Ainda sobre os destroços de um país aniquilado pela miséria e por conflitos internos e externos, grandes transnacionais norte-americanas, em especial do setor têxtil, como GAP ou Levi’s, estão iniciando um processo que pode transformar o Haiti em um território composto pro maquiladoras (os chamados sweat shops, ou centros industriais com isenções fiscais e de direitos trabalhistas) e zonas francas. Nesse sentido, sob pretexto de ajudar na “reconstrução” do país, empresas norte-americanas estão inundando o Haiti com propostas de geração de emprego, oferecendo, proporcionalmente, o menor salário do mundo.
A denúncia, feita por ativistas de direitos humanos do Haiti durante a sistematização dos debates sobre militarização no Fórum Social Américas, encerrado na última sexta-feira (30), também acusa o Brasil e a Argentina, países supostamente progressistas, a preparar o terreno para a entrada do capital oriundo dos Estados Unidos.
“O Brasil, que lidera a força de ocupação internacional no Haiti, é muito querido em função do futebol. Mal sabe o nosso povo que os brasileiros aqui tem ordens de matar, se for preciso. Sobre as forças de paz, lideradas pelo Brasil, dizem que são forças de reconstrução. Mas, na verdade, são forças de exploração, e nesse sentido nos comparamos ao Iraque. Acredito que, agora, é papel principalmente da população brasileira e Argentina pressionar os seus governos pela retirada das tropas do Haiti. A pressão funcionou no caso da Espanha em relação ao Iraque, pode funcionar também na América Latina”, diz Camille Chalmers, secretário da Platform for the Advocacy of Alternative Development no Haiti.
De aliado à vítima
Outro aspecto levantado na discussão sobre as estratégias militares dos EUA para a América Latina foi campanha norte-americana, iniciada em 1995, de “criminalizar” a chamada Tríplice Fronteira (área de fronteiras entre Argentina, Paraguai e Brasil) sob alegação de que a comunidade árabe local supostamente teria ligações com a organização terrorista Al Qaeda.
“Chama a atenção, neste caso, que, da população de 125 mil árabes que vivem na região não há registro de que, nos últimos dez anos, nem sequer um tenha cometido um delito, conforme levantamento feito por instituições de pesquisa do Brasil e da Argentina. Também não existe uma única acusação dos três Estados de terrorismo contra um cidadão de origem árabe na Tríplice Fronteira. De onde os norte-americanos tiraram, então, a idéia que lá vivem terroristas da Al Qaeda?”, questiona Juan Roque, membro da rede Jubileu Sul, da Argentina.
Segundo Roque, a estratégia americana, através do chamado Comando Sul (forças especiais dos EUA para a América Latina) é articular, separadamente, um alinhamento com as forças armadas dos três países, e uma cooperação formal com os governos. O objetivo seria garantir o apoio dos militares independentemente da linha política dos governos para uma agenda norte-americana, que, não necessariamente, estivesse de acordo com as agendas domésticas (combate ao contrabando, ao narcotráfico e defesa de fronteiras).
Mas qual o grande interesse dos EUA na região? Segundo Roque, são dois: por um lado, a construção de uma base de inteligência capaz de monitorar as comunicações da América Latina (projeto apresentado ao Paraguai), e, sobretudo, o controle sobre o Aqüífero Guarani, a segunda maior reserva de água doce subterrânea do mundo, capaz de, pelos próximos 200 anos, fornecer água para toda a população mundial, afirma o argentino.
“É importante ficarmos atentos. O Banco Mundial está com um estudo em andamento, orçado em US$ 20 milhões, para levantar o potencial do aqüífero. Ao mesmo tempo, apresentou uma recomendação aos chefes de Estado de que o estoque de água não seja tocado. Achamos que os planos americanos para o aqüífero podem sim justificar uma intervenção militar travestida de “combate à A Qaeda”, uma vez que a água deve se tornar o recurso natural mais precioso num futuro próximo”, afirma Roque. Fonte: Carta Maior)