Desabafo de um Técnico Judiciário
Confesso que fiquei decepcionada e, até, indignada com a postura da FENAJUFE em ceder às pressões políticas e/ou de um grupo de analistas. Pra mim, agora era o momento de lutar para regularizar uma situação fática, mas sem a devida contrapartida financeira, qual seja: de os técnicos realizarem, na prática, tarefas que extrapolam às previstas no edital e legislações pertinentes, bem como tarefas irrealizáveis por alguém que possui apenas o ensino médio.
Na era da informatização, onde a grande maioria dos processos já são eletrônicos e, os que não o são, terão de ser digitalizados oportunamente, é inconcebível a exigência de nível médio num edital de concurso do Judiciário Federal. E, mais ainda, é inconcebível não se insistir na regularização dessa situação por causa de pressão política e/ou de alguns analistas que, não sei por qual motivo, estão se sentindo lesados por essa adequação necessária dentro do Judiciário.
Não é possível que a Justiça Federal permaneça em eterno desvio de função, utilizando uma mão de obra qualificada sem a justa remuneração, sob o argumento de que ‘o mundo gosta dos técnicos’. A grande verdade é que custamos barato para a União, pois o final de carreira de um técnico é o início da carreira dos analistas.
Essa necessidade de adequação precisa ser feita. Primeiro, para regularizar uma situação fática e evitar os constantes desvios de função/atividade, vedados por lei; segundo, porque, sem fazê-lo, continuarão sendo realizados concursos públicos para ocupação de cargos de nível médio, inconcebível nos dias atuais e, principalmente, dentro do Judiciário Federal. Terceiro, porque, apesar ‘de o mundo gostar de técnicos’, existem lugares específicos para eles atuarem e cursos específicos para fazerem (técnico em informática; em eletrônica, em mecânica, em edificação, em enfermagem…), sendo que, salvo melhor juízo, não existe curso técnico em direito; contudo, nas provas do concurso para técnico judiciário são exigidas questões de direito, e com peso dois.
Vários órgãos já fizeram essa adequação e passaram a exigir nível superior em seus concursos. É a tendência natural e, cedo ou tarde, ocorrerá também no Judiciário Federal.
Desmintam-me se tiverem o conhecimento contrário, mas, antigamente, o nível de exigência escolar para ser um professor ou uma professora era completar o Quinto Ano; depois, passou a ser o segundo-grau; mais tarde, o curso técnico em magistério e, há algum tempo, o nível superior.
Meus irmãos são policiais militares e, para tanto, possuem apenas o antigo segundo-grau. Os irmãos do meu pai são militares aposentados e são analfabetos funcionais, mas, como antigamente, quando se saia do exército já era possível ser policial militar, eles o foram. Por outro lado, meu sobrinho, que também quer ser policial militar, como o pai e os tios, precisa ter nível superior, exigência atual para se ingressar nos quadros da PM.
A própria Justiça Federal já passou por uma necessária mudança, na questão dos antigos atendentes judiciários, cuja exigência mínima escolar era a de ter completado o antigo primeiro-grau. Depois, esses cargos de atendentes foram transformados em técnicos judiciários, com a exigência de nível médio, antigo segundo-grau. Naquela época, passou a ser inconcebível exigir-se apenas o primeiro-grau para se ingressar nos quadros da Justiça Federal. Agora, passou a ser inconcebível se fazer concurso com exigência de nível médio, inclusive porque o edital exige conhecimento jurídico para a resolução das provas, os quais não são estudados por alunos do nível médio.
Não sei estatisticamente quantos técnicos judiciários trabalham na Justiça Federal (e no Judiciário, como um todo), mas sei que somos muitos e que desempenhamos, na prática, as mesmas funções/atividades que os analistas. Também não sei a estatística de quantos técnicos possuem nível superior, mas arrisco dizer que, se perguntarmos para os Juízes com os quais trabalhamos, quais servidores são técnicos e quais são analistas, poucos saberão responder. Por outro lado, se perguntarmos aos mesmos Juízes quais de seus servidores possuem nível superior, muitos saberão.
Reforço que os técnicos compõem o maior percentual de servidores da Justiça Federal e, na prática, a grande maioria possui formação em direito e realiza as mesmas tarefas de um analista judiciário, configurando, assim, escancarado desvio de função, cabendo, portanto, indenização, sob pena de enriquecimento ilícito da União, vedado por lei. Afinal, como dito acima, estamos na era da informatização e dos processos eletrônicos, onde as juntadas e decursos de prazos são feitos pelo próprio sistema, o que resta das atribuições específicas de um técnico de nível médio para serem executadas?
Enfim, são tantos os argumentos para que essa mudança ocorra o quanto antes, que me indigna essa morosidade.
Essas são algumas reflexões que me faço e que decidi compartilhar com vocês.
Carmem Lúcia Antonio
Técnica Judiciária da Justiça Federal