Cúpulas de tribunais saem em defesa de salários acima do teto e sugerem aposentadoria em massa de magistrados

Na quarta-feira, 4, presidentes de tribunais de justiça, tribunais do Poder Judiciário da União (TRFs e TRTs) e representantes do Ministério Público divulgaram nota conjunta sobre a PEC 45/2024, em que manifestam apoio ao “controle da trajetória da dívida pública” e, ao mesmo tempo, uma “profunda preocupação com as alterações no teto remuneratório”, alegando que o projeto “impacta diretamente direitos já consagrados da magistratura nacional”. Entre o que as entidades chamam de “direitos consagrados” estão, por exemplo, as diversas autoconcessões de benefícios no último período. A nota dos presidentes de tribunais não toca na trava imposta à política de valorização do salário mínimo (até 2,5% de ganho real) ou nas limitações às concessões do Benefício de Prestação Continuada (BPC) previstas na proposta, muito menos na necessidade de uma política tributária progressiva que taxe as grandes fortunas e os grandes patrimônios.

O texto é assinado pelo Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil (Consepre), Colégio Permanente de Presidentes dos Tribunais de Justiça Militar, Colégio de Presidentes dos Tribunais Eleitorais do Brasil (Coptrel), Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho (Coleprecor) e pelos presidentes dos tribunais regionais federais das seis regiões da Justiça Federal. No Ministério Público, manifestaram-se no mesmo sentido a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais (CNPG), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT).

A manifestação também sugere que muitos juízes poderão se aposentar caso percam os benefícios que extrapolam o teto remuneratório de R$ 44 mil mensais: “aproximadamente 40% dos magistrados contam atualmente com os requisitos para aposentadoria e, caso a PEC seja aprovada, muitos poderão optar por se aposentar imediatamente”. O argumento é de que, se isso acontecer, poderá haver congestionamento de processos em tramitação e, além disso, haverá a necessidade de realizar concursos públicos, o que implicará gastos. A nota, portanto, busca justificar a autoconcessão de benefícios acima do teto como forma de economia; as exceções permitiriam ganhos acima dos R$ 44 mil.

Na onda de autoconcessões acima do teto está a “licença compensatória”, que gera um dia de folga para cada três dias de exercício ou o equivalente em pecúnia para magistrados, podendo ultrapassar R$ 11 mil mensais; a “Política Pública de Estímulo à Lotação e à Permanência de Magistrados(as) em Comarcas de difícil provimento”, que poderá render mais de R$ 7,2 mil mensais a vários juízes – com critérios bastante amplos, podendo alcançar uma parcela importante da magistratura. No horizonte também estão os quinquênios, pagamentos de adicional de tempo de serviço de 5% a cada 5 anos para juízes e membros do Ministério Público, além de alterações de índices e critérios de cálculo para vantagens já recebidas.

Projeto de teto em tramitação no Congresso é a legalização do extrateto

O governo Lula (PT) incluiu a restrição dos supersalários no pacote enviado ao Congresso que visa o chamado “ajuste fiscal”. Divulgado no final de novembro, o pacote inclui a ampliação da taxa de isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil, por um lado, e estabelecimento do teto do arcabouço fiscal ao aumento do salário mínimo, além de outras medidas. Entre essas outras medidas, está a retomada da discussão sobre os supersalários, que antes tramitava como um projeto de lei (PL 6726/2016) e agora volta como parte de uma PEC.

O projeto anterior, que chegou a ser aprovado na Câmara dos Deputados em 2021, mas não avançou no Senado, listava 32 tipos de pagamentos considerados indenizações, direitos adquiridos ou ressarcimentos e que poderiam superar o teto – colocando também limites em alguns deles. Veja a lista abaixo:

