Quem acompanha os fatos do mundo por veículos como a revista Veja e Rede Globo pode até acreditar que os servidores são malvados ao querer tanto reajuste quando países na Europa estão reduzindo salário de trabalhadores. Nessas horas, é conveniente comparar países europeus ao Brasil. No artigo “O jornalismo cego às armadilhas do discurso oficial”, publicado por Sylvia Moretzsohn no Observatório da Imprensa, ela mostra como isso ocorre no caso dos Greve dos professores das Universidades Federais.
“Uma primeira comparação entre as capas de dois dos principais jornais do país já levaria a algum arquear de sobrancelhas: enquanto O Globo alardeia em manchete “Governo cede e aumenta professores em até 48%”, a Folha de S.Paulo dá chamada de capa com um índice menor: “Governo propõe reajuste de até 40% a docentes das federais”.
A discrepância, mostra Sylvia, se deve a opções diferentes entre os jornais – o maior índice se refere a professores de institutos federais, e não de universidades – e ao cuidado do jornal paulista em abater, do índice anunciado, o reajuste de 4% já pago aos docentes de universidades no contracheque de maio, retroativo a março, conforme acordo estabelecido no ano anterior.
“Os jornais informam corretamente que os reajustes serão concedidos parcialmente, ao longo dos próximos três anos. Porém, não alertam para o essencial: que se trata de um percentual bruto, do qual, obrigatoriamente, deveria ser descontada a previsão de inflação para o período. E é aí que fica clara a primeira armadilha da proposta: não se trata de oferta de reajuste, mas da imposição de uma redução salarial, na maioria dos casos”.
A autora cita artigo do professor Wagner Ferreira Santos, do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Sergipe. Ele mostra o engodo de se comparar valores em períodos distintos sem considerar o índice de inflação correspondente, normalmente calculado pelo IGP-M. Com base nesse índice, o professor projeta uma inflação de 20% até 2015, de modo que, assim (re)ajustada, a remuneração da grande maioria dos professores (mestres e doutores com dedicação exclusiva, que compõem a esmagadora maioria nas universidades públicas) sofreria, de fato, perda de 0,4% a 11,9%, conforme a titulação e o nível de carreira.
As reportagens não deixaram de notar o “impacto” de R$ 3,9 bilhões que essa “proposta definitiva” causará aos cofres públicos, ignorando oportunamente o teor da Medida Provisória 559, já aprovada pelo Congresso e dependendo apenas da sanção presidencial, pela qual o governo concede às instituições particulares de ensino R$ 15 bilhões sob a forma de renúncia fiscal. Como dá para ver, manipular números é parte da estratégia para deixar a população contra a Greve dos servidores públicos.