Por Marcela Cornelli
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou na quarta-feira (24/2) sua Campanha da Fraternidade 2004, cujo tema é Água, Fonte de Vida, e imediatamente começou a coletar adesões para um abaixo-assinado que defende mudanças na legislação do País. Com o objetivo de evitar a privatização dos recursos hídricos, a CNBB espera coletar 1 milhão de assinaturas e propor ao Congresso a discussão de uma Lei do Patrimônio Hídrico Brasileiro, ou a alteração pontual de leis já existentes.
“Propomos uma mudança no espírito da lei. O pano de fundo é entender a água não só como recurso a ser usado, mas como patrimônio a ser preservado”, disse Roberto Malvezzi, da coordenação da Comissão Pastoral da Terra e um dos autores do texto-base da campanha. O lançamento, na quarta-feira, contou com a presença dos ministros Marina Silva (Meio Ambiente), Patrus Ananias (Desenvolvimento Social e Combate à Fome), e José Fritsch (Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca).
A CNBB não convidou, no entanto, nenhum representante do Ministério das Cidades, responsável pela política nacional que prevê a participação de empresas privadas na gestão do saneamento e abastecimento de água.
Reorganizar leis
A campanha chama atenção para o fato de que 50% das residências no Brasil não têm coleta de esgoto e que não há uma política nacional para captação de água da chuva – apesar de haver diversas leis que tratam do tema, como o Código de Águas, de 1934, a Lei Brasileira de Recursos Hídricos, de 1997, e a lei que criou a Agência Nacional de Águas. Nesse caso, seria necessário unificá-las ou realizar mudanças pontuais.
A CNBB sugere alterações para enfatizar a gestão pública e o controle social sobre as águas no País. O trecho da Lei de Recursos Hídricos que diz que a “água é um bem de domínio público”, por exemplo, passaria a ter a seguinte redação: “A água é um bem da União, de domínio público e um direito universal, cabendo ao poder público e à sociedade sua gestão.”
Marina Silva disse que o governo pretende construir 1 milhão de cisternas no semi-árido até o fim de 2006. Segundo ela, o número de cisternas instaladas até agora só garante o fornecimento de 10 litros de água por dia para cada morador, enquanto o mínimo determinado pela Organização Mundial da Saúde é 40 litros.
Crise de abastecimento
Na avaliação do especialista Aldo Rebouças, o planeta não enfrenta uma crise de água, mas de abastecimento. A diferença, segundo ele, é que há água suficiente para todos, mas o recurso é freqüentemente desperdiçado, poluído e mal distribuído. O resultado: cerca de 40% da população mundial não tem acesso a água adequada.
Isso inclui regiões áridas, como o deserto do Saara, e grandes metrópoles como São Paulo, onde há muita água na natureza, mas pouca na torneira. “A quantidade de água é mais do que suficiente para todas as nossas necessidades”, disse Rebouças, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. “O desafio é usá-la de forma racional.”
Em sua tradicional mensagem enviada aos bispos brasileiros na Quaresma, divulgada quarta-feira pela Rádio Vaticano, o papa João Paulo II advertiu contra o desperdício. “Dom de Deus, a água é um direito de todos. Como não é um recurso ilimitado, é necessário cuidar dele, dando especial atenção nessas partes do mundo, e não só no Brasil, onde isso ocorre pouco. Seu uso racional e solidário exige a colaboração de todos os homens de boa vontade com as autoridades”, afirmou o Papa.
Fonte: Agência Brasil