Cláudio Maciel de Pontes, 38 anos, casado e pai de quatro filhos, estudou até a 4ª séria primária e é líder comunitário. Ele é uma das 200 pessoas que vivem na comunidade quilombola de Cangume, na região do Vale do Ribeira, localizada entre os estados de São Paulo e do Paraná.
São nove comunidades de descendentes de escravos que têm em comum o modo de vida simples e a luta para conseguir a posse das terras onde vivem. São essas pessoas que no fim do ano passado lançaram sua própria a página na internet. No endereço www.quilombosdoribeira.gov.br eles divulgam a cultura, a história e a luta pela terra nas comunidades onde vivem.
A idéia de criar uma página na internet surgiu a partir de um projeto do Instituto Socioambiental [ISA], que contou com apoio financeiro do Ministério do Meio Ambiente para capacitar as comunidades do Vale do Ribeira. Foram feitas oficinas de gestão de negócios, de empreendimento e de inclusão social.
Em Cangume existem apenas dois telefones públicos, e um celular, o do Cláudio. O posto de saúde mais próximo fica a 12 quilômetros de distância; o hospital a 35 quilômetros; e a escola da comunidade só ensina até a 4ª série.
Para continuar estudando os alunos precisam pegar um ônibus – cedido pelo governo do estado de São Paulo – pois, o centro de ensino mais próximo também fica a 12 quilômetros e as aulas são noturnas. As plantações são apenas para a sobrevivência. “Trabalhamos todos juntos na roça, o alimento reparte, o que sobra vende”, resumiu o líder da comunidade.
Na região do Vale do Ribeira existem 20 comunidades quilombolas, mas apenas nove optaram por participar da página. Antes de o ISA começar o projeto na região, em dezembro de 2005, eles não conheciam computador, não sabiam o que era internet. O coordenador do projeto, José Strabert, disse que a idéia é maior do que o site, trata-se de inclusão social. Para ele o espaço virtual foi uma conseqüência.
“As pessoas não sabem que os quilombolas existem, as pessoas não conhecem os quilombolas. Esse Brasil plural precisa ser divulgado. O ISA apresentou a proposta do site para todos os líderes comunitários e eles aprovaram”, disse Strabert. Mesmo sem conhecer a internet, as comunidades escolheram os assuntos a serem divulgados, ajudaram a escrever os textos e escolherem o visual da página.
O trabalho do ISA com as comunidades do Vale do Ribeira acaba em maio deste ano. Até lá Strabert espera que os quilombolas já sejam capazes de atualizar e manter o site sem ajuda. O problema é que das nove comunidades envolvidas apenas duas já tem computador.
“Dependemos de um financiamento, ainda não temos uma garantia para depois que o prazo expirar. Não sei como vai ficar a situação das comunidades depois de maio”, lamenta.
Os quilombos surgiram há mais de 300 anos, como focos de luta dos escravos pela liberdade. Hoje, a luta dessas comunidades é pela terra. Dos 20 grupos do Vale apenas uma já tem a posse da terra, quatro brigam na Justiça com particulares e 25 são reconhecidas como quilombo, mas não têm terra.
Luta de quilombolas hoje é pela posse da terra, afirma professor
No Brasil existem cerca de 3.500 comunidades quilombolas, descendentes diretos dos escravos africanos trazidos para o país pelos colonizadores portugueses. Muitas dessas comunidades não dispõem de escolas nem de atendimento médico. Os quilombolas vivem basicamente da pesca e da agricultura de subsistência.
Os dados foram levantados pelo professor de direito ambiental da Universidade Federal do Pará Girolamo Donenico Treccani, que durante vários anos estudou essas comunidades e seu modo de vida. Para ele, a luta dos quilombolas mudou de foco.
“Antes os escravos fugidos lutavam pela liberdade, formando os primeiros quilombos. Hoje a luta é pelo reconhecimento, pela recuperação da identidade cultural e pela pose das terras onde vivem”.
Treccani também é autor do livro Terras de Quilombo, que descreve a história dessas comunidades e retrata as dificuldades atuais dessa gente. Para ele, a burocracia também é uma barreira que dificulta a luta dos quilombolas.
O processo de titulação ou reconhecimento de posse de terras dos quilombolas começa com o reconhecimento pela Fundação Palmares, órgão ligado ao Ministério da Cultura.
Em seguida, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária [Incra] inicia um processo de posse de terra. Nessa fase, o tempo depende da situação de casa quilombo. Se a comunidade estiver formada em terra particular o processo é de desapropriação de terras e não apenas de titulação.
O coordenador geral de reconhecimento de territórios de quilombos do Incra, Rui Leandro da Silva, concorda que a Justiça é demorada, mas diz que isso está previsto em lei. De acordo com a Fundação Palmares existem 1.002 comunidades quilombolas reconhecidas no Brasil, das quais apenas 82 têm a posse da terra. O último estudo oficial feito pelo governo é de 1999.
A Constituição de 1988 prevê, no Artigo 68, o reconhecimento, a delimitação e a titulação das terras dos quilombolas, mas muitas dessas comunidades estão em área particular ou simplesmente não foram mapeados pelo Estado brasileiro.
Fonte: Fenajufe, com informações do Portal Vermelho