Quem vê o homem cantarolando e batucando timidamente um samba antigo numa roda de amigos é capaz de esquecer que ele ocupa, com sobriedade, uma das 11 cadeiras do Supremo Tribunal Federal [STF]. Se nos fins de semana Cezar Peluso se permite relaxar, nos dias úteis é um juiz daqueles tradicionais: passa o tempo inteiro estudando os processos, não dá entrevista, mantém a discrição sobre a vida pessoal e se agarra aos aspectos técnicos dos processos durante os julgamentos.
Será o homem discreto, e não o sambista improvisado, quem assumirá, aos 66 anos, a presidência do STF em maio.
Diferente do atual ocupante do cargo, Gilmar Mendes, que costuma opinar sobre a vida política, econômica e social do país, Peluso deverá prezar pelo silêncio no tribunal.
— Um juiz não deve dar opinião sobre tudo — costuma dizer a pessoas próximas.
Longe da Corte, o apreço pela música brasileira é exercitado em eventos sociais promovidos por amigos. Por exemplo, a empresária Vera Brant, que abre as portas de sua casa, em Brasília, para um sarau a cada três meses. Entre os convidados ilustres estão Peluso, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes e Ellen Gracie — todos ministros do STF. Ayres Britto logo toma a frente dos trabalhos dedilhando um violão e cantando.
Quando o repertório é samba antigo, Peluso logo se aproxima e, discretamente, tamborila o ritmo na mesa, mexendo o corpo.
Identifica composições de Pixinguinha, Noel Rosa, Cartola, Adoniran Barbosa. Tudo regado a um bom vinho tinto.
— Lá a gente espairece. Ele conhece todas as músicas e fica ali atento, feliz, satisfeito — conta Ayres Britto sobre o colega.
A mesma cena se repete a cada dois meses na casa de um casal de juízes de Brasília, Carlos Olavo e Mônica Sifuentes.
Nessas ocasiões, Ayres Britto e Peluso também exercitam outra verve em comum: os trocadilhos.
— Ele é bom no jogo de palavras. Nos divertimos com isso — diz Ayres Britto.
Embora mantenha esse lado distante do público, o talento com as palavras já rendeu a Peluso premiações na juventude.
Em 1960, ganhou a Maratona Intelectual Euclidiana, promovida pela Casa de Cultura Euclides da Cunha, em São José do Rio Pardo [SP], com texto sobre a vida e a obra do escritor. Em 1962, em Santos [SP], foi o primeiro colocado no concurso literário “Penas de Ouro”, do jornal “A Tribuna”. No ano seguinte, obteve a mesma láurea.
No STF, Peluso é o único juiz de carreira. Seus colegas vieram todos do Ministério Público e da advocacia.
Nascido em Bragança Paulista [SP], foi aprovado em 1967, em segundo lugar, no concurso para juiz do estado de São Paulo. Desde então, não trocou de profissão. Foi juiz de primeira instância por 14 anos e de segunda instância por 21 anos. Chegou ao STF em julho de 2003 pelas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quem se lembrou de Peluso para a vaga foi o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.
Bate-bocas longe do plenário
Nos julgamentos, é incisivo com suas opiniões e, por vezes, não mede palavras para criticar ou para fazer valer seu ponto de vista. Pagou pelo excesso em agosto de 2008, quando criticou duramente, em público, uma juíza que proibira um réu de tirar as algemas durante seu julgamento.
Chamou a juíza de inexperiente por ter tomado tal atitude.
Só depois ficou sabendo o nome da juíza: Glaís de Toledo Piza Peluso, sua própria filha.
O próximo presidente do STF é amigo de Gilmar Mendes, com quem tem o pensamento alinhado nas decisões judiciais, e de Eros Grau. Peluso não é de discutir em público com os colegas por motivos que não sejam processuais. Os bate-bocas acalorados devem sumir do plenário ao longo dos próximos dois anos, período de seu mandato.
O ministro costuma dizer que acha muito desagradável deixar o público assistir a discussões desse tipo pela TV Justiça.
Na Corte, Peluso não é unanimidade.
Os principais críticos, que evitam declarações públicas, consideram o ministro muito conservador em suas posições jurídicas. Recentemente, votou pela extradição do ex-ativista italiano Cesare Battisti e pelo arquivamento do inquérito contra o deputado Antonio Palocci [PT-SP]. Na vida pessoal, mantém a tradição: católico fervoroso, é casado com a advogada Lúcia, que foi sua colega de turma na graduação, concluída em 1966 na Faculdade Católica de Direito de Santos.
Um dos fãs mais entusiastas de Peluso é o advogado Saulo Ramos, que foi ministro do ex-presidente José Sarney [PMDB-AP], hoje presidente do Senado.
No livro Código da vida, ele conta ter convivido com Peluso quando ele ainda era um jovem juiz da primeira instância de São Paulo. Ramos descreve Peluso com adjetivos como excepcional, fabuloso, competente, correto, culto e inteligente. “O Dr. Antônio Cezar Peluso é um dos melhores magistrados e juristas deste país. O Supremo foi premiado com sua nomeação. O Brasil precisava de um homem assim naquela corte”, escreveu.
Prestes a alcançar o topo da carreira, Peluso ainda guarda um sonho não realizado: passar uma noite dançando num ensaio da Estação Primeira de Mangueira, no Rio de Janeiro. Ele não quis informar ao GLOBO seus planos para este carnaval.
Fonte: Jornal O Globo, por Carolina Brígido, de Brasilia