I – auxílio-alimentação, limitada a exclusão a valor correspondente a três por cento do limite remuneratório aplicável à retribuição do agente;
II – ressarcimentos:
a) de despesa médica e odontológica efetivada nos termos de plano de saúde mantido pelo órgão ou entidade; ou
b) de mensalidade de planos de saúde, até quatro por cento do limite remuneratório aplicável à retribuição do agente;
III – adicional de férias, em valor não superior a um terço da remuneração do agente, desde que não decorra de período de férias superior a trinta dias por exercício;
IV – pagamentos decorrentes de férias não gozadas:
a) durante a atividade, limitados a trinta dias por exercício, em virtude da impossibilidade de gozo tempestivo por necessidade do serviço, comprovada em processo administrativo eletrônico específico, disponibilizado para acesso por parte de qualquer interessado em portal mantido junto à rede mundial de computadores pelo órgão ou entidade;
b) após a demissão, a exoneração, a passagem para a inatividade ou o falecimento;
V – pagamentos decorrentes de até seis meses de licença-prêmio não usufruída, nas condições referidas na alínea b do inciso IV;
VI – décimo terceiro salário, adicional noturno e serviço extraordinário, desde que pagos nos termos previstos nos incisos VIII, IX e XVI do art. 7º da Constituição Federal;
VII – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço;
VIII – adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres e perigosas;
IX – auxílio-creche, relativo a filhos e dependentes até cinco anos de idade, até valor correspondente, por dependente, a três por cento do limite remuneratório aplicável à retribuição do agente;
X – auxílio ou indenização de transporte, observada a estrita e efetiva necessidade do serviço, em valor não superior a três por cento do limite remuneratório aplicável à retribuição do agente;
XI – indenização decorrente do uso de veículo próprio em serviço, em valor não superior a sete por cento do limite remuneratório aplicável à retribuição do agente;
XII – auxílio-moradia:
a) concedido em razão de mudança do local de residência, por força de ato de ofício, enquanto permanecer o vínculo do agente com a origem ou se o beneficiário for ocupante exclusivamente de cargo de livre provimento e exoneração, respeitado o disposto nos incisos I a III do § 3º;
b) para custeio de residência em localidade distinta do domicílio eleitoral, em virtude do exercício de mandato eletivo, respeitado o disposto nos incisos I e II do § 3º;
c) previsto no art. 45-A da Lei nº 5.809, de 1972, respeitado o disposto nos incisos I e II do § 3º;
XIII – diárias e indenização devida em virtude do afastamento do local de trabalho para execução de trabalhos de campo sem direito à percepção de diária, até valor correspondente, por dia, a dois por cento do limite remuneratório aplicável à retribuição do agente, exceto quando se tratar de moeda estrangeira;
XIV – ajuda de custo para mudança e transporte, até o valor correspondente ao preço médio cobrado no domicílio de origem para prestação de serviços com esta finalidade, atualizado trimestralmente pelo órgão ou entidade;
XV – abono decorrente de opção pela permanência em serviço após a aquisição do direito de passagem à inatividade, até o valor correspondente à contribuição previdenciária vertida pelo servidor;
XVI – contribuições pagas pela pessoa jurídica relativas a programa de previdência complementar, aberto ou fechado;
XVII – indenização de despesas destinadas a viabilizar o exercício de mandato eletivo;
XVIII – gratificação pelo exercício de função eleitoral, prevista na Lei nº 8.350, de 28 de dezembro de 1991;
XIX – Indenização de Representação no Exterior, do Auxílio-Familiar, da Ajuda de Custo e das Diárias previstos nas alíneas a, b, c e d do inciso III do art. 8º da Lei nº 5.809, de 10 de outubro de 1972;
XX – adicional ou auxílio-funeral, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social;
XXI – restituição de valores indevidamente descontados da retribuição do agente, inclusive em relação à respectiva correção monetária e juros de mora;
XXII – correção monetária e juros de mora incidentes sobre parcelas em atraso, observado, na respectiva base de cálculo, a cada mês de competência, o limite remuneratório sobre o total devido, considerando-se o somatório dos pagamentos em atraso e dos anteriormente efetivados;
XXIII – Indenização Financeira Mensal para Tropa no Exterior e Indenização Financeira Mensal para Funções de Comando no Exterior, previstas no caput e nos §§ 1º e 2º do art. 3º da Lei nº 10.937, de 12 de agosto de 2014, bem como o auxílio destinado a atender despesas com deslocamento e instalação, previsto no art. 4º da referida Lei;
XXIV – ajuda de custo devida ao militar por ocasião de transferência para a inatividade remunerada, prevista na alínea b do inciso XI do art. 3º da Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, e na legislação aplicável aos militares dos Estados e do Distrito Federal, até quatro vezes a remuneração mensal do militar;
XXV – compensação pecuniária devida ao militar temporário das Forças Armadas, por ocasião de seu licenciamento, prevista na Lei nº 7.963, de 21 de dezembro de 1989;
XXVI – auxílio-fardamento;
XXVII – auxílio-invalidez;
XXVIII – adicional de compensação orgânica, previsto no inciso V do art. 3º da Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, ou parcela equivalente prevista na legislação aplicável aos militares dos Estados e do Distrito Federal, até vinte por cento do valor do soldo;
XXIX – gratificação de representação prevista nas alínea b, c e d do inciso II do art.
10 da Lei nº 13.945, de 16 de dezembro de 2019, devida ao militar pela participação em viagem de representação, instrução, emprego operacional ou por estar às ordens de autoridade estrangeira no País, ou parcela equivalente prevista na legislação aplicável aos militares dos Estados e do Distrito Federal, limitada a exclusão, em ambos os casos, a valor correspondente, por dia, a dois por cento do soldo;
XXX – pagamentos correspondentes a até seis meses da licença especial a que se refere o art. 33 da Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, após a demissão, a passagem para a inatividade ou o falecimento, ou, nas mesmas circunstâncias, de licença equivalente prevista na legislação aplicável aos militares dos Estados e do Distrito Federal;
XXXI – participação na organização ou realização de concurso público ou como instrutor em processo de capacitação mantido por órgão ou entidade integrante da administração pública direta e indireta, desde que não exceda valor correspondente a dez por cento do limite remuneratório aplicável ao agente.
XXXII – gratificação por exercício cumulativo de ofício dos membros do Ministério Público da União, de que trata a Lei nº 13.024, de 26 de agosto de 2014, e gratificação por exercício cumulativo de jurisdição, a que se refere a Lei nº 13.093, de 12 de janeiro de 2015, assim como parcela de idêntica finalidade voltada aos membros da magistratura estadual, dos Ministérios Públicos dos Estados e da Defensoria Pública da União e dos Estados, observado o limite de um terço do limite remuneratório aplicável ao agente e o disposto no §4º.

