O Encontro Nacional de Servidores e Servidoras da Justiça do Trabalho, realizado no final de semana (26 e 27) em Brasília, alertou para o risco real de extinção da Justiça do Trabalho e necessidade de uma reação coletiva dos servidores, de mais segmentos envolvidos e outros setores da sociedade civil. O Sintrajusc foi representado pela coordenadora Denise Zavarize, servidora aposentada da Justiça do Trabalho.
As ameaças contra a Justiça do Trabalho são graves e o recuo em relação à proposta de emenda constitucional que poderia extinguir esse ramo do Judiciário brasileiro é momentâneo: é preciso construir um movimento de resistência que agregue não apenas todos os que trabalham na JT, como outros setores da sociedade civil.
Essa constatação esteve presente no discurso de praticamente todos os que compuseram a mesa de abertura e as três de debates que transcorreram no sábado (26), primeiro dia do Encontro Nacional das Servidoras e Servidores da Justiça do Trabalho, e se repetiu na discussão de propostas no dia seguinte, segundo e último do encontro.
“A PEC que foi colocada para discussão e depois retirada de discussão era um balão de ensaio. Ou vocês acham realmente que vai haver uma proposta de reforma constitucional que preserve todos os cargos e salários de quem está na Justiça do Trabalho?”, disse Valdete Souto Severo, presidente da Associação Juristas para a Democracia (AJD).
“A PEC dizia: acaba com os TRTs, acaba com o TST, mas aposenta com remuneração integral. E todos os servidores da Justiça do Trabalho vão ser absorvidos pela Justiça Federal. Não, não é essa a proposta, não é isso que virá, podem apostar. É evidente que não querem preservar essa estrutura, porque se fosse para preservar a estrutura, não haveria tanta vontade de extinção”, disse, ao falar em uma das mesas do sábado (26).
A magistrada defendeu a necessidade de uma mobilização em dimensões bem maiores do que as atuais, sob risco de o setor sofrer uma dura derrota. “Temos que estar atentos para a luta e não podemos ser ingênuos de achar que a manifestação da sociedade fez com que o projeto fosse retirado da mesa, não foi isso. Aquele balão de ensaio foi colocado para ser retirado. O que vem pela frente é muito pior. Se nós continuarmos achando que basta algumas mobilizações e depois ir conversar com parlamentares, que depois vendem votos em troca de emendas parlamentares, nós estamos enganados”, disse.
MUITOS ATAQUES
“Estamos enfrentando uma agenda de destruição de direitos, da contrarreforma do Estado”, disse o servidor Cristiano Moreira, que integra a coordenação da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do MPU (Fenajufe), na mesa de abertura, ao pontuar que a investida contra a Justiça do Trabalho é parte de um projeto que avança sobre as conquistas da classe trabalhadora. O dirigente sindical ressaltou que a PEC que acabou retirada supostamente por falta de apoio é apenas a forma mais escancarada de fazer isso – e, na avaliação dele, até menos provável de aprovação neste momento. O desmonte que pode levar ao fim da JT também se dá por meio dos cortes orçamentários, pelo aprofundamento da destruição das conquistas trabalhistas e até por possíveis reestruturações que afastem mais a Justiça Trabalhista dos trabalhadores.
Destacou, no entanto, que as mobilizações que vêm acontecendo em outros países demonstram que é possível reagir a isso. “A América Latina vem se levantando de forma muito poderosa contra essa agenda de ataques a direitos”, disse, referindo-se às explosões sociais que ocorreram em países como o Equador e o Chile. O servidor compôs a mesa de abertura, da qual também fizeram parte os coordenadores da federação Evilásio Dantas, Epitácio Júnior (Pita), Costa Neto e José Aristeia.
Tanto na abertura quanto ao longo do debate transcorrido durante as exposições dos palestrantes, os participantes observaram que o recuo com relação à PEC que propunha a fusão da Justiça do Trabalho com a Justiça Federal, embora importante, foi provisório. Ressaltaram, assim, a importância da realização do encontro para organizar essa resistência.
A valorização da unidade entre todos que defendem a Justiça do Trabalho e se opõem à sua extinção ficou evidente na maioria da falas. Alguns servidores e palestrantes, porém, esboçaram preocupação em relação ao processo de reestruturação que começa a ser adotado pelas administrações do Judiciário – que pode levar ao fechamento de varas e ao encolhimento da estrutura.
Há ainda o receio de que prevaleça a lógica da conciliação a todo custo entre capital e trabalho (a todo custo do primeiro, obviamente) e a paulatina transformação da Justiça Trabalhista em órgão homologador de acordos firmados por fora da esfera pública.
PAINÉIS
A primeira mesa de debate foi com a presidente da Associação Juristas para a Democracia (AJD), Valdete Souto Severo, com a palestra “Combate ao desmonte do Estado e a destruição da legislação de proteção social”.
