O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), proferiu decisão liminar, no dia 15 de setembro, reconhecendo aos juízes federais o direito ao recebimento de auxílio-moradia. A liminar foi concedida na véspera de um dia de “mobilização pela valorização da magistratura federal”, convocado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).
Segundo a Ajufe, os juízes protestavam contra o veto da presidente Dilma a dispositivo do projeto de lei que assegurava gratificação por acúmulo de função aos juízes federais, aprovado pelo Congresso Nacional, e contra o corte do orçamento do Judiciário no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2015. Nesse dia, ocorreram manifestações e atos de juízes em várias regiões do país.
Apesar de a decisão ter saído em meio à mobilização e à insatisfação do segmento, a ação foi proposta em abril de 2013, por oito juízes federais, e a Ajufe foi admitida como assistente. O parecer do procurador-geral da República (PGR) na ação, favorável à pretensão, foi emitido em pouco mais de um mês após a abertura de vista. No mesmo dia, Fux deferiu a liminar, agilidade incomum para decisões como essa.
O ministro menciona, entre os fundamentos da decisão, a isonomia com os membros do Ministério Público e com outras carreiras públicas, inclusive magistrados no próprio STF, nos tribunais superiores, e em alguns estados, que já receberiam o benefício. Menciona ainda dispositivo da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) que prevê a vantagem. Fux emite ainda, na decisão, juízo de valor acerca da condição salarial dos magistrados, ao falar em evasão e falta de atratividade da carreira.
O ministro estabelece que os juízes federais devem receber “os valores pagos pelo STF a título de auxílio-moradia a seus magistrados” e que o benefício deverá ser pago a todos eles, “salvo a favor do magistrado federal a quem tenha sido disponibilizada residência oficial”. A decisão ainda recomenda que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamente a matéria de modo uniforme, para toda a magistratura nacional.
A matéria é controvertida. A Loman prevê o auxílio-moradia aos juízes nas localidades onde não houver residência oficial disponível, porém “nos termos da lei”. Não há lei específica a respeito. Além disso, a Constituição e a própria Loman estabelecem que o magistrado deve residir na comarca em que atua, salvo autorização específica, e tem assegurada a inamovibilidade. Há ainda outras ações anteriores no STF com o mesmo objeto, e decisões liminares foram proferidas em sentido distinto, sem decisões definitivas quanto ao mérito.
Apesar disso, alguns tribunais regionais regulamentaram o auxílio em seus âmbitos. No CNJ há procedimentos que tratam da matéria, e liminares chegaram a suspender resoluções que fixavam valores de auxílio-moradia em parte deles. As decisões basearam-se nas divergências existentes em torno do tema, e lançaram dúvidas sobre o pagamento indiscriminado a todos os juízes.
Em recente sessão, no dia 2 de setembro, o julgamento de processo relativo a auxílio-moradia fixado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte foi suspenso, após pedido de vista da corregedora, ministra Nancy Andrighi. Presidindo a sessão, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou em plenário: “Tenho o desejo pessoal de que nós tenhamos uma magistratura nacional, unificada. Como a corregedora tem enorme experiência na matéria, ela certamente poderá trazer subsídios importantes ao plenário para essa discussão”.
Como na prática não há residências oficiais à disposição dos magistrados, a decisão tende a beneficiar todos os juízes federais, como uma complementação salarial, mesmo no caso dos que tenham residência própria, já que essa é a única ressalva na liminar do ministro Luiz Fux. A decisão é expressa quanto à extensão do benefício a todos os juízes federais, na forma da Loman.
O valor fixado, de R$ 4.377,73, corresponde a quase 20% do subsídio do cargo de juiz federal substituto, e resultará em um impacto financeiro de mais de R$ 81 milhões anuais. É um percentual próximo ao previsto no projeto de lei de reajuste dos magistrados enviado ao Congresso pelo STF, de 22%, já absorvidos os 5% previstos para o próximo ano a todo o funcionalismo. O jornal “Estado de SP”informou que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) já teriam ajuizado ações no STF com o objetivo de obter decisões semelhantes em benefício de seus representados.
Ao conceder por decisão judicial uma vantagem com essa proporção, o STF impõe ao governo um ônus financeiro imediato sem previsão orçamentária e sem lei específica – a Loman é de 1979 – e, na prática, acaba por driblar o corte do orçamento do Judiciário pelo Executivo, ocorrido há menos de um mês, nesse caso em benefício exclusivo da magistratura. O corte ocorreu em prejuízo dos reajustes salariais, tanto de servidores quanto de magistrados.
No caso dos servidores, o corte tende a prejudicar a aprovação do projeto de reajuste, a menos que haja uma reação efetiva da cúpula do Judiciário, e a abertura de negociação com o governo para viabilizar a recomposição salarial. As ações ajuizadas no STF contra o corte, pela Fenajufe, associações de magistrados e PGR, ainda aguardam decisões, e não houve pronunciamento público da instituição quanto ao ocorrido. Já quanto à negociação, o presidente do STF assumiu perante a Fenajufe a defesa dos reajustes, mas disse ver dificuldade em conseguir negociar com o governo neste momento eleitoral.
Em que pese o compromisso assumido pelo presidente do STF em audiência com a Federação, de que seriam tratados com igual prioridade reajustes de servidores e magistrados, a categoria vê com cada vez mais preocupação a inexistência de um calendário de negociação estabelecido até o momento. A concessão do auxílio-moradia aos juízes, que não tiveram que esperar pelas eleições, aguçou essa preocupação.