Doença no trabalho é culpa dos gestores

As políticas de gestão no Judiciário influem diretamente na deterioração do ambiente de trabalho dos servidores. Esta influência se dá na maioria das vezes de forma disfarçada, através dos efeitos de decisões administrativas aparentemente inofensivas.
O caráter neoliberal das políticas de gestão utilizadas no Judiciário se expressa nos princípios de diminuir custo a qualquer custo e direcionar orçamento público para empresas privadas pela terceirização de atividades que deveriam ser realizadas por servidores do quadro. Exemplo disso é a proliferação das consultorias que repassam milhões a empresas de TI sem critérios muito explícitos e geram monstros como o desastroso PJe. O equívoco de tais políticas, como veremos, tem levado ao adoecimento da categoria por superexposição ao trabalho e se materializa nas metas estabelecidas nos planejamentos estratégicos. 
O modelo de gestão de recursos humanos do TRT-SC, como as demais áreas, é a reprodução das políticas determinadas pelos conselhos, repassadas através de fóruns das áreas específicas e endossadas, não só por omissão, mas também por convicção, pelo Coleprecor (Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho).
O TRT catarinense optou expressa e conscientemente por seguir as metas do CSJT e do CNJ. O fundamento ingênuo é que fazendo nossas as metas já estabelecidas evitaremos criar metas próprias que aumentariam o trabalho de acompanhamento. Em 2010, das 12 metas definidas, 9 eram ligadas à produtividade e apenas 3 à saúde. A proposta dos servidores, formalmente apresentada, foi “reduzir progressivamente a ocorrência de doenças profissionais causadas pela implantação de novas tecnologias, em especial do processo virtual, mediante ações preventivas capazes de identificar o nexo causal e implementar medidas para eliminar as respectivas causas”. 
A proposta foi rejeitada e, em seu lugar, a Serhu incluiu: 1- reduzir em 15% faltas ao serviço por doenças respiratórias, para o que promoveram vacinação contra a gripe e, 2- reduzir alterações de pressão arterial dos servidores (para que não faltem ao serviço) em 15%. Por fim, a patética meta de reduzir em 3% os afastamentos por doenças osteomusculares. A prioridade não é a saúde, mas a produtividade. Não se fala em eliminar causas das doenças laborais, mas em reduzir afastamentos. 
 
Atacar efeitos sem mexer nas causas
Para reduzir afastamentos sem atacar suas causas sobram medidas, nunca explícitas, mas claramente sentidas, como aparentemente orientar os médicos para “maior rigor” na concessão de licenças de saúde e distribuir receitas de analgésicos e antidepressivos. Jogar 5 vezes mais peso no combate à gripe que não é doença laboral, mas causa afastamentos, do que nas doenças osteomusculares, cuja maior incidência é comprovadamente devida a condições de trabalho, mostra de forma clara uma tentativa de esconder a raiz do problema. Quando estabelece meta reduzir os níveis de pressão arterial através de palestras que aconselham a ter uma “vida saudável”, “fazer exercícios físicos” e evitar o estresse, sem questionar o modelo de gestão baseado no assédio moral que provoca esse estressse, a administração simplesmente tenta repassar às vítimas a responsabilidade pela cura de suas doenças. 
Claro que todos devem cuidar de sua saúde, mas assim difunde-se a ideia de que as pessoas não adoecem no trabalho, mas porque não cuidam direito de suas vidas. Uma das maiores fontes de pressão e assédio moral no Judiciário é a ameaça sempre velada de perder parte do salário (FC) se não der conta do trabalho e isso vem junto com a diminuição crescente da quantidade de servidores por unidade, conforme orientação dos conselhos. 
 
Doses homeopáticas de maldades
Sutilmente, o estabelecimento de regras aparentemente isoladas e inofensivas contribui para aumentar as fontes de sofrimento no trabalho, sempre com vistas à produtividade. 
Uma portaria, por exemplo inventou um prazo de 5 dias para juntada de atestado, a contar do dia do afastamento, sob pena de perda de direito garantido por lei. A TI contribui para isto, tornando automática a desconsideração dos dias de “prazo vencido” e criando uma situação aparentemente consumada. Só quem recorre a um processo judicial restabelece seu direito, mas poucos fazem isso. A maioria prefere seguir orientações do Saser no sentido de evitar desconto fazendo compensação. Ou seja, trabalhando horas a mais, sem obrigação legal, mas achando que está tudo certo e que fez um bom negócio. Mais horas trabalhadas, mais produtividade. 
Na mesma linha, a terceirização de tudo o que for possível também prejudica nossos direitos. A digitalização dos assentamentos funcionais para introdução de novo banco de dados foi terceirizada. O resultado foi muitos erros na transposição dos registros. Um servidor, por exemplo, teve registrados equivocadamente 9 meses de licença prêmio quando tinha apenas 3. Quando o TRT descobriu o erro tentou cobrar do servidor em parcelas tudo o que ele recebeu equivocadamente decorrente do equívoco. A jurisprudência pacificada garante que ninguém tem que devolver o que recebeu de boa fé e todas as decisões da Justiça Federal vão neste sentido. Mas muita gente não percebe que está sendo lesada e perde seus direitos. Menos salário, mais estresse.
Recentemente sumiu o sistema de marcação de férias no auto-atendimento e os servidores estão impossibilitados de fazê-lo, sendo obrigados a recorrer a processos administrativos mais lentos e que sobrecarregarão os colegas das áreas responsáveis, em número cada vez mais reduzido.
Toda a literatura a respeito de ambiente de trabalho afirma que os erros ocorrem em maior quantidade devido à sobrecarga de trabalho sobre cada um, decorrente da diminuição do número de servidores e do simultâneo aumento da quantidade de serviço imposto pelas metas quantitativas e pelos prazos cada vez menores.
 
O modelo de gestão precisa mudar 
Assim, o modelo cada vez mais desumano de gestão dos recursos humanos contribui aceleradamente para a deterioração das condições de trabalho e da qualidade de vida dos servidores. Envolvidos no ritmo cada vez mais veloz de trabalho, muitas vezes sequer temos consciência de que nossos direitos de trabalhador vão sendo atacados dia a dia em nome de uma produtividade insana, que pode ser resolvida com o aumento dos quadros. 
Por que preferem reduzir quadros e aumentar a carga de trabalho, ainda que prejudique a saúde? Quando lutamos por um justo reajuste salarial enfrentamos adversários poderosos na disputa por parcelas do orçamento da União. Metade dele é usado para pagar juros da dívida pública a especuladores e banqueiros, o que é quase a mesma coisa. Outra parte é disputada por setores essenciais como saúde, educação, previdência e segurança, incluindo aí os salários dos servidores públicos, e o restante por empresários da indústria, agronegócio, comércio. 
De tudo isso, grande parte é desviada pela corrupção de um sistema político em que as eleições são movidas a muito dinheiro de empresas e trocas de favores espúrios. Esta fonte de corrupção, a principal, poderia ter sido eliminada já nestas eleições, mas, mesmo com maioria de votos dos ministros do STF, em ação ajuizada pela OAB, assistimos o conhecido Gilmar Mendes entrar em cena para engavetar o processo e garantir mais um congresso financiado por empreiteiras, banqueiros e industriais.
No debate de hoje, às 16 horas, na rampa do TRT, vamos tratar de questões jurídicas, de como tudo isso afeta diretamente o nosso bem-estar e discutir formas de enfrentar esta situação. É um momento para parar por algum tempo e pensar coletivamente. Contra a opressão não existe saída individual. É preciso união de todos para mudar as coisas.