No sábado à tarde, os trabalhos foram reiniciados, após o almoço, com o painel “Justiça do Trabalho, defender por quê?”, coordenado pelos diretores da Fenajufe Charles Bruxel e Thiago Duarte e tendo como palestrantes a juíza Audrey Choucair Vaz – presidente da Amatra da 10ª Região (Brasília e Tocantins), que representou a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra); a advogada Alessandra Camarano Martins, presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat); o procurador Ângelo Fabiano Farias da Costa, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT); e o advogado Cezar Britto, ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e que presta assessoria para a Fenajufe e outras entidades sindicais.
A última mesa do primeiro dia foi com a especialista em Gestão Pública e Social Vera Miranda e teve na coordenação os diretores da federação Fernando Freitas e Ramiro Lopes
O evento foi retomado na manhã do domingo (27) com a exposição de propostas levadas pelos sindicatos, a partir das discussões travadas nos encontros nos estados. À tarde, os servidores se debruçaram sobre as propostas, que foram em sua maioria ratificadas ou mantidas com alterações. Como o encontro não tem caráter deliberativo, o conjunto de ideias levantadas para a atuação em defesa da Justiça do Trabalho nestes dois dias não são resoluções, mas propostas a serem encaminhadas para a direção da Fenajufe, como contribuição a essa luta.
NOTA PÚBLICA
Num dos pontos debatidos, restou acordada a construção de uma Nota Pública contra a Proposta de Emenda à Constituição que na prática, extingue a Justiça do Trabalho. O texto deliberado segue abaixo. Os demais encaminhamentos serão publicados após sistematização.O Texto construído pelos participantes do Encontro ficou assim definido:
NOTA DA FENAJUFE SOBRE PEC DE EXTINÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA LABORAL
FENAJUFE – FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO, entidade sindical de segundo grau, com 29 sindicatos filiados de todo Brasil, em face das agressões ao sistema juslaboral brasileiro, sobretudo a ameaça de extinção da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, vem a público se manifestar nos seguintes termos:
1 – O sistema juslaboral (MPT, sindicatos, advocacia trabalhista e a própria Justiça do Trabalho) é instrumento essencial de pacificação social e de garantia dos direitos sociais. A criação da Justiça do Trabalho – e sua incorporação aos órgãos do Poder Judiciário – é um marco histórico da luta das trabalhadoras e dos trabalhadores brasileiros e representa uma conquista importante na relação entre capital e trabalho. Atentar contra sua existência viola o valor social do trabalho, cláusula pétrea e um dos fundamentos da República (art. 1º, IV da CF/88). Sabemos que o objetivo em síntese é fulminar o próprio Direito do Trabalho, deixando desprotegidos milhões de cidadãos.
2 – O artigo 26 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, pacto internacional ao qual o Brasil aderiu, estabelece o compromisso do país com providências progressivas para a plena efetividade dos direitos sociais. A supressão dos mecanismos de defesa das relações de trabalho representa um retrocesso inadmissível.
3 – A proposta de extinção de um dos ramos do Judiciário desarmoniza a relação entre os Poderes da República, trazendo preocupações à própria ordem democrática. Além disso, esta proposição é inconstitucional por violar a competência originária e privativa do Poder Judiciário sobre o tema (art. 96, II, d).
4 – Não aceitamos a retirada de direitos e destruição da previdência social e dos direitos trabalhistas, característica das práticas ultraliberais presentes nesta presidência. O governo, apoiado por sua base parlamentar, deveria estar preocupado com o pleno emprego e com a situação de caos social em que vivem milhões de cidadãos brasileiros. Sabemos que o Estado mínimo, expressão máxima do neoliberalismo, só aprofunda a condições de pobreza e miserabilidade do povo brasileiro e promove o esgarçamento social. Não aceitaremos mais retrocessos.
5 – Assim, as trabalhadoras e os trabalhadores do Judiciário Federal e do Ministério Público Federal, representados pela Fenajufe, vêm a público se manifestar contra todos os atos que tenham por objetivo atacar a luta pela defesa dos direitos trabalhistas e seu sistema, em destaque a PEC que pretende extinguir a Justiça do Trabalho, fazendo perecer o próprio conceito histórico de Direito do Trabalho.
6 – No encontro realizado em 26 e 27 de outubro de 2019, nós servidoras e servidores da Justiça do Trabalho decidimos chamar nossa base e as demais entidades relacionadas à defesa do trabalho para o desenvolvimento de estratégias amplas de resistência e construção de soluções para o fortalecimento dos instrumentos necessários ao aprimoramento dos direitos sociais.
Para isso adotaremos as seguintes ações:
AÇÕES
. Nas ruas, nas redes sociais e no parlamento estaremos juntos com todas as entidades que defendem este Sistema de Justiça cidadão!
Com informações do Sintrajud e da Fenajufe e edição do Sintrajusc – Fotos: Luciano Beregeno