Debate sobre Saúde do Trabalhador no Judiciário catarinense

Crédito da foto: Cibils
O debate realizado no dia 28 de agosto pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina (Sinjusc) fez parte da programação de lançamento do livro “Os Operários do Direito” em Florianópolis. O próximo lançamento será em Blumenau, dias 24 e 25 de setembro
POR SANDRA WERLE
Os participantes do debate foram recepcionados com uma performance do ator Marcelo Porton, que evidenciou as implicações e o valor de cada profissão dentro de um contexto social, onde cada um tem seu papel, mas nem todos têm o mesmo reconhecimento.
O Secretário de Imprensa do Sinjusc, Cláudio Del Pra Netto, coordenou a mesa e destacou o avanço democrático conquistado pelos servidores do Judiciário, sinalizado naquela noite com o uso do auditório do Tribunal Pleno para a realização do encontro.
O primeiro debatedor a fazer uso da palavra foi o médico e doutor em saúde pública Herval Pina Ribeiro, estudioso do tema trabalho e saúde. Ele assina a autoria do livro “Os Operários do Direito”, mas apresentou-se à platéia apenas como o “escrevinhador” da obra, “o trabalhador de um livro que construímos juntos”, segundo suas palavras. Pina Ribeiro lembrou que, mesmo longa, com suas 700 páginas divididas em dois volumes, a obra apresenta uma linguagem acessível, feita para todos. “Trata-se de um instrumento de formação sindical, um texto que está aberto, para ser discutido todos os dias”, acrescentou o autor.
O juiz Rodrigo Collaço, que fez a apresentação do primeiro volume do livro “Os Operários do Direito”, foi o segundo debatedor da noite. O ex-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) elogiou a obra: “Ler depoimentos é muito agradável, é um livro fácil de ler”. Sobre o processo de Pesquisa-Ação que originou o livro, Collaço classificou como uma oportunidade de discussão das relações internas do Judiciário capaz de criar uma identidade de classe. Para o juiz, a preocupação agora é pensar os operários do direito levando em conta a realidade esperada do Judiciário hoje, ou seja, a forma como a sociedade espera que este Poder exerça seu papel.
De acordo com Rodrigo Collaço, antes de 1988 a importância do Judiciário era pequena, considerando-se que se ocupava de causas particulares. Após a promulgação da Constituição de 1988, as causas passaram a tratar de interesses coletivos, voltados às políticas públicas e às questões de cidadania. “Hoje não temos mais só o João contra o José, temos causas respondendo sobre interesses coletivos como o fornecimento de medicamentos ou até o preço do ônibus”, lembrou. Para o juiz, “ganhamos visibilidade para o bem e para o mal” e se, antes, o Judiciário era um fim em si mesmo, agora começa a haver pressão da sociedade, exigindo uma mudança de postura dos operários do direito, que devem voltar-se a favor da cidadania. “O brasileiro era mais um súdito do que um cidadão”, continuou Collaço. “Hoje ele tem mais condições econômicas e também tem mais reivindicações, as coisas não vêm mais a ele como benesses e sua postura diante do servidores do Judiciário é de um cidadão buscando um serviço”, completou.
O juiz lembrou ainda que o Poder Judiciário é marcado pela tradição, que tem um viés perigoso: “romper com isso é possível e necessário”, avaliou. Para Collaço, a consistência do trabalho desenvolvido pelo Sindicato é um importante ponto de partida para realizar o debate sobre a postura do servidor diante desta mudança de visão sobre o Judiciário. Ele assinalou que essa obra pode ser o ponto de partida para criar o sentimento de classe e, ao mesmo tempo, estabelecer uma linha direta com o cidadão, explicando porque as coisas são como são dentro do Poder Judiciário.
Em seguida, o presidente do Sinjusc, Alessandro Pickcius, lembrou aos participantes sobre o que foram esses sete anos de construção do processo de Pesquisa-Ação, que culminou no livro ora lançado. Foram diversos seminários por todo o estado, muito trabalho nas regionais sindicais e o envolvimento não só dos servidores, mas também de bolsistas e terceirizados. “Nos deparamos com cenas como trabalhadores que não sabiam ler nem escrever, pedindo auxílio para responderem o questionário”, lembrou.
O presidente do Sinjusc destacou também a necessidade de que o trabalho realizado por todos os servidores rompa as fronteiras de Santa Catarina e do Poder Judiciário, servindo como ponto de partida para que as relações sociais dentro do serviço público sejam discutidas.
“Não há registros oficiais das doenças de trabalho que acometem os servidores públicos, diferente do setor privado”, lembrou Pickcius. Para ele, o tipo de controle que existe sobre o trabalho faz com que haja o adoecimento dos servidores. “Com a realização deste extenso trabalho, o Sindicato superou uma visão de apontar problemas como as LER (Lesões por esforços Repetitivos) de forma a apenas maquilar o problema, e promoveu uma profunda discussão sobre as causas”, afirmou. Ele também informou aos participantes do debate que naquela mesma tarde de sexta-feira foi realizada uma Assembléia que discutiu a criação da Escola do Sinjusc, uma escola itinerante de formação, que procurará atingir os servidores de todo o estado. A Escola dará continuidade ao projeto “Fazendo Escola”, já desenvolvido pelo Sindicato e que busca criar uma visão ampla sobre o trabalho e o trabalhador.
Depois das falas, o debate se estendeu por mais uma hora, com vários questionamentos dos participantes, além de depoimentos sobre como foi participar da experiência da Pesquisa-Ação. “O trabalhador público, em sua maioria, se vê como um trabalhador diferenciado, uma visão que nos trouxe muito prejuízo; talvez esse seja o grande mérito desse trabalho: caiu a ficha, sim, nós somos trabalhadores, como o cara do frigorífico; essa consciência que começa a se formar é resultado de um processo com grande investimento de tempo e esforço”, descreveu uma participante. “Nosso Judiciário ainda tem uma visão extremamente legalista, que se opõe à visão de Justiça e de cidadania”, avaliou outro participante, ao que um terceiro concordou: “Essa visão legalista esquece a parte humana, ser legalista não dói, ver a realidade é que pode ser doído, como acontece com aqueles trabalhadores que estão na ponta do processo e vêem, por exemplo, a falta de acesso de muitos à Justiça”.
No final do debate, a diretora da Secretaria de Cultura e Esportes do Sinjusc, Soraia Joselita Depin, entregou aos participantes da mesa Herval Pina Ribeiro e Rodrigo Collaço uma lembrança do Sindicato, como forma de agradecimento à colaboração.