Por Marcela Cornelli
A conferência ministerial, que a Organização Mundial do Comércio (OMC) realiza esta semana no balneário mexicano de Cancún, atraiu quase duas mil organizações civis de 83 países, que chegam carregadas de propostas e algumas de ameaças. Trata-se dos expoentes de um movimento mundial que questiona o atual modelo de globalização. Do variado universo, 980 são os grupos credenciados pela OMC para participar da conferência ministerial de maneira oficial. O restante, na sua maioria de origem camponesa, indígena, sindical, e centenas de ativistas independentes, estarão a dez quilômetros de distância do centro de convenções em parques, teatros e outros espaços públicos, onde realizarão diversas marchas de protesto.
Um terço destes grupos são do Canadá, Estados Unidos e México, outra proporção similar da União Européia e o restante da Ásia, África e América do Sul. “Cancún será uma vitrine para medir o peso das Ongs e saber se os governos de países industrializados e as corporações estão dispostos a ouvi-las e aceitar algumas de suas propostas”, disse Adam Jones, do departamento de Estudos Políticos do Centro de Pesquisa e Docência Econômicas (Cide), do México.
A V Conferência Ministerial da OMC, que acontece esta semana em Cancún, é crucial para o futuro das negociações comerciais lançadas na reunião anterior, de 2001, em Doha, e previstas para terminarem em 1º de janeiro de 2005. As discussões estão paralisadas, e nelas expressam-se grandes contradições entre os países ricos e o mundo em desenvolvimento, que antes determinaram o fracasso da III Conferência, de 1999, na cidade norte-americana de Seattle.
Histórico anti-globalização
Nesta reunião, que acabou sem acordos para lançar uma rodada de negociações e com enfrentamentos entre ativistas e policiais, é considerada o ponto de origem do atual movimento contra a globalização em curso. Os pesquisadores sociais esclarecem, no entanto, que o ocorrido nos EUA foi apenas uma expressão chamativa, pois os grupos contrários ao modelo em vigor de globalização vêm trabalhando e projetando propostas desde o início dos anos 90. Uma das primeiras mobilizações destes grupos, também conhecidos como globalifóbicos, globalicríticos ou altermundistas, aconteceu em novembro de 1996, quando uma ampla coalizão de jovens, mulheres e estudantes organizaram nas Filipinas o “Dia Internacional do Protesto contra a Globalização”.
As Ongs argumentam que a OMC está dominada pelos governos dos países desenvolvidos e grandes corporações, o que se traduz em políticas que prejudicam as nações mais pobres. Alguns desses grupos da sociedade civil demandam, então, a “democratização” da OMC e sua mudança de rumo, enquanto outros pedem diretamente sua dissolução.
Em Cancún chegam delegados de organizações com caráter consultivo junto à ONU, como a norte-americana The Asociation of World Citizen, outros de longa trajetória internacional e também grupos mais radicais, como os chamados Macacos Brancos da Itália. Do variado universo, 980 são os grupos credenciados pela OMC para participar da conferência ministerial de maneira oficial. Deles, 30% pertencem a organizações de produtores e camponeses, outros 20% correspondem a ambientalistas e porcentagem semelhante a grupos que trabalham com temas de globalização, gênero, direitos humanos e comércio. Também estarão presentes cerca de 300 organizações ligadas a atividades empresariais, contingente questionado pelos ativistas sociais, pois afirmam que apenas representam interesses de grandes multinacionais.
Tratamento diferenciado
A OMC e o governo mexicano negaram credenciamento a mais de 200 grupos civis, por considerarem que suas atividades não têm relação com o tema da conferência. Os representantes das 980 ONGs compartilharão luxuosos hotéis e reuniões com ministros e funcionários de organismos internacionais na área hoteleira de Cancún. Por outro lado, os delegados de cerca de mil organizações da sociedade civil, a maioria de origem camponesa, indígena, sindical e de mulheres, e centenas de ativistas independentes, estarão a dez quilômetros de distância em parques, teatros e centros esportivos, de onde realizarão diversas marchas de protesto.
Às organizações credenciadas junto à OMC foi dado o direito de assistirem aos debates ministeriais e até a possibilidade de transmitir gratuitamente suas propostas através de um canal de televisão especial que funcionará durante a conferência, bem como colocar documentos no site da OMC na Internet. Já aos que assistirão ao chamado Fórum dos Povos, o governo mexicano negou toda possibilidade de aproximação ao centro de convenções, onde os ministros de comércio dos 146 integrantes da OMC estarão negociando.
Busca pelo diálogo
Caso os participantes do Fórum dos Povos, ou alguns deles, tentem chegar até a sede oficial enfrentarão mais de mil policiais com estritas ordens de impedir a passagem. Alejandro Calvillo, diretor no México da organização ambientalista Greenpeace, um dos grupos que participará da conferência ministerial, disse que as OMNGs não apostam na violência, “como querem fazer crer alguns governos. Pelo contrário, o que buscamos é o diálogo para promover propostas que vêm amadurecendo há muito tempo”, afirmou.
“Quando ocorrem enfrentamentos, pela atitude de alguns policiais ou estratégia provocadora de alguns poucos ativistas, causa-se um grande dano à sociedade civil organizada”, acrescentou.
Estudantes da Universidade Nacional Autônoma do México, que confessam ter vínculos com os Macacos Brancos, anunciaram que irão a Cancún usando capacetes, protetores de braços e pernas, e bastões de beisebol para enfrentar a polícia e abrir caminho para outros grupos que tentarão chegar onde os ministros estarão reunidos. Por sua vez, Alvaro López, membro da mexicana União Nacional de Trabalhadores Agrícolas, advertiu que junto com outros ativistas marcharão pela zona hoteleira de Cancún.
Fonte: Agência Brasil