de consciência, de crença, de religião; de expressão, de opinião; de viver livremente e de maneira responsável sua sexualidade, de escolher a pessoa com quem partilhar sua vida; de votar, de ser eleita, de participar na vida política; de se associar, se reunir, se sindicalizar, se manifestar; de escolher seu domicílio, sua nacionalidade, de escolher seu estado civil; de seguir os estudos de sua escolha, de escolher sua profissão e exercê-la; de se mudar, de dispor de sua pessoa e de seus bens; de escolher seu idioma de comunicação respeitando as línguas prioritárias e decisões coletivas quanto à língua de uso e de trabalho; de se informar, de aprender coisas novas, trocar idéias e ter acesso às tecnologias de informação. 3. As liberdades se exercem na tolerância e no respeito à opinião de cada pessoa, e dentro de parâmetros democráticos e participativos. As liberdades acarretam responsabilidades e deveres para com a comunidade.
4. As mulheres tomam livremente as decisões no que se refere ao seu corpo, sua sexualidade e sua fecundidade. Elas decidem por si mesmas ter ou não filhos.
5. A democracia se exerce se há liberdade e igualdade.
SOLIDARIEDADE 1. A solidariedade internacional é promovida entre as pessoas e os povos sem nenhum tipo de manipulação ou influência.
2. Todos os seres humanos são interdependentes. Partilham o dever e a vontade de viver juntos, de construir uma sociedade generosa, justa e igualitária, baseada no exercício dos direitos humanos, isenta de opressão, de exclusões, de discriminações, de intolerância e de violências.
3. Os recursos naturais, os bens e os serviços necessários para a vida de todas e de todos são bens e serviços públicos de qualidade aos quais cada pessoa tem acesso de maneira igualitária e eqüitativa.
4. Os recursos naturais são administrados pelos povos que vivem nos territórios onde eles se encontram, de respeitando o meio ambiente e atuando para sua preservação e sustentabilidade. 5. A economia de uma sociedade está a serviço daquelas e daqueles que a compõem. Ela é dirigida à produção e intercâmbio das riquezas socialmente úteis, que são distribuídas entre todas e todos, que garantem principalmente a satisfação das necessidades coletivas, eliminam a pobreza e asseguram um equilíbrio entre o interesse geral e os interesses individuais. Ela garante a soberania alimentar. Ela se opõe à busca exclusiva do lucro e à acumulação privada dos meios de produção, das riquezas, do capital, das terras, das tomadas de decisão nas mãos de alguns grupos ou de algumas pessoas. 6. A contribuição de cada uma e de cada um para a sociedade é reconhecida e independente da função que ocuparem todas as pessoas gozam de direitos sociais.
7. As manipulações genéticas são controladas. Não existe direito de propriedade sobre o ser vivo nem sobre o genoma humano. A clonagem humana é proibida.
JUSTIÇA
1. Todos os seres humanos, independente de seu país de origem, de sua nacionalidade e de seu lugar de residência, são considerados cidadãs e cidadãos com plenos direitos humanos (direitos sociais, econômicos, políticos, civis, culturais, sexuais, reprodutivos, ambientais) de forma realmente democrática igualitária e eqüitativa.
2. A justiça social se baseia em uma redistribuição eqüitativa das riquezas, que elimina a pobreza, limita a riqueza e garante a satisfação das necessidades essenciais da vida, e que visa à melhoria do bem-estar de todas e todos.
3. A integridade física e moral de todas e todos é garantida. A tortura, os tratamentos humilhantes e degradantes são proibidos. As agressões sexuais, o estupro, as mutilações genitais femininas, as violências específicas contra as mulheres e o tráfico sexual e o tráfico de seres humanos são considerados crimes contra a pessoa e contra a humanidade.
4. Um sistema judiciário acessível, igualitário, eficaz e independente é instaurado.
5: Cada pessoa goza da proteção social necessária para garantir seu acesso à alimentação, ao cuidado, à atenção à saúde, à habitação adequada, à educação, à informação, e à segurança durante a velhice. Ela tem acesso à renda suficiente para viver dignamente.
6. Os serviços de saúde e sociais são públicos, acessíveis, de qualidade, gratuitos para todos os tratamentos, todas as pandemias, particularmente para HIV.
PAZ
1. Todos os seres humanos vivem em um mundo de paz. A paz resulta em particular da: igualdade entre os sexos, da igualdade social, econômica, política, jurídica e cultural, do respeito aos direitos, da erradicação da pobreza que assegure a todas e todos uma vida digna, isenta de violência, onde cada pessoa tem um trabalho e recursos suficientes para se alimentar, ter moradia, se vestir, se instruir, estar protegido na velhice, ter acesso aos cuidados necessários.
2. A tolerância, o diálogo, o respeito da diversidade são garantias da paz.
3. Todas as formas de dominação, de exploração e de exclusão de parte de uma pessoa sobre outra, de um grupo sobre outro, de uma minoria sobre uma maioria, de uma maioria sobre uma minoria, de uma nação sobre outra são excluídas.
4. Todos os seres humanos têm o direito de viver em um mundo sem guerra e sem conflito armado, sem ocupação estrangeira nem base militar. Ninguém tem direito sobre a vida ou morte das pessoas ou dos povos.
5. Nenhum costume, tradição, ideologia, religião, sistema econômico nem político justificam violências.
6. Os conflitos armados ou não entre os países, comunidades ou povos são resolvidos pela negociação que permite encontrar soluções pacíficas, justas e eqüitativas em nível nacional, regional e internacional.
CHAMADO
Esta Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade faz um chamado a todas as mulheres e homens e a todos os grupos oprimidos do planeta a proclamarem individual e coletivamente seu poder para transformar o mundo e modificar radicalmente as relações existentes e transformá-las em relações baseadas na igualdade, na paz, na liberdade, na solidariedade e na justiça. Ela chama todos os movimentos sociais e a todas as forças sociais a agir para que os valores que defendemos nesta Carta sejam verdadeiramente postos em prática, e para que as instâncias de poder político tomem todas as medidas necessárias para sua aplicação.
Ela faz um chamado à ação imediata para mudar o mundo!