– Comunicação virtual e cidadania: Movimentos sociais e políticos na Internet

O ambiente tendencialmente interativo, cooperativo e descentralizado da Internet introduz um componente inesperado e criativo nas lutas sociais da segunda metade dos anos 90. Partidos, sindicatos, organizações não-governamentais e até grupos guerrilheiros, ainda que eventualmente separados por estratégias e táticas de ação, descobrem no ciberespaço possibilidades de difundir suas reivindicações. 

E o que é desconcertante: sobrepujando os filtros ideológicos e as políticas editoriais da chamada grande mídia. Não se tem a pretensão de atingir milhões e milhões de pessoas, privilégio dos que detêm o controle dos meios de comunicação tradicionais. 

O que se busca é promover a disseminação de idéias e o máximo de intercâmbios. Poder interagir com quem quer apoiar, criticar, sugerir ou contestar. Como também driblar o monopólio de divulgação, permitindo que forças contra-hegemônicas se expressem com desenvoltura, enquanto atores sociais empenhados em alcançar a plenitude da cidadania e a justiça social. 

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria, a Anistia Internacional, Confédération Internationale des Syndicats Libres, o Human Rights Watch, o Greenpeace, a Rede de Informações do Terceiro Setor (Rits), o Fórum Nacional pela Democratização dos Meios de Comunicação, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), do México, entidades feministas e partidos políticos inscrevem-se entre as organizações da sociedade civil que decidiram apostar na Web. (E agora, o SINTRAJUSC também.)

A militância on line vem alargar a teia comunicacional planetária, usufruindo de uma das singularidades do ciberespaço: a capacidade de disponibilizar, em qualquer espaço-tempo, variadas atividades, formas e expressões de vida. A cibercultura universaliza as visões de mundo mais díspares, os modos de organização social mais contrastantes, as ambições mais difusas, sem favorecer pensamentos únicos ou domínios por coerção. Trata-se de um âmbito virtual de conhecimentos múltiplos, que congrega forças, ímpetos e interesses contraditórios. Com a peculiaridade fundamental — apontada por Pierre Lévy — de universalizar sem totalizar. 

O ciberespaço configura-se como um universal indeterminado, sem controles e hierarquias aparentes, sem pontos fixos para a veiculação de informações e saberes. No ciberuniverso, as partes são fragmentos não-totalizáveis, isto é, não sujeitas a um todo uniformizador de linguagens e concentrador de poderes. As relações entre as partes podem reinventar-se, em densidade e em extensão, sem que umas se sobreponham ou subjuguem as demais.

A cada nó que se soma à rede em expansão contínua, incorporam-se novos usuários, os quais se convertem, potencialmente, em produtores e emissores de informações novas e imprevisíveis, em condições de serem consumidas instantaneamente, sem barreiras geográficas, sem fusos horários e sem grades de programação. A dinâmica da Internet como um sistema universal desprovido de centros fixos de enunciação e também de significações unívocas não encontra paralelo nos meios dos comunicação que conhecemos até hoje. Cabe à capacidade cognitiva de seus usuários determinar, por conta própria, como se vão reorganizar, a todo momento e interativamente, as partes das conexões globais. 

Essa imagem da Internet como um mega-sistema planetário em constante mutação e saudável desordem justifica a sua classificação de Babel cultural do final do milênio. Ela, de fato, assemelha-se a um gigantesco mosaico, no qual elementos paradoxais convivem sem a prevalência de uns sobre os outros. Quem decide o que deve ser destacado e aproveitado é o internauta, por afinidades e conveniências. 

No ciberespaço, as contradições não precisam ser silenciadas, porque é da essência mesma do virtual a veiculação simultânea e indefinida de conteúdos, pouco importando as suas procedências, os seus alinhamentos ideológicos, as suas armas de confrontação e fascínio. O princípio básico é disponibilizar, pôr em andamento e execução, tornar dados, imagens e sons acessáveis e acessíveis. Em última análise, são os usuários — individuais ou coletivos — que acabam por determinar os sentidos possíveis para as mensagens.

Vale ressaltar que não concebemos o ciberespaço como uma esfera divorciada dos embates sociais concretos. Embora a práxis virtual seja pautada por especificidades que a distinguem claramente dos meios convencionais, há uma relação de complementaridade com o real, que resulta na progressiva hibridação de recursos tecnológicos. 

Os processos não se anulam, eles se acrescentam e se mesclam. Acabamos por acumular dados e experiências que, isoladamente, nenhuma das partes poderia produzir. Marc Guillaume salienta as confluências possíveis entre os padrões clássicos de interação social e as redes eletrônicas: “A rede social preexistente pode melhorar sua eficácia através da rede técnica, mas esta última não pode por si mesma criar uma rede social. Está claro também que o bom uso das mídias comutativas passa pelas complementaridade e hibridações, permitindo combinar automatismos e inteligência humana, rapidez de informação e vagar na assimilação e na formação.” 

A conjunção de atividades revela-se crucial numa época marcada por altíssima taxa de expansão de conhecimentos científicos e de renovação incessante de métodos produtivos. O rádio não substituiu o jornal, a TV não acabou com o rádio e a Internet não vai ocupar o lugar de ninguém. Ela é uma mídia de novo tipo, na verdade um viveiro de infomídias interativas, com difusão ultra-rápida, intermitente, extensiva e multidimensional. É, pois, viável combinar os instrumentos de ação político-cultural que o real e o virtual fornecem, sem perder de vista que no território físico, socialmente reconhecido e vivenciado, se tece o imaginário do futuro.


Autor:
Dênis de Moraes, doutor em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Imagem e Informação da Universidade Federal Fluminense, do Brasil. Este artigo resulta de pesquisa apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. É colaborador de Sala de Prensa.
 
Fonte: Gilberto Motta/SINTRAJUSC