 

A nova PEC (45/2024) trata do tema incluindo, no art. 37 da Constituição, o seguinte parágrafo: “Somente poderão ser excetuadas dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput as parcelas de caráter indenizatório expressamente previstas em lei complementar de caráter nacional aplicada a todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos”.

Autoconcessões para magistratura inviabilizaram antecipação de 6,13% em 2024

Nos estados, pagamentos de direitos de servidores e servidoras já chegaram a ser suspensos por falta de orçamento gerada pelas autoconcessões que a magistratura defende de forma tão incisiva. Além disso, esses benefícios utilizam uma fatia importante e crescente do orçamento do Poder Judiciário, o que também prejudica, por exemplo, a reposição das perdas salariais de servidores e servidoras. A antecipação da parcela de reposição salarial prevista para fevereiro de 2025 poderia ter sido antecipada se não fosse o comprometimento do orçamento do poder judiciário com benefícios à magistratura. Nenhum deles foi submetido a disponibilidade orçamentária, diferentemente das reivindicações dos servidores. Neste momento, por exemplo, enquanto magistrados e magistradas se autoconcedem cada vez mais benefícios e indenizações, o projeto de reposição salarial e reestruturação da carreira ainda aguarda formalização do Supremo Tribunal Federal. A categoria está cobrando do STF a formalização dos índices de reposição “preliminares” apresentados pelo coordenador do subgrupo 3 do Fórum de Carreira do CNJ, João D’arc de Oliveira. Os índices seriam de 2,1% em 2025, 9,2% em 2026 e 11,5% em 2027.

PEC-45-2024-MANIFESTACAO.pdf (8 downloads )

Com informações do Sintrajufe/RS