Em 1977, em plena ditadura do general Ernesto Geisel, uma notícia divulgada pela imprensa de São Paulo abalou o país: quatro anos antes, em 1973, o governo havia manipulado os índices oficiais de inflação. A descoberta veio a público com a divulgação de um relatório secreto do Banco Mundial. O documento apontava que a taxa de inflação naquele ano havia sido de 22,5%, e não de 12,6% como fora divulgado.
A confirmação da fraude derrubou a credibilidade da equipe econômica e trouxe prestígio para aqueles que há anos vinham denunciando a manipulação. Era o caso do Departamento Sindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (Dieese). Criado pelo movimento sindical em 1955, o Dieese havia criado o Índice do Custo de Vida (ICV) justamente porque desconfiava dos dados apresentados pelo governo nas negociações salariais.
Meio século depois de sua criação, completados em 2005, o ICV tornou-se apenas um dos produtos da carteira do Dieese. Agora espalhados por diversos Estados brasileiros, os pesquisadores do Departamento divulgam periodicamente estudos sobre desemprego, greves e negociações salariais, além de uma série de estudos setoriais.
E há novidades nos próximos meses. Para celebrar o cinqüentenário, o Dieese planeja intensificar os estudos sobre a distribuição de renda no país e, até o final de 2006, criar um índice para medir a desigualdade. O movimento sindical será mobilizado em 18 estados brasileiros para realizar uma série de debates para discutir o tema. Nesta quarta-feira (14) a discussão (14) ocorre em João Pessoa e na quinta (15), em Recife
De acordo com Ademir Figueiredo, diretor de Estudos e Desenvolvimento do Dieese, os índices disponíveis hoje para fazer a medição da desigualdade não dão conta de toda complexidade do problema. “Indicadores como o de Gini simplesmente posicionam um país num quadro de pobreza e riqueza, e não fazem uma base comparativa de como os frutos do desenvolvimento são posicionados na sociedade”, diz ele.
Para o diretor do Dieese, um novo índice precisa dar conta da distribuição “funcional da renda”, ou seja, quanto do produto gerado é destinado ao capital e quanto ao trabalho. Essa preocupação justifica-se pela queda da parcela apropriada pelos trabalhadores no Produto Interno Bruto (PIB). Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a fatia dos trabalhadores caiu de 38,2% do PIB, em 1995, para 35,5% em 2003 – o último dado disponível.
Em países desenvolvidos e menos desiguais, a parcela nas mãos dos trabalhadores é bem maior: chega a 58% do PIB na França, e a 51% no Canadá. Segundo o gerente de projetos do IBGE, Carlos Cesar Bittencourt Sobral, “a perda que o fator trabalho teve para o capital” pode ser explicada pelo aumento da carga tributária nos últimos anos. Os dados mostram, porém, que a apropriação por parte de empresas não-financeiras também aumentou de 44,1% do PIB para 46,1%, entre 1995 e 2003.
A melhor forma de combater a pobreza, diz Figueiredo, é eliminando a desigualdade. “A perspectiva hoje é de que haja mais crescimento econômico, mas achamos que é preciso mais desenvolvimento. No passado já prometeram que era necessário crescer para dividir o bolo mais à frente, o que não aconteceu”, diz ele.
ONU
Divulgado na semana passada, o Relatório de Desenvolvimento Humano 2005 das Nações Unidas também afirmou que a desigualdade acentua a pobreza. “Altos níveis de desigualdade de renda são ruins para o crescimento e enfraquecem a taxa em que o crescimento se converte em redução de pobreza: eles reduzem o tamanho do bolo econômico e o tamanho da fatia abocanhada pelos pobres”, diz o documento.
Os dados apresentados pela ONU apontam que a estrutura da desigualdade brasileira continua intacta. Uma das séries estatísticas refere-se à porcentagem da renda nacional que é apropriada pela parcela dos 10% mais ricos da população. Quanto maior essa apropriação, maior a desigualdade.
Nesse quesito, em apenas sete países os 10% mais ricos se apropriam de uma fatia da renda nacional maior que a dos ricos brasileiros. No Brasil, eles abocanham 46,9% da renda, menos que no Chile (47%), República Centro-africana (47,7%), Guatemala e Lesoto (48,3%), Suazilândia (50,2%), Botsuana (56,6%) e Namíbia (64,5%).
Outro dado para medir a desigualdade trata-se da quantidade da renda nacional que fica nas mãos dos 10% mais pobres. Também aí o Brasil de destaca negativamente. Só em cinco países os 10% mais pobres ficam com uma parcela da renda menor que a dos pobres brasileiros (0,7%): Venezuela e Paraguai (0,6%), Serra Leoa, Lesoto e Namíbia (0,5%).
O Brasil é, ainda, o oitavo pior em outro indicador usado para medir desigualdade, o Índice de Gini, que varia de 0 (quando não há desigualdade, ou seja, todos os indivíduos têm a mesma renda) a 100 (quando apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade). O índice brasileiro é 59,3 – melhor apenas que Guatemala (59,9), Suazilândia (60,9), República Centro-Africana (61,3), Serra Leoa (62,9), Botsuana (63,0), Lesoto (63,2) e Namíbia (70,7).
Fonte: Agência Carta Maior