Segundo dados do Ministério do Planejamento, este ano devem ser gastos mais de R$ 80 bilhões em pagamento de juros da dívida externa, enquanto os recursos para investimentos estipulados no Orçamento da União serão da ordem de R$ 12 bilhões. A esta informação somam-se os dados do IBGE que registraram no ano passado o índice médio de desemprego no Brasil na casa dos 11,5%. Apesar de os números serem nacionais, respeitadas as especificidades, o processo de arrocho fiscal a que os países latino-americanos têm sido submetidos a partir das exigências do Fundo Monetário Internacional vem se constituindo como uma realidade em grande parte dos países em desenvolvimento, principalmente na América Latina e Central.
A esta sociedade de mercado, sindicalistas de todo continente propõem uma inversão de valores na consolidação de uma sociedade do trabalho, que tenha como base um Estado forte e promotor de políticas públicas que garantam o desenvolvimento sustentável das nações. Este será a principal discussão da 16ª edição do congresso da Organização Regional Interamericana de Trabalhadores (Orit), seção continental da Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres (Ciosl), que teve início nesta quarta (20) em Brasília. A Orit é composta por 33 entidades de 25 países, totalizando 45 milhões de trabalhadores representados. No Brasil, são afiliadas à organização a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Força Sindical e a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT).
Sociedade do trabalho e unidade sindical
Para Victor Baez, secretário-geral da Orit, o conceito de sociedade do trabalho é uma proposta de não apenas denunciar as mazelas do neoliberalismo, mas de discutir seriamente um modelo alternativo que consiga dar resposta às desigualdades sociais. Ele explica que na América o capital especulativo e financeiro possui hoje a supremacia nas decisões políticas. Para que ele se sustente, necessita da desregulação dos mercados e flexibilização das relações de trabalho. “Ao contrário do que é dito, não são os direitos dos trabalhadores que tem provocado o desemprego, e sim a usura financeira”. Ele cita a Argentina como exemplo. Quando Menem se elegeu, princípio dos 90, o desemprego médio era de 6%. No momento de sua saída, após todas as medidas flexibilizadoras patrocinadas ao longo da década de 90, o desemprego chegou a 20%. “Foi o capital financeiro que deixou a argentina do jeito que está, e nossos países devem evitar este exemplo”.
Para concretizar a sociedade do trabalho, os sindicalistas propõem um Estado forte e organizador, ao invés da idéia de Estado mínimo defendida pelos neoliberais. Segundo Baez, na sociedade organizada e os governos progressistas, sobretudo na América Latina, há uma revalorização do papel do Estado frente ao endeusamento do mercado presente na década de 90. “Um Estado para combater a pobreza, criar condições de igualdade de gênero, para combater o trabalho infantil e para criar pleno emprego”, comenta. Para Amanda Villatoro, secretária de Política Sindical e Formação da Orit, a crença de que a flexibilização é que irá garantir o desenvolvimento das nações está equivocada. “Está provado que não são salários baixos, nem condições precárias de trabalho, que tornarão a América latina competitiva, mas sim trabalhadores e trabalhadoras educados, saudáveis e com condições dignas”, defende.
A segunda grande pauta que os cerca de 80 delegados irão debater será a proposta de unificação do movimento sindical em nível continental e global. Pela primeira vez, representantes de outras entidades como a Confederação Mundial do Trabalho (CMT) e Central Latino-americana dos Trabalhadores (Clat) estão participando de um congresso da Ciosl/Orit. A proposta discutida pelas organizações é unificar para criar uma nova central mundial e novas centrais continentais. “Neste continente pretendemos trabalhar juntos, a Orit e a Clat, além de outras centrais não filiadas nos países, para criar uma entidade mais forte que tenha capacidade de incidir politicamente em nível nacional, regional e mundial”, coloca Victor Baez. Para a presidente da Orit, Linda Chavez Johnson, os trabalhadores vão “buscar os temas de como podemos trabalhar todos juntos, encontrando as ameaças que temos dentro dos nossos países”. Ela cita como exemplo os EUA, onde o presidente George Bush viria atuando para liquidar o movimento sindical.
Mas a ampliação proposta não irá se dar apenas com a soma das organizações existentes. Dentro da discussão chamada pela Orit de “auto-reforma sindical”, os sindicalistas irão debater como incluir setores que hoje não participam do movimento por não possuírem empregos formalizados ou regulamentados. “O movimento sindical tem que entender que o setor informal e o setor de trabalhadores autônomos cada vez são maiores e não estão organizados na perspectiva dos trabalhadores das empresas formais. E precisamos incorporá-los não como os parentes pobres, mas como uma força importante dos trabalhadores do continente”, argumenta Amanda Villatoro.
Nos dois dias que antecederam o encontro, foram discutidos assuntos mais específicos mas que também fazem parte da pauta da Ciosl/Orit, como as desigualdades de gênero, a juventude e a erradicação do trabalho infantil. Para Villatoro, é fundamental que os sindicatos assumam o desafio de incorporar a mulher em uma posição de ação e de representação dentro da estrutura do movimento sindical já que somos praticamente 50% da categoria. “Se queremos crescer as mulheres precisam estar na agenda e os temas de desigualdade de gênero precisam ser abordados, não somente pelas mulheres do sindicato, mas pelos dirigentes homens também”. No tema juventude, estão na pauta das entidades a reivindicação de políticas públicas que garantam o primeiro emprego e a inserção do jovem no mercado de trabalho. “Temos que quebrar a lógica do “não te contrato por que não tens experiência mas se não te contrato não terás experiência”, defende.
Presidente participa de abertura
Na abertura realizada nesta quarta (20), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu o papel propositivo dos sindicatos, cobrando a responsabilidade de que cada entidade sindical não somente apresente as reivindicações da classe, mas ajude na elaboração de políticas que promovam o desenvolvimento e o fortalecimento da democracia. “Se for para organizar uma pauta por ano, não precisa nem de sindicato que os próprios trabalhadores fazem isso em casa”, disse o presidente. Lula reafirmou que sua eleição foi resultado de um processo de duas décadas de organização dos trabalhadores e ressaltou que nunca esta classe teve tanta participação em um governo do que em sua gestão – ele fez referência à composição de seu primeiro escalão, em que 9 dos 35 ministros vêm do movimento sindical.
O presidente citou positivamente a reforma sindical brasileira, destacando o fato de ela ser produto de uma construção democrática entre as partes envolvidas. “A reforma é resultado do que os ventres dos sindicalistas e empresários conseguiram construir”, disse. Ele argumentou que o processo é difícil “pois nenhuma mudança é fácil”, e defendeu que o resultado positivo só poderá vir com a garantia da liberdade sindical. “Se quisermos criar sindicalismo forte, que não seja aparelho de ninguém, temos que acreditar no chão da fábrica”. Ele fez referência à quebra da unicidade sindical proposta no anteprojeto da reforma sindical entregue pelo ministro Ricardo Berzoini ao Congresso no início de março. No entanto, uma parte do sindicalismo critica a proposta afirmando que o aumento de poder proposto às centrais (como a prerrogativa de celebrar acordos ao invés do sindicato) acaba cerceando a liberdade dos sindicatos de base. Lula ainda fez menção à reforma trabalhista, afirmando que as críticas feitas de que ela iria retirar direitos são equivocadas. “Iremos apenas adequar à situação que está colocada hoje”.
O presidente também anunciou a assinatura de permissão de funcionamento de uma emissora educativa que será gerida por um conselho composto em sua maioria por sindicalistas e irá cobrir a região do grande ABC. Lula defendeu o papel de iniciativas como esta para o desenvolvimento do país. “A democratização da comunicação é um instrumento fundamental para fortalecer a democracia no nosso país e se esta experiência der certo, fica provado que outros companheiros podem também reivindicar um canal de TV”, comentou.
Fonte: Agência Carta